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Argentina: Liberdade já aos presos por lutar!

junho 26, 2024

No dia 12 de junho foi discutida no Senado argentino a chamada Lei de Bases, enviada pelo governo de Javier Milei, cujo projeto original já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados[1]. Debates e negociações ocorreram na câmara parlamentar (com modificações concedidas por representantes do governo) para atingir o número de senadores necessários à sua aprovação.

Por: Alejandro Iturbe

Na praça situada em frente ao Congresso, milhares de pessoas, convocadas por diversas organizações políticas, sindicais e sociais, manifestaram a sua oposição a este pacote legislativo e exigiram que o Senado o rejeitasse.

O governo, através da sua Ministra da Segurança, Patricia Bullrich, “cercou” o edifício do Congresso com estacas de defesa e montou uma forte operação repressiva com numerosos membros da Gendarmaria (força federal) e a colaboração da Polícia da cidade de Buenos Aires (governada pelo Macrismo).

A tensão na praça foi aumentando e, nesse contexto, iniciou-se uma dura repressão, precedida pela ação de provocadores e infiltrados: uma sequência fotográfica mostra um jovem (aparentemente um manifestante) com uma vara, e em seguida esse mesmo homem prendendo um manifestante.

Em meio à situação gerada, foi incendiado um carro da agência de notícias Cadena 3, evento que foi o ponto de partida para uma maior repressão e a prisão de 33 pessoas, inclusive pessoas que não participavam da mobilização, como como vários vendedores ambulantes[2].

Judicializar o protesto social

Para justificar a repressão e as prisões, Patricia Bullrich declarou publicamente que havia respondido a uma “tentativa de golpe de Estado” e que iria denunciar os detidos por “sedição”, acusação gravíssima e sujeita a penas muito duras na Justiça[3]. Um novo passo na política de “judicialização do protesto social” considerando-o um crime que vários governos burgueses de “diferentes cores” têm promovido nas últimas décadas.

Para isso contou com a colaboração de dois personagens que são um claro exemplo do caráter da Justiça argentina, sob governos burgueses de diferentes “cores”. O procurador federal que apresentou as acusações é Carlos Stornelli: muitos dos casos que ele assumiu desde 1993 foram alvo de escândalos e denúncias sobre sua atuação.

Stornelli é publicamente conhecido pela sua visão repressiva e colaborou com diferentes líderes políticos para aplicá-la. Por um lado, manteve uma relação estreita com Mauricio Macri, já que, em 2007, fazia parte do Conselho de Administração do clube Boca Juniors (responsável pela segurança) quando Macri era presidente do clube.

Por outro lado, foi Ministro da Segurança do governador peronista da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli, a partir de 2007. Em 2009 ocorreu o desaparecimento do jovem Luciano Arruga, após ter sido detido pela polícia de Buenos Aires (que estava sob o comando desse ministério). O corpo do jovem apareceu vários anos depois, enterrado como NN[4]. Stornelli fez de tudo para evitar que esse caso de violência policial sob sua responsabilidade fosse esclarecido e punido, inclusive com ameaças à família do jovem em entrevista que concederam.

A juíza federal que julga o caso é María Servini de Cubría que, aos 84 anos, já deveria ter se aposentado do cargo. Foi nomeada juíza federal pelo governo peronista de Carlos Menem e, desde então, muitos de seus casos também estiveram envolvidos em escândalos. O mais grave de seus antecedentes é que, em 20 de dezembro de 2001, foi participante judicial do núcleo que dirigiu a repressão à manifestação que exigia a renúncia do então presidente Fernando de la Rúa, a partir de uma delegacia central.

A exigência da liberdade dos presos

Assim que as prisões foram feitas, as ações de resposta começaram. Em primeiro lugar, para saber onde estavam detidos e dar-lhes apoio jurídico. Nesse mesmo dia, assembleias de bairro fizeram “barulhaços” em numerosas esquinas de Buenos Aires (também em cidades do interior do país), com várias centenas de pessoas em cada um. Posteriormente, soube-se que eles estavam sendo processados ​​pela justiça federal e que haviam sido transferidos para penitenciárias da Grande Buenos Aires: Ezeiza (as mulheres) e Marcos Paz (os homens).

Começou então uma série de ações coordenadas e centralizadas. Foi realizado um evento em frente à sede da Justiça Federal no bairro do Retiro e, posteriormente, uma coletiva de imprensa convocada por inúmeras organizações políticas, sindicais, sociais e de direitos humanos no Serviço de Paz e Justiça – SERPAJ, no centro da cidade, que foi acompanhada por numerosos participantes no local e na rua[5]. Decidiu-se convocar uma mobilização na Praça de Maio para o dia 18 de junho, da qual participaram milhares de pessoas[6].

Este processo de mobilização obrigou a Juiza Servini de Cubría, primeiro a libertar 17 detidos e depois mais 11, por “falta de mérito”. Aos outros cinco ordenou a prisão preventiva, afirmando ter provas documentais (vídeos) e materiais contra eles. Chama a atenção que no mais grave dos incidentes (o incêndio do carro da Cadena 3) ninguém tenha sido indiciado, o que indicaria que se tratava de mais uma provocação feita por infiltrados.

A própria juíza “se protegeu” ao dizer que ainda tem “muito material para analisar” e “não descartou que algum policial possa ter alguma responsabilidade pelos atos cometidos nas proximidades do Congresso Nacional, onde houve distúrbios, destruição e confrontos entre forças de segurança e manifestantes[7].

Entre 19 e 22 de junho houve um “feriado prolongado”, na Argentina, no qual as ações tiveram um impasse. Ainda assim, realizou-se uma reunião de coordenação muito ampla (organizações políticas, sindicais, sociais, de direitos humanos e assembleias de bairro) que chamou a diversas ações esta semana e também o chamado ao lançamento de uma campanha internacional.

Os dois consignas que unificam esta luta são: Liberdade imediata para os presos por lutar! e Protestar não é crime! Os trabalhadores e o povo argentino estão conscientes de que por trás da luta pela libertação dos detidos está a luta contra a judicialização dos protestos e das lutas populares. Algo que vários governos anteriores já vinham fazendo e que o governo Milei, através da sua ministra Patrícia Bullrich, pretende levar a um patamar ainda mais sério: as manifestações contra as políticas do governo passaram a ser classificadas como “tentativas de golpe de Estado” e “sublevação”.

As intenções do governo e de Bullrich são ainda mais profundas. Acaba de apresentar e está discutindo com as principais empresas do país (com aquelas que denomina de “estratégicas”) um Plano de Segurança Produtiva, um “sistema de proteção especial” para “resguardar os investimentos” que daria poder ao governo para usar forças repressivas federais contra as “ameaças a esses investimentos”. Simplificando, uma greve dos trabalhadores ou uma ação da população contra estas empresas (por exemplo, se poluem a água ou o solo) poderia ser considerada objeto desta repressão[8].

Mas, como acontece com o “protocolo antipiquetes”, que proíbe manifestações, uma batalha muito dura com os trabalhadores e o povo está entre as intenções do governo Milei e a sua possibilidade real de as levar a cabo[9]. Uma batalha que que está acontecendo e da qual as mobilizações pela libertação dos detidos no dia 12 de junho são a sua expressão atual.

O PSTU, seção argentina da LIT-QI, promove e participa ativamente dessas ações. Isso é feito especialmente através da presença dos seus militantes operários Sebastián Romero e Daniel Ruiz que sabem muito bem o que é ser processado e perseguido judicialmente por lutar, já que foram perseguidos (pela própria Patricia Bullrich) pela sua participação na grande manifestação contra o governo de Macri, de dezembro de 2017. Não baixaram os braços. Pelo contrário: estão na linha de frente da luta pela liberdade daqueles que sofrem o mesmo que vivenciaram.

Atendendo ao apelo lançado pela coordenação já referida, da Argentina, a LIT-QI faz um chamado às organizações políticas, sindicais, sociais e de direitos humanos de todo o mundo para que desenvolvam uma grande campanha internacional de solidariedade com as lutas do povo argentino contra o governo Milei e exigindo o fim da perseguição judicial aos protestos e a libertação imediata dos detidos em 12 de junho.


[1] https://pstu.com.ar/abajo-la-ley-bases-y-el-plan-de-milei/

[2] https://www.analisisdigital.com.ar/judiciales/2024/06/14/entre-los-detenidos-hay-vendedores-ambulantes-y-una-mujer-que-filmaba-la#google_vignette

[3] https://www.infobae.com/politica/2024/06/13/patricia-bullrich-hablo-de-un-intento-de-golpe-de-estado-moderno-y-anticipo-que-denunciaran-a-los-manifestantes-por- sedicion/#:~:text=%E2%80%9CTen%C3%ADamos%20informaci%C3%B3n%20de%20que%20hab%C3%ADa,era%20un%20golpe%20de%20Estado.

[4] https://www.perfil.com/noticias/policia/aparecio-muerto-luciano-arruga-cronologia-de-un-caso-marcado-por-la-violencia-policial-1017-0040.phtml

[5] https://www.youtube.com/watch?v=Gomw-R_7_7E

[6] https://www.ambito.com/politica/vuelven-vallar-la-plaza-mayo-la-espera-la-movilizacion-los-detenidos-n6017396

[7] https://www.infobae.com/politica/2024/06/22/la-jueza-servini-hablo-de-los-incidentes-en-el-congreso-por-la-ley-bases-y-aclaro-que-aun-no-cerro-la-investigacion/

[8] https://www.lanacion.com.ar/seguridad/seguridad-productiva-patricia-bullrich-coordinara-con-empresas-estrategicas-un-sistema-especial-de-nid13062024/

[9] Los trabajadores dijimos NO al “protocolo antipiquetes” – PSTU

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