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Moçambique

Maputo: a revolta da fome

setembro 4, 2010
No dia 1º de Setembro, já os sms tinham circulado para convocar a greve em Maputo contra os aumentos dos preços do pão, da água e da eletricidade, um representante do governo lembrou Maria Antonieta.

 Em entrevista à Rádio Moçambique, no programa "Café da manhã", a ilustre personagem apelou aos ouvintes para, em substituição ao pão, comerem batata doce. Ignorância e prepotência caminham, como sabemos, muitas vezes de mãos dadas. Horas depois, a polícia e o exército do mesmo governo chefiado pela Frelimo disparavam sobre a multidão desarmada.
 
Eram homens, mulheres e crianças da periferia miserável da capital moçambicana, a manifestar a sua revolta contra aumentos de preços de produtos essenciais que os condenariam a passar ainda mais fome. Estradas foram bloqueadas, pneus e carros incendiados, barricadas erguidas, lojas pilhadas, enquanto multidões dirigiam-se, a pé, para o centro de Maputo.
 
O governo da Frelimo fez, em números provisórios, só no primeiro dia da rebelião, dez mortos, entre os quais crianças, mais de 200 feridos e quase 150 prisões. Durante os protestos, um homem foi filmado no primeiro andar da sede do Partido Frelimo, na Avenida de Angola, a atirar contra os manifestantes. Foi a reação violenta de um governo corrupto e ditatorial, comandado pelo Fundo Monetário Internacional e à frente de um dos países mais pobres do mundo. Segundo as Nações Unidas, 46,8% da população moçambicana vive numa situação de pobreza extrema, superior à média do continente africano e só superada por países como Afeganistão, Serra Leoa ou Guiné. Os elevados índices de crescimento econômico verificados nos últimos anos, acima às vezes dos 5%, têm beneficiado quase que exclusivamente a elite, burocrática e empresarial, ligada à Frelimo, e as empresas estrangeiras que exploram a mão-de-obra barata e as riquezas do país.
 
Um protesto legítimo
 
"O sentimento que hoje grassa nos bairros populares do Grande Maputo é o de uma incerteza global quanto ao futuro e à própria subsistência e, face ao poder político, a sensação de que as suas dificuldades se tornaram irrelevantes para os poderosos e de que não existem canais por onde as suas necessidades e protestos possam ser canalizadas de forma eficaz", escreveu no jornal Público o professor Paulo Granjo, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa.
 
"Moçambique passou, com o fim da guerra civil, de um regime socializante e paternalista para uma política ultraliberal que trouxe o aumento do desemprego e das elites econômicas, coincidentes ou ligadas às elites políticas. Trouxe também a erosão do controle local da população através de instituições partidário-estatais que, se podiam cometer abusos, também podiam canalizar as necessidades e reclamações populares", analisou o artigo.
 
Numa outra reportagem, também do jornal Público, um participante da revolta, pedreiro de profissão e ativista de organizações cívicas, explicava as suas razões: "Estamos contra o aumento do custo de vida, é um protesto legítimo. Eu vivo com menos de 50 meticais (cerca de um euro) por dia. Se a manifestação existe é porque as pessoas não estão contentes. Dói sermos explorados injustamente". E prosseguia: "Nós votamos neles [Frelimo], mas a Frelimo não é aquela pessoa que está hoje na cadeira do poder. A Frelimo sempre quis dar o melhor ao povo desde os tempos de Samora Machel. E os atuais dirigentes não sentem pena desta gente que está cada vez a sofrer mais?"
 
Tudo indica que não. Para o ministro do Interior do governo presidido por Armando Guebuza, o mesmo que vive a chamar o povo de "maravilhoso", a revolta teria sido uma ação de "criminosos, aventureiros, malfeitores e bandidos". Mesmo o porta-voz da Renamo, a principal força de oposição, sem deixar de criticar a violência da polícia, não se absteve de também condenar as pilhagens.
 
Os assassinos estão fardados
 
De acordo com vários testemunhos, a revolta teria começado no bairro de Benfica, uma zona periférica de Maputo, e em pouco tempo estendeu-se à Avenida de Moçambique e à de Acordos de Lusaka, as duas principais vias de entrada da capital, e para a Beira, a segunda cidade mais importante do país.
Como em 5 de Fevereiro de 2008, na rebelião contra o aumento do preço dos transportes, os "chapas", autocarros que transportam os habitantes dos subúrbios para o trabalho, não funcionaram. A adesão à greve – em Moçambique sinônimo de revolta popular – convocada na véspera por sms tinha sido de quase 100%. Os milhares de manifestantes dirigem-se, a pé, percorrendo quilômetros, para alcançar a "cidade de "cimento", onde está o poder.
 
De Maputo, João Vaz de Almada, relata ao Público: "O bruá da multidão é cada vez mais sonoro e a cadência dos passos intensifica-se, sinal que a turba se aproxima rapidamente da praça [Praça da Organização da Mulher Moçambicana]. Momentos antes, três veículos carregados de polícias munidos de metralhadoras AK 47 tomam posições ao longo da praça. A multidão chega ao local e a tensão aumenta à medida que crescem as palavras de ordem que clamam por justiça. Os tiros de aviso sucedem-se. O descontrolo entre os polícias é grande, e a turba, cada vez mais vociferante, entra na Avenida Vladimir Lenine, tomando a direção da Baixa da cidade. Agora as ordens parecem claras: ninguém pode passar para o cimento. Rapidamente tudo se precipita e os disparos, exclusivamente da polícia, tomam as mais variadas direções, com dois deles a deixar um corpo já cadáver e outro em estado grave que acaba por ser socorrido pela Cruz Vermelha. A turba, essa, recua, voltando à procedência. No alcatrão jazem dezenas de chinelos que o pânico deixou para trás."
 
"(…) Sob agitação e alguns tiros, corremos para o local. "Já levaram uma criança que estava ferida", revela um transeunte. "Isto é fogo real. Vocês têm de escrever que a polícia está a matar o povo inocente e indefeso". Enquanto isso, outro popular puxa-nos para o outro lado da rua, em direção a uma criança que jaz cadáver, coberta por uma capulana. Do seu lado esquerdo repousa a pasta com os livros da escola. Do lado direito, uma enorme poça de sangue testemunha a brutalidade do disparo. "Atingiram-no aqui na cabeça", berra uma mulher indignada, enquanto levanta o improvisado sudário. "Chamava-se Hélio tinha 11 anos e regressava da escola quando foi atingido."
 
(…) A polícia volta a investir e o povo que estava junto ao corpo de Hélio procura refúgio entre as pequenas habitações de blocos que a falta de dinheiro não deixou concluir. A indignação cresce. "Queremos justiça! Os assassinos estão fardados! Isto não é bala perdida. Bala perdida não atinge cabeça."
 
"A luta continua"
 
No dia seguinte, 2 de Setembro, a revolta continuou, convocada mais uma vez por sms. Mais repressão, mais mortos e feridos. Novas barricadas e pneus queimados. Como gritavam mais de 100 jovens que bloquearam a Avenida Acordos de Lusaca na véspera, a enfrentar os tiros da polícia, "Um povo unido jamais será vencido".
 
A luta do povo moçambicano contra a opressão e os desmandos do governo totalitário da Frelimo é legítima e deve ter o apoio dos trabalhadores de todo o mundo. Ela se expressa na rebelião desses últimos dias, mas também na greve dos estudantes do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Maputo contra o aumento das propinas, realizada a 31 de Agosto, e outras manifestações de protesto.
 
Violenta não é a revolta, mas a fome que governos corruptos, lacaios do imperialismo, querem impor à população para manter as suas regalias.
 
População pobre de Moçambique, estamos convosco!
 

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