Pernambuco 1817: a revolução esquecida
Em 6 de março de 1817, na Capitania de Pernambuco, estourou a primeira revolução burguesa vitoriosa e surgiu o primeiro governo republicano do Brasil. Ficou 75 dias no poder. Almejava instaurar uma República e proclamar a independência do Brasil de Portugal. No entanto, conseguiu assumir o poder em apenas três capitanias – Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte –, além do Crato, no Ceará. O projeto de assumir o poder na Bahia e no Rio de Janeiro fracassou.
Por: Guilherme Fonseca – PSTU Brasil
Causas e contradições da revolução
Naquele momento, Pernambuco era a capitania mais rica do Brasil colônia. Recife e Olinda tinham juntas cerca de 40 mil habitantes, enquanto o Rio de Janeiro, capital da colônia, possuía 60 mil habitantes.
A revolução foi fruto da crescente insatisfação da elite local (comerciantes, senhores de engenho, bispos, padres e oficiais militares brasileiros) contra a Corte portuguesa. Fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, em 1808, a monarquia portuguesa desembarcou no Rio de Janeiro. Essa elite pernambucana buscava livrar-se do domínio e do monopólio comercial dos portugueses.
Para sustentar os luxos da Corte, a monarquia passou a cobrar altos impostos das províncias, em especial daquelas que estavam em melhor situação financeira. Era o caso de Pernambuco, um dos maiores produtores de açúcar e algodão da época.
Portugal já era um país dominado pela Inglaterra (que escoltou a vinda da Corte para o Brasil), por isso não tinha como aumentar seus impostos. Assim, aumentou os tributos do açúcar e do algodão exportados, atingindo duramente a economia pernambucana. De tudo que se arrecadava com a produção de algodão, 32% eram pagos em impostos, que paravam nos cofres da Corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro. Isso se combinava com a decadência da produção dos engenhos de cana-de-açúcar, devido à concorrência com a produção das Antilhas.
Adesões
A revolução contou com a adesão dos pobres e negros de Recife. Porém os diferentes interesses de classes sociais distintas limitaram o crescimento do movimento, especialmente a formação de um poderoso exército, já que a liderança (os donos de engenho) impediu o alistamento de negros na tropa. Os proprietários de escravos temiam que os negros, depois de armados, fizessem sua revolução, seguindo o exemplo do Haiti.
Entre as figuras importantes da revolução, estava Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Suassuna), de família muito rica, influente e dona de numerosos engenhos. Isso mostra que a rebelião, apesar de contar com o apoio do povo pobre, era dirigida principalmente por integrantes da classe dominante. No Rio Grande do Norte, o governo revolucionário foi comandado por André de Albuquerque Maranhão, um rico senhor de engenho.
Devido a essa origem social, queriam instalar um regime republicano moderado sem participação popular. Esse foi o principal limite dessa revolução e, no final, foi o que determinou sua derrota.
A revolução em movimento
As elites, organizadas a partir dos seminários de padres de Olinda e das sociedades secretas e maçônicas, debatiam os processos revolucionários da época, como a independência dos Estados Unidos de 1776; a Revolução Francesa de 1789; as revoluções de independência da América contra a colonização espanhola, que começaram em 1811; e a revolução haitiana, dirigida por negros africanos escravizados, em 1804.
Em março de 1817, essas conspirações para derrubar o governador Caetano Pinto foram delatadas. O governador ordenou a prisão e punição para todos os militares e civis que estivessem envolvidos na trama. No entanto, no quartel da artilharia, quando o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, recebeu a ordem de prisão do comandante da tropa, desembainhou a espada e matou seu superior. O capitão negro Pedro Pedroso, pegou essa mesma espada e assumiu o comando da tropa, que marchou sobre a cidade, recebendo o apoio da maioria da população.
Sem abolição
Após a rendição do governador, uma junta de Governo Provisório decidiu instaurar uma República. Para garantir apoio internacional, os revolucionários enviaram Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, aos Estados Unidos. Porém, alegando neutralidade, o governo norte-americano negou o apoio. Cabugá, que tinha uma boa quantidade de dinheiro recolhido entre seus ricos amigos maçons, comprou dez mil fuzis e os despachou para Pernambuco.
O novo governo suspendeu o pagamento de impostos à Coroa e aprovou uma lei orgânica com 28 artigos. Nela, existiam pontos importantes: a liberdade religiosa, mesmo mantendo a religião católica como a oficial, e a liberdade de imprensa, já que até livros estrangeiros eram proibidos de circular. Foi aprovada, também, uma bandeira com três estrelas que representavam as três províncias que aderiram à revolução.
Contudo, sob pressão dos donos de engenho, o novo governo se negou a abolir a escravidão, limitando a participação e o apoio popular à revolução. As tropas revolucionárias contavam apenas com mil combatentes civis, destreinados nas artes militares e com armamento obsoleto.
Reação
A reação portuguesa, com o apoio da Inglaterra, não tardou. Navios bloquearam o porto de Recife, impedindo a entrada de alimentos. Por terra, tropas vieram da Bahia, com três navios armados e 1.500 homens, com o apoio dos senhores de engenho de outras províncias.
Com o isolamento da revolução, foi fácil para a monarquia sufocá-la. Logo após a derrota, veio a punição aos vencidos. Assim, foram executados os líderes Domingos José Martins (rico comerciante maçom), José Luiz Mendonça (advogado) e Frei Miguelinho (secretário-geral do governo revolucionário, professor do seminário de Olinda).
Foram enforcados Domingos Teotônio Jorge (militar da aristocracia pernambucana), José de Barros Lima (oficial da artilharia), padre Pedro de Sousa Tenório e Antônio Henriques com as seguintes instruções: “Depois de mortos serão cortadas as mãos e decepadas as cabeças do 1º réu na Soledade, as mãos no quartel, a cabeça do 2º em Olinda, as mãos no quartel, a cabeça do 3º em Itamaracá e as mãos em Goiana, e os restos dos seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério.”
Outros tantos foram presos e executados. Entre eles, estavam vários padres. A repressão se abateu duramente também sobre a população negra, com muitos mortos e punições severas para os negros que participaram da revolução. O padre João Ribeiro, um dos líderes da revolução, se enforcou para não ser capturado. Mesmo assim, seu corpo foi desenterrado, esquartejado, e sua cabeça, exposta publicamente durante dois anos.
Retaliações
Como forma de retaliação, Pernambuco perdeu a Comarca de Alagoas e a Comarca de São Francisco, que passaram a fazer parte da Bahia e de Minas Gerais (ver mapa).
Mesmo com toda essa repressão, os colonizadores portugueses e depois seu herdeiro, D. Pedro I não conseguiram impedir uma nova revolução, a Confederação do Equador, sete anos depois, em 1824.
O povo negro e as mulheres na revolução
Em 1810, Pernambuco contava com uma população de 391.986 pessoas, das quais aproximadamente 42% eram negros e os chamados mulatos livres. “Povo” era sinônimo de “preto” e “mulato”, isto é, negros.
No dia da revolução, a massa formada por negros e brancos pobres dominou as ruas de Recife e de Olinda. Os negros tiveram uma atuação militar decisiva, seja nas milícias, seja nos regimentos específicos para negros. Um dos principais dirigentes da revolução, o rico comerciante Cruz Cabugá, era negro. Um importante papel militar foi desempenhado por Pedro da Silva Pedroso, também negro e um dos cinco chefes do governo revolucionário. Pedroso, à frente de um aguerrido “Batalhão de Pardos”, foi uma das figuras de proa daqueles tempos. Os maracatus – também chamados de “batuques de negro” –, que estavam proibidos, foram liberados.
A decisão do novo governo republicano de não acabar com a escravidão frustrou o processo revolucionário e revelou o caráter burguês limitado da direção revolucionária.
A participação das mulheres
Dos registros escritos pelos vencedores, poucos fazem referência à participação das mulheres na revolução. Uma delas foi a da humilde revolucionária negra Gertrudes Marques, que ficou 45 dias presa sofrendo castigos corporais. Outras duas pernambucanas que se destacaram em 1817 foram Maria Teodora da Costa e Bárbara de Alencar.
Maria Teodora ficou conhecida como a “noiva” da revolução. Era filha da família portuguesa mais rica da região e se casou com um dos líderes da revolução, Domingos Martins, no meio do processo. Bárbara de Alencar seria a futura avó do escritor José de Alencar, que liderou o levante no distrito do Crato.
Para assistir:
- 1817 a revolução esquecida
- Direção: Tizuka Yamasaki
- Disponível no YouTube : https://bit.ly/2H2DxzB
Para ler:
- A revolução pernambucana de 1817
- Manuel Correia de Andrade
- História da revolução de Pernambuco em 1817
- Francisco Muniz Tavares
- A outra independência, o federalismo pernambucano de 1817 a 1824
- Evaldo Cabral de Mello