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Equador

Eleições antecipadas colocam em evidência a crise política e social do Equador

julho 11, 2023

A questão dominante da conjuntura política são as eleições para designar Presidente(a) e Vice-presidente(a) da República e os 137 representantes que integrarão a Assembleia Nacional.

Por: Miguel Merino – ART/Equador

Esta situação, inédita na história do Equador, responde à decisão do Presidente Lasso de aplicar a chamada “morte cruzada”, medida contemplada no artigo 148 da Constituição, pela qual o executivo procedeu a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições das máximas autoridades políticas do país, até que termine o período para o qual foram eleitas as atuais.

Lasso adotou esta medida que o obriga a deixar o poder depois de seis meses, ante sua provável destituição em julgamento político que tramitava na Assembleia Nacional, onde foi acusado de peculato. Enquanto isso, governará mediante decretos-lei de urgência econômica que deverão contar com o aval do Tribunal Constitucional.

Consultas populares sobre exploração do petróleo e mineração

Nas eleições convocadas para 20 de Agosto, também será realizada uma consulta popular sobre a exploração do petróleo na ITT- Yasuní, -Iniciativa Yasuni-Ishipingo-Tambococha-Tiputini -assunto pendente há dez anos e onde os equatorianos decidirão se estão de acordo que o petróleo existente no bloco 43 fique sob a terra indefinidamente. Esta questão é muito polêmica e enfrenta aqueles que defendem que explorar esse petróleo é necessário para o desenvolvimento econômico do país, frente às comunidades indígenas e movimentos ecologistas como “Yasunidos” que argumentam a necessidade de manter sem contaminação uma das reservas naturais mais biodiversas do Equador e do mundo e espaço onde habitam os Tagaeri e Taromenane, os últimos povos do Equador que vivem em isolamento voluntário. Essa disjuntiva vai mais além da questão ambiental, pois nos questiona sobre o modelo de desenvolvimento que o país deve adotar nos próximos anos, já que as reservas petrolíferas se esgotarão em poucos anos. A mineração, além de seu grave impacto ambiental e social, tampouco significa uma alternativa econômica à exploração do petróleo.

Na província de Pichincha também será realizada uma consulta popular conhecida como “Quito sem mineração” promovida por organizações, coletivos e moradores dos bairros pobres do Noroeste de Quito, com o objetivo de que seja proibida a mineração de metais em escala artesanal, pequena, média e em grande escala no Chocó Andino, que é uma das últimas florestas de Quito. A zona do Chocó Andino compreende as paróquias de Nono, Calacalí, Nanegal, Nanegalito, Gualea, Pacto e Mindo.  No caso do SIM ganhar, a consulta não deterá as mineradoras que já estão operando em 12 concessões, mas impedirá que o Estado entregue novos projetos de mineração.

Contexto social das eleições

O processo eleitoral em curso se realiza em um contexto de profunda crise social que pode ser qualificada de multissistêmica, já que é não apenas política, mas também econômica, ética e moral, ambiental e neste momento, o mais sentido pela população, é a crise de violência e insegurança que assola o país. Assim, entende-se que o problema principal que todos os candidatos oferecem solucionar é o da insegurança.

Alguns números que ilustram a crise social são os seguintes:

– 25 mortes violentas para cada cem mil habitantes e continua aumentando

– 5.9 milhões de pessoas vivem na pobreza e extrema pobreza

– 25% das crianças sofrem de desnutrição crônica

– Somente 34% da população tem emprego adequado

– Cerca de 300 equatorianos são detidos diariamente nos Estados Unidos tentando entrar ilegalmente.

Esta situação faz parte da crise do capitalismo mundial que vem desde 2007 e 2009, agravada nos anos recentes pela pandemia da Covid-19 e a invasão da Rússia à Ucrânia. Suas causas são complexas e de diversa índole. Entre elas, podemos destacar as causas políticas imediatas e as histórico-estruturais. Entre elas, é evidente que os governos neoliberais, como os de Moreno e Lasso, são responsáveis por ter agravado problemas como a pobreza, o desemprego, a desigualdade, a insegurança.

Entre as causas estruturais, podemos, por sua vez, diferenciar entre as causas externas como a crise do sistema capitalista mundial, afetado por fenômenos como a superprodução e sua contrapartida o subconsumo, devido à redução da demanda de produtos pelas massas empobrecidas. Também por uma tendência à queda das taxas de lucro em alguns ramos industriais e a desproporcionalidade na produção. Outro fenômeno que continua aumentando é a chamada financeirização da economia que significa o domínio do capital financeiro especulativo, agora alimentado por negócios criminosos e ilegais como o narcotráfico, a venda de armas e o tráfico de pessoas, realidades que alimentam o crescimento da violência social em escala mundial.

Entre as causas internas podemos mencionar a dependência econômica e política do país frente às potências imperialistas e a penetração de grandes empresas transnacionais, o mal chamado modelo de “desenvolvimento” primário-exportador, baseado na exploração de poucos produtos agrícolas e minerais como o petróleo e a enorme desigualdade entre as classes sociais, amalgamadas com fenômenos que acentuam a desigualdade e a pobreza como o racismo, o machismo, o regionalismo, a homofobia, entre outros.

Significado das eleições

A partir da perspectiva da teoria crítica marxista, as eleições realizadas no marco da democracia formal ou burguesa, são o espaço onde as diferentes frações e setores da burguesia resolvem suas diferenças para alcançar o poder político do Estado. É assim que os partidos políticos e os candidatos que representam a ordem dominante realizam campanhas caras e demagógicas onde oferecem o impossível, anunciam uma barganha de ofertas, os candidatos se vendem como se fossem mercadorias e escrevem planos que nunca cumprirão. Atualmente, o determinante nos resultados é o uso de uma série de recursos midiáticos que apelam não à razão, mas à emoção ou ao subconsciente dos eleitores, tentando captar seu voto. Isto significa que os partidos que representam os trabalhadores e os setores populares se abstenham de participar nos espaços eleitorais para propor seus programas e propostas, denunciar as injustiças do sistema dominante e promover seus próprios candidatos.

Caos político e desordem eleitoral no Equador

O processo eleitoral que os equatorianos estão atravessando se caracteriza pela improvisação, pela ausência de partidos políticos ideológicos bem estruturados e um caos institucional que em nada favorece um voto consciente e informado. As eleições antecipadas não significarão nenhuma mudança significativa nem nas políticas de estado, nem na composição da Assembleia Nacional. A maior parte dos cidadãos não confia nos políticos nem nos partidos, o que se reflete na apatia ou inclusive na rejeição de muitos cidadãos em relação à chamada “classe política”. Há casos de organizações como a Esquerda Democrática e Pachakútik que, tendo obtido bons resultados eleitorais nas eleições de 2021, hoje se encontram fragmentadas pelas posições diferentes frente ao governo de Lasso e não puderam inscrever candidatos próprios para as próximas eleições. Embora a maioria das comunidades de base da CONAIE respaldassem a candidatura de Leonidas Iza para a presidência da República, ele desistiu de sua candidatura frente às posições oportunistas e as negociações obscuras dos ex-dirigentes de Pachakútik.

Para optar pela presidência e vice-presidência da República se inscreveram oito duplas, a maioria das quais responde a partidos políticos fantasmas qualificados como de aluguel, com figuras pouco reconhecidas e improvisadas, no marco de um caos institucional onde nenhuma das instituições fundamentais do Estado funciona adequadamente. Por isso, se diz que há candidatos sem partido e partidos sem candidatos.

Das oito duplas, a maioria se localiza no campo da direita neoliberal e vem de grupos empresariais. Tal é o caso de Otto Sonnenholzner, ligado à radiodifusão, às telecomunicações e outros ramos econômicos como a pesca. Está patrocinado pela Alianza Actuemos formada pelos partidos SUMA e AVANZA.

Jan Tópic, que se promove como um especialista em segurança por ter combatido como mercenário em conflitos internacionais, e tenta gerar a imagem de ser o “Bukele equatoriano”. Filho do empresário Tamislav Tópic, desempenha como Presidente de Telconet, empresa fundada pelo seu pai, que esteve sob investigação por lavagem de dinheiro no marco do caso Odebrecht durante o período correísta. Segundo registros da Superintendência de companhias, é administrador de oito empresas e acionista de sete companhias. É apoiado pelo Partido Social Cristão, representante histórico da direita e de um setor da oligarquia guayaquileña.

Daniel Noboa Azín, é administrador de negócios, político e empresário equatoriano, ligado ao setor bananeiro. Filho do empresário Álvaro Noboa Pontón, um dos homens mais ricos do Equador, dono de empresas não só bananeiras, mas de outros ramos da economia e que foi candidato à presidência em seis ocasiões. É patrocinado pela Ação Democrática Nacional e outros movimentos de aluguel.

Xavier Hervas, é um empresário e político equatoriano que possui ações em sete empresas, principalmente em Novaalimentos, exportadora de brócolis, e outras empresas do setor agroindustrial e de importação. Participou das eleições anteriores como candidato da Esquerda Democrática, obtendo um surpreendente quarto lugar graças à hábil utilização das redes sociais, em especial tik-tok. Agora corre pelo movimento RETO (antes PODEMOS do político azuayo Paúl Carrasco).

Nestes quatro casos os candidatos se posicionam nitidamente dentro da tendência da direita neoliberal e empresarial. Menos evidente é o caso do candidato Fernando Villavivencio, cuja trajetória se iniciou no sindicalismo da Petroecuador, depois pertenceu a Pachakútik e se refugiou na comunidade amazônica de Sarayaku, quando foi perseguido pelo governo de Correa; finalmente buscou apoio em partidos de direita como CREO e SUMA, para ser candidato parlamentar. No período que concluiu com a dissolução da Assembleia Nacional, serviu como membro de tal organismo, constituindo-se em um dos defensores mais visíveis do governo de Lasso. Suas posições são agora de extrema direita pois apela para a repressão das lutas sociais através dos aparatos repressivos do Estado. É patrocinado pelo Movimento Construye da ex-ministra do governo de Moreno, Paula Romo, que foi julgada pela Assembleia Nacional por ser a principal responsável pela violenta repressão exercida contra os participantes da paralisação nacional de 2019. Como primeiro candidato da Assembleia Nacional, Construye inscreveu o General reformado Patricio Carrillo, que foi o homem de confiança de Romo na direção da polícia e depois foi nomeado ministro da Segurança no governo de Guillermo Lasso.

Luisa González, é advogada e política da província de Manabí e ocupou vários cargos durante o governo de Rafael Correa (2007 – 2017). É a única mulher indicada à presidência e seu companheiro de chapa é Andrés Aráuz, que foi candidato à presidência pelo movimento Revolução Cidadã em 2021, mas paradoxalmente, suas posições em relação a direitos da mulher, como o aborto, são muito conservadoras.

Fazendo um balanço dos dez anos do governo de Rafael Correa e seu programa de governo, poderíamos caracterizar este movimento como a expressão de uma burguesia desenvolvimentista que busca a modernização do atrasado capitalismo equatoriano, mas à custa da exploração dos trabalhadores e dos recursos naturais. No campo político, o governo de Correa se caracterizou pelo autoritarismo, o controle de todos os poderes do Estado e a criminalização da luta social, especialmente do movimento indígena e dos líderes críticos à sua gestão.

Yaku Pérez, é político e advogado oriundo da província de Azuay, vem do setor campesino desta província. Teve uma ativa participação como ativista ambientalista pelo direito à água e como líder político do movimento indígena a partir de Pachakútik. Foi presidente da Ecuarunari de 2013 a 2019, Prefeito de Azuay em 2019 e candidato à presidência da República por Pachakútik em 2021, tendo alcançado o terceiro lugar no primeiro turno com pouca margem de diferença em relação a Guillermo Lasso. Se retirou de Pachakútik pelas diferenças políticas internas que surgiram no interior deste movimento e fundou seu próprio grupo chamado “Somos Água”. Agora é novamente candidato à presidência e conta com o patrocínio da Unidade Popular e do Partido Socialista que fazem parte da esquerda eleitoral. Democracia Sí também o apoia, agrupação dirigida por Gustavo Larrea que transitou por diversas agrupações políticas como o correísmo e mantém posições bem centristas e próximas a setores de direita. Seu programa não busca mudanças estruturais, mas reformas que melhorem o funcionamento do capitalismo; sua maior diferença com o resto das candidaturas é a oposição ao extrativismo da mineração e petróleo, mas seu discurso neste período retrocedeu, pois declarou que, no caso de chegar à presidência, reconhecerá as empresas petroleiras e de mineração que operam legalmente.

Nossa opção é o voto nulo nas eleições antecipadas

Em conclusão, nenhuma das candidaturas e partidos que estão em disputa para alcançar o poder executivo ou legislativo, representa os interesses e reivindicações da classe trabalhadora e dos setores oprimidos. A chamada democracia representativa é uma ficção, já que no final quem coloca os candidatos não são os trabalhadores e o povo, mas os grupos com poder econômico e político com capacidade para sustentar campanhas milionárias e demagógicas. Daí que nossa posição como ART é pelo voto nulo nas eleições de agosto. Entretanto, para além de um voto nulo ou crítico, o fundamental é continuar a luta contra as políticas entreguistas e neoliberais do governo atual, que através dos decretos-lei de emergência econômica continua com seu propósito de garantir os lucros dos grupos dominantes, entregar os recursos naturais e as empresas públicas ao setor privado e descarregar a crise sobre os ombros das classes médias e populares. É preciso que os trabalhadores, indígenas, campesinos, estudantes, ecologistas e demais movimentos sociais se mobilizem por emprego, pelos direitos dos trabalhadores do campo e da cidade, pela defesa do Seguro Social, contra as privatizações das empresas públicas, contra o extrativismo da mineração e do petróleo e a defesa do orçamento para educação, saúde e obras públicas, entre outros.

Nossa posição frente à consulta popular sobre a exploração do petróleo no ITT

Frente à consulta popular que propõe deixar de explorar o bloco petroleiro 43 do parque nacional Yasuní e que o petróleo permaneça sob a terra indefinidamente, nossa posição é votar pelo SIM e apoiar esta iniciativa que surgiu há mais de uma década. Há várias razões para fazê-lo, a mais óbvia é preservar a rica biodiversidade da zona e os direitos dos povos em isolamento voluntário que habitam nela. Mas há outras razões muito importantes de índole social, econômica e cultural.

A partir da perspectiva econômica, o argumento fundamental do governo e dos grupos empresariais que se opõem a deixar de explorar o petróleo, são as perdas econômicas que a economia equatoriana sofreria. Especificamente, argumenta-se que o país deixaria de receber 1.2 bilhões de dólares anualmente e 13.8 bilhões aproximadamente nos próximos 20 anos. Entretanto, o economista Carlos Larrea, acadêmico estudioso do tema, assinala que estes números correspondem ao valor das exportações, mas não às receitas que o Estado recebe, porque não se leva em conta o custo da extração do petróleo que é de aproximadamente 35 dólares o barril. Além disso, o cálculo está feito sob o suposto de que o preço do barril é de 60 dólares em média, que não é um cálculo realista, porque a média de venda histórica foi de 51 dólares o barril. Por último, existe um declínio acelerado da produção e das reservas petroleiras, considerando além do mais que o petróleo extraído é pesado e atualmente se extrai mais água que petróleo. Se levarmos em conta esse conjunto de fatores, o que ingressa efetivamente no Estado pela exploração do bloco 43, diz Larrea, chega a 257 milhões de dólares anuais, ou seja, cinco vezes menos do que Petroecuador e os porta-vozes do governo afirmam. Adicionalmente, deveríamos nos perguntar: quem se beneficiou ou se beneficia da atividade petroleira principalmente: o povo equatoriano como se propaga nos discursos oficiais ou as empresas que se dedicam a este negócio?

Outra pergunta de fundo que os equatorianos devem apresentar é quais alternativas econômicas existem frente à exploração petroleira e de mineração, ou seja, frente ao modelo extrativista que dominou no país desde a década de 70 do século passado. Existem duas vias alternativas diferentes, porém complementares. A primeira é aproveitar as maravilhas naturais e culturais do país para promover atividades como o turismo, a agricultura camponesa e a pesquisa científica dos nossos recursos naturais. A segunda alternativa é um modelo social e econômico orientado para a justiça social e a redistribuição da riqueza. Um exemplo concreto que ilustra esta meta é proposto pela economista Vilma Salgado, com os seguintes números: a soma de isenções, incentivos e benefícios tributários aos empresários no ano de 2021 foi de 6,338 bilhões de dólares. Os rendimentos pela exploração do bloco 43 do ITT no período 2023-2055, no valor presente, somam 4,883 bilhões de dólares. Conclui Vilma Salgado: o total da receita pela exploração do ITT em 33 anos não é suficiente para cobrir os benefícios tributários concedidos pelo Estado aos particulares em um só ano. Em outras palavras, se não se concedessem isenções e benefícios e as empresas que mais ganham pagassem seus tributos legalmente estabelecidos, haveria e até sobraria dinheiro para cobrir a não exploração do ITT.

A questão ambiental está muito vinculada às realidades econômico-produtiva, trabalhista e étnico-étnico, que se tornam eixos transversais da luta de classes. Por conseguinte, na nossa luta para acabar com o sistema capitalista e substituí-lo por um sistema socialista, é preciso que levemos em conta tais realidades.

Tradução: Lilian Enck

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