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quinta-feira, abril 18, 2024

Venezuela| Privatização da PDVSA às portas

O aumento do preço da gasolina, em 8.333.333.233%, anunciado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no contexto da flexibilização da quarentena social implementada como medida contra a pandemia da COVID-19, reavivou o debate sobre as futuras ações econômicas a serem implementadas pelo governo venezuelano para tentar sair da crise que assola o país, pelo menos desde 2013, e que vem se acentuando até alcançar proporções catastróficas com a hiperinflação iniciada em novembro de 2017.

Por: Hipólito Cedeño – UST Venezuela
Com efeito, este aumento inusitado no preço “regulamentado” da gasolina, se aplicaria aos primeiros 120 litros mensais destinados a cada venezuelano (60 litros para as motos), depois dos quais, teria que pagar um preço internacional de 0,5$, constituindo um aumento de 165.000.000.000%, considerando o câmbio atual. Um aumento de preços como esse só se viu em fevereiro de 2016, quando a alta foi de 6.000%, 8 milhões de vezes menor. O único governo que se atreveu (infelizmente com êxito) a aumentar o preço da gasolina – exigência fundomonetarista e neoliberal – de maneira exorbitante foi o de Maduro.
Até a oposição, que aplaude privadamente a medida, disse “exagerou homem”, pois eles recomendavam praticar um “aumento contínuo e gradual” até chegar aos preços internacionais.
Qual é o pano de fundo desse aumento de preços?
Se levarmos em conta que o tema “aumento do preço da gasolina” tem sido tabu desde 1989, quando o segundo governo de Carlos Andrés Pérez, como parte de todo um pacote de medidas econômicas, o elevou em 100%. Como isso provocou uma cadeia de acontecimentos que desembocou na insurreição popular, chamada “Caracazo”, então devemos supor que a atual decisão é tomada entre a cruz e a espada.
A crise econômica que vinha se desenvolvendo por falhas estruturais (pela Venezuela ser um país monoexportador de combustível fóssil; altamente dependente de tecnologias estrangeiras, principalmente dos EUA; importador de 80% do que consome), se agravou pela repetição de erros do passado (corrupção, endividamento externo), pela implementação de sanções dos EUA ao comércio com o governo e pela queda dos preços do petróleo devido à recessão mundial e catapultada em depressão pela pandemia.
O governo de Maduro, herdeiro e continuador das políticas de Chávez, vem discutindo há anos as variantes que lhe permitam tirar a economia do chão. Em uma disputa interna permanente entre os setores chamados pragmáticos (mais propensos a políticas neoliberais) e os denominados ideológicos (mais propensos aos controles do Estado, em uma adaptação do modelo chinês), os resultados dessas disputas foram políticas erráticas, ziguezagueantes, sem continuidade nem perfil definido, implementadas em um estilo iniciado pelo falecido Chávez, onde as medidas não são anunciadas ou são implementadas sub-reptícia e aparentemente desconectadas entre si.
Dessa forma, desde que apareceu o primeiro caso de COVID-19 na Venezuela, o governo implementou uma quarentena quase total em nível nacional, reforçada com toques de recolher nos setores fronteiriços, enquanto criticava amplamente a atitude de seus inimigos políticos Trump (EUA), Duque (Colômbia) e Bolsonaro (Brasil), que pressionam por uma abertura econômica e flexibilização da quarentena, privilegiando os lucros dos empresários acima da saúde dos trabalhadores.
Mas as contas financeiras não fecham. A queda nas receitas das exportações de petróleo e ouro, assim como das reservas internacionais colocaram o governo diante da disjuntiva de não poder continuar financiando o déficit com emissão de dinheiro inorgânico, isto é, sem respaldo produtivo, sem soltar ainda mais a hiperinflação. Esta estava estabilizada e, inclusive, diminuído à custa do subconsumo, mas voltou a subir com um aumento do preço do dólar oficial e paralelo, no último mês, chegando a superar a barreira dos 200 mil Bs/$ (20 bilhões de Bs antes de agosto de 2018 ou 20 trilhões de Bs antes de 2007).
As sanções e bloqueios de contas e ativos no exterior, pelos EEUU, impedem de usar entre 3.2 e 5.5 bilhões de $, usados regularmente para atender às importações e ao serviço da dívida.
Maduro, que obtinha empréstimos regulares provenientes da China e Rússia, ao não ter mais esta alternativa, decidiu solicitar ao odiado FMI, organismo financeiro internacional do qual o governo de Chávez havia saído em 2007, 5 bilhões de $, o qual foi negado. Atualmente demandam ao Banco da Inglaterra a entrega de parte dos quase 1.4 bilhões de $ em ouro (31 ton) para aquisição de alimentos e remédios, através de um acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Embora o PNUD tenha concordado em servir de intermediário, o Banco da Inglaterra até agora simplesmente ignorou a petição. Estas ações governamentais, diametralmente opostas ao discurso tradicional do “socialismo do século XXI”, aceleram o curso neoliberal do governo.
Como a Venezuela é o país com as maiores reservas petrolíferas comprovadas do planeta, continua sendo de interesse geopolítico na disputa internacional entre a tradicional hegemonia estadunidense e os crescentes planos de expansão da China, secundada pela Rússia. Por isso, o interesse em manter os investimentos no país, são uma constante de empresas estadunidenses como Chevron, assim como da Rússia, China e Irã. Por isso, este país, quebrado por todos os lados, ainda conserva sob o subsolo (e em armazenamento não processado nem exportado) capacidade para continuar se endividando, à custa de hipotecar a soberania de seu principal ativo, o petróleo.
Preparando o terreno, em 28/12/17 a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) aprova a Lei de Investimentos Estrangeiros, a qual permite que qualquer disputa nos contratos outorgados se dirima em tribunais estrangeiros ou de arbitragem internacional, e que o investimento estrangeiro, assim como seus lucros, possam ser repatriados em até 100%, violando a soberania nacional e criando as possibilidades de converter a Venezuela em uma vulgar zona franca.
Os olhares na PDVSA
A recuperação financeira da Venezuela, a curto e médio prazo, depende do futuro da PDVSA, como entidade monopolizadora da riqueza petroleira. Como é noticia internacional, esta empresa, a quinta no ranking mundial das petroleiras, saiu das principais estatísticas desde antes de 2017.
De 2008 a 2016 a PDVSA manteve sua produção exportável acima dos 2 milhões de barris diários (BD), ainda que em constante declive. A partir de 2017 a produção cai para 1,8 milhões de BD. Em novembro desse ano são dados poderes plenos ao General-Mor da Guarda Nacional Manuel Quevedo, quem obteve assim, com o Decreto 3.368 publicado em 12/04/18, poderes que nunca teve o chamado “superministro” e braço direito de Chávez, Rafael Ramírez, hoje proscrito pelo regime. Esses poderes lhe facultavam, entre outras coisas, desde modificar a estrutura da PDVSA e filiais, criar normas e comissões de contratação “para agilizar” os procedimentos, até realizar adjudicações diretas nos contratos nacionais e internacionais (em dólares) sem passar pela aprovação da Assembleia Nacional, algo inconstitucional, permitido pelo TSJ com a sentença No. 156, de 29/03/17 com a qual se atribui as funções da AN. Com isso, Quevedo teria que elevar a produção em 1 milhão de BD. Fixou-se a meta de elevar a produção em um milhão de barris diários adicionais à produção desse momento. Nunca ocorreu. De fato, aconteceu o contrario: a produção despencou de 1.8 milhões de BD em fins de 2017 para apenas 718 BD em abril de 2020, segundo a OPEP.
O que ocorreu, na realidade, foi a abertura das portas para a privatização. Com a assinatura de contratos de serviços petroleiros com empresas, a maioria ligada ao setor da construção, sem experiência petroleira e sem capacidade financeira comprovada, a PDVSA tentou a recuperação de 14 poços em Zulia (oeste da Venezuela), cedendo o manejo da produção. Com a Lei dos Hidrocarbonetos Gasosos abriu-se o caminho para a entrega do gás costa afora às empresas transnacionais, a redução, em 2016, da participação da PDVSA, de 60 para50,1%, na Empresa Mista PetroSinovensa e de 83 para 60% em PetroMonagas da Faixa Petrolífera do Orinoco, assim como a entrega a uma empresa laranja de Malta do Bloco Junín 10, que operava PDVSA.
No início de 2020 criou-se a Comissão Reestruturadora da PDVSA “Alí Rodríguez Araque” (CRARA), destituindo Quevedo e colocando em seu lugar Tarek El Aissami, atual Vice-presidente de Economia. Esta comissão tem amplos poderes, como seu antecessor, para modificar a estrutura da PDVSA.
Embora, diante dos trabalhadores, apresentou-se sua criação como um ato de justiça contra as ações antioperárias realizadas por Quevedo e sua equipe, criando uma comissão que reavaliaria as demissões e aposentadorias injustificadas assim como os benefícios trabalhistas e contratuais deixados de receber, logo se viu a falsidade destas afirmações, diante da continuidade das violações às leis.
Com a promessa de “revolucionar” as relações trabalhistas, criaram os Comitês Produtivos de Trabalhadores, que no discurso querem simular os conselhos operários soviéticos da década de 20 do século passado, mas na prática são estruturas eleitas a partir de cima onde seus dirigentes procuram posicionar-se na nova estrutura que resultará da intervenção, no mesmo nível em que procuram recuperar a indústria reduzindo ainda mais os custos de mão de obra com “trabalho voluntário”.
O papel da dívida externa na privatização da PDVSA
Nos últimos anos, a Venezuela recorreu ao financiamento do gasto público através de emissões de bônus do Banco Central e bônus da PDVSA, além de empréstimos diretos por parte dos governos da China e Rússia. Embora no discurso Chávez se gabasse de ter pagado a dívida externa, contraída por governos anteriores e de duvidoso benefício para o povo, com o Clube de Paris, Banco Mundial e o FMI, na verdade se endividou em 162 bilhões de dólares, segundo publicação do portal web dinero.com.ve, baseada nas estimativas do FMI e em estudos dos professores universitários, Ramón Escovar e Ramón Carrasquero. Esta soma abarca a dívida da República e da estatal petroleira (PDVSA), incluindo a dívida referente a sentenças e laudos de arbitragem internacionais pelas chamadas “expropriações” (melhor dizendo, compras de empresas, muitas vezes bem acima de seu valor de mercado). Sem contar os “investimentos” petroleiros que devemos pagar com petróleo.
O governo procurou chegar a acordos com os portadores de bônus. Anteriormente já teve que vender bônus com taxas de juros muito acima de títulos da mesma natureza no mercado financeiro internacional, devido ao alto risco de investimento, pelo qual uma mora da dívida gera altíssimos encargos por juros de mora. Segundo o BCV, mais da metade da dívida oficialmente reconhecida é devido ao pagamento de juros.
O governo entrou em moratória ao suspender o pagamento de juros desses bônus, pelo que espera poder renegociá-los, sem obter resposta até agora.
A reestruturação da PDVSA
Publicamente foi lançado um documento, elaborado pela Gerência Corporativa de Planificação para a CRARA, no qual se propõe, entre outras coisas, simplificar a estrutura, eliminando organizações, com trabalhadores e tudo, reduzindo a PDVSA a uma simples administradora de contratos e aumentando a participação do setor privado através de empresas mistas, ou a nova forma de “Contrato de Serviços Compartilhados”, onde o Estado compartilha o benefício e o setor privado compartilha o risco, com o Estado cedendo as operações para o setor privado.
A criação da PDV-Puertos  em 11 de maio, encarregada da gestão dos portos e terminais petroleiros do país, que contará rendas próprias e poder para fazer alianças com agrupações nacionais e internacionais, está amparada nessa nova concepção.
A venda de 35% das ações da refinaria sueca Nynas, passando de 50% para somente 15% dos títulos, renunciando à sua posição majoritária, alegando o bloqueio aos ativos da PDVSA, mas já previsto no Plano de recuperação.
Como já dissemos, nas próximas semanas veremos a simplificação da estrutura da PDVSA, o enfoque de suas atividades unicamente no setor petroleiro, a eliminação dos subsídios e a modificação legal que obriga o Estado a ter a maioria acionária nas empresas mistas.
Entretanto, tanto as disputas entre setores do chavismo pelo controle do poder, a pressão internacional, encabeçada pelos EUA e a possível resistência do povo trabalhador, no contexto das demissões em massa, crise econômica e diluição do discurso “socialista do século XXI”, podem fazer reverter ou modificar as intenções de privatização, ou os atores que a realizam.
Um primeiro passo para impedir isso é o conhecimento do curso neoliberal e entreguista deste governo, para depois nos organizarmos contra as próximas demissões, privatizações, entrega e empobrecimento geral. Não temos que esperar que a crise, que já chegou ao fundo, continue cavando um futuro mais desesperador. Só os trabalhadores, organizados de maneira autônoma, independente e democrática, podem se coordenar a nível nacional para salvar a PDVSA e a nação da rapina dos abutres “rojo-rojitos”[1] e pró-ianques.
Só um Governo dos trabalhadores e do povo pode realizar esta tarefa. Na Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST) nos empenhamos em construir a direção que cumpra esta tarefa.
[1] Vermelho – vermelhinho – é a cor que identifica o partido do governo (ndt).
Tradução: Lilian Enck

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