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sexta-feira, março 29, 2024

20 anos depois do Argentinazo: memórias e lições

Na década de 1990, o Governo de Carlos Menem desenvolveu uma ofensiva neoliberal em nosso país. Assim que chegou ao poder, aliou-se a Alsogaray (uma mistura de Macri e Milei da época, agente de todas as ditaduras), privatizou as empresas nacionais, entregou nossa soberania ao capital estrangeiro, aprofundou a primarização da economia (um modelo orientado para a produção de matérias-primas), generalizou a precarização do emprego e a dispensa de centenas de milhares de trabalhadores do Estado. No final de seu governo, a miséria era impressionante, havia milhões de desempregados.

Por: PSTU-Argentina

As revoltas estouraram em todo o país (foi o início das organizações sociais). Greves surgiam em todos os lugares. A Argentina era um vulcão.

Nas eleições de 1999, a Alianza De la Rúa venceu, uma esperança que não durou muito. Uma nova crise da dívida, a continuidade das privatizações (por exemplo, a recusa em permitir que o Estado voltasse a retomar as Aerolinhas Argentinas), o aprofundamento do desemprego (mais de 50% da população desempregada ou subempregada) tornaram a situação insuportável.

Os trabalhadores, que pela primeira vez em décadas haviam perdido todas as esperanças no peronismo, não tinham saída. Tratava-se de acabar com aquela situação ou morrer de fome. Várias greves gerais com bloqueios de estradas por movimentos sociais foram demolindo o governo.

De la Rúa e Cavallo (ex-ministro de Menem, que a Alianza convocou como Ministro da Economia) decretaram o “corralito”, apropriando-se das poupanças da classe média, que foi à mobilização batendo panelas, e se organizou em assembleias de bairros. A rebelião tornou-se imparável.

Ao perder o controle, De la Rúa decretou o estado de sítio em 19 de dezembro. A resposta foi uma imensa mobilização espontânea que confrontou não só o Governo, mas também o Parlamento e a oposição peronista, aos gritos de “Fora Todos, que não fique nenhum”, derrotando o Estado de Sítio.

No dia 20, centenas de milhares em Buenos Aires e em todo o país obrigaram De la Rúa a renunciar. Uma verdadeira revolução derrubou pela primeira vez um governo eleito. Operária e popular pela composição social de quem a realizou e pelas tarefas que se propôs. Anti-imperialista, pelo significado de suas reivindicações: as grandes empresas privatizadas e os bancos tiveram que soldar suas janelas ante o ataque de aposentados, operários, mulheres, jovens.

A ruptura com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi um consigna comum nas assembleias. E foi violenta: de mãos vazias se enfrentou a polícia e grupos armados que atiravam contra o movimento. Foram 35 mortos do povo, que ainda exigem vingança. Mas nós os derrotamos.

Cinco presidentes, o regime político está em ruínas e não conseguia recuperar o controle. Acabou assumindo o peronista Eduardo Duhalde. Durante vários meses de 2002, mobilizações permanentes mantiveram o novo Governo em suspenso.

Em junho, Duhalde tentou fechar a crise com uma repressão brutal. Naquele dia Kosteki e Santillán morreram. A resposta rápida obrigou Duhalde a recuar: os policiais assassinos foram presos (ainda que não os responsáveis políticos como Duhalde ou os atuais funcionários Felipe Solá ou Aníbal Fernández). E eleições foram convocadas para o início de 2003.

Todos os partidos patronais, a burocracia sindical, até a grande maioria das organizações protagonistas do Argentinazo, abandonaram as ruas e se voltaram para a campanha eleitoral. A maioria dos partidos de esquerda (os que hoje compõem o FIT-U, o MAS etc.) fez o mesmo. Isso permitiu que o sistema capitalista argentino começasse a emergir desta crise gigantesca.

O Argentinazo foi uma grande lição para os trabalhadores e para o povo. O kirchnerismo pinta 2001 como uma grande desgraça. Isso é falso. A desgraça foi a miséria, a entrega e o desemprego a que todos os governos patronais nos conduziram.

O Argentinazo foi a resposta heroica, que evitou que milhões morressem de fome. Foi como um novo 17 de outubro de 45, mas em vez de enfrentar um governo militar por trás de um dirigente patronal, enfrentou, sem dirigentes, um governo “democrático”.

O Argentinazo não cumpriu seus objetivos

Tiveram que tomar algumas medidas com base em reivindicações populares, como a Inadimplência (Não Pagamento) da Dívida, a massificação de subsídios e aposentadorias, as leis de impunidade dos militares foram anuladas. Mas o sistema capitalista e seu regime político foram salvos. Os objetivos que estavam na mente e no coração dos mobilizados não foram alcançados.

Telam 20/12/04: Levante popular de 19 de dezembro de 2001, que levou à queda do governo de Fernando de la Rúa. Foto: Arquivo Fernando Gens / Telam

Faltou um partido revolucionário que organizasse toda aquela energia, estendesse em organismos e coordenação regionais e nacionais, tivesse uma política para que a classe operária superasse suas lideranças sindicais burocráticas colocando-se à frente de todo o povo, e desenvolvesse a autodefesa da classe operária contra a repressão, através de piquetes e milícias, por trás de um projeto de poder da classe operária. Ou seja, que conduzisse o processo para uma Revolução Operária e Socialista. Essa tarefa ainda está pendente.

Eles aprenderam … E nós?

Os capitalistas souberam tirar lições. Aprenderam a cooptar as novas direções sindicais, dos desempregados e de qualquer processo, como a “maré verde”, direitos humanos etc. Quando há crises, ampliar o clientelismo, subornando seus dirigentes com privilégios.

Eles sabem que nunca devem forçar a luta para resolver as diferenças entre eles: pode sair do controle.

A burocracia sindical trava todos os chamados para ações da classe. Durante o macrismo, eles convocaram uma única greve geral, porque os trabalhadores arrancaram o “dia do púlpito”.

Impedem qualquer coordenação ou organização independente dos trabalhadores e do povo.

Eles se infiltram nas organizações sociais e políticas mais do que nunca, aprofundam os mecanismos jurídicos de controle social (criminalização, Lei Antiterrorista, etc.), enquanto educam as forças armadas e de segurança para novas formas de repressão.

Usam mais do que nunca as igrejas, a mídia e todos os tipos de engano, para parar a luta.

Nós também devemos aprender. Pela ação direta da nossa classe, sem confiança no Parlamento, nem na Justiça do regime.

A classe operária na vanguarda, com seus órgãos democráticos, autodeterminados e independentes dos patrões e dos burocratas. Preparar de cada fábrica, empresa ou bairro a defesa de nossas lutas contra a repressão: devemos nos defender com todos os recursos necessários.

Com um programa operário e de independência do FMI, das multinacionais e do imperialismo.

E, sobretudo a construção de um grande partido operário revolucionário, de combate e luta, parte de uma organização internacional para lutar de forma unificada.

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