sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Uruguai | Diante da crise social e da saúde para onde vão os dirigentes da FA e a cúpula PIT-CNT?

Nas eleições passadas, nós da Esquerda Socialista dos Trabalhadores denunciamos e dissemos aos trabalhadores que aqueles que se agrupavam na coalizão de direita, autodenominada multicolor, se chegassem ao governo (como fiéis representantes das grandes patronais e mandatários do imperialismo que são) aprofundariam os ataques contra o movimento operário e os setores populares indo mais fundo com o ajuste e os ataques. Muitos honestos companheiros de base e trabalhadores compartilhavam esta opinião e frente ao repúdio justificado que a agrupação da direita gerava e à possibilidade de seu triunfo, optaram por dar seu voto à Frente Ampla para evitá-lo. Como explicávamos em um artigo anterior:

Por: Federico
Milhares de honestos trabalhadores e militantes frenteamplistas, embora tivessem severas críticas aos seus dirigentes, decidiram que a tarefa principal nesse momento era convencer o povo que tinha que votar na FA para derrotar a direita. Nós da IST não compartilhamos esta proposta, mas reconhecemos que um importante setor das bases frenteamplistas mostrou sua confiança no caminho do esforço e saiu casa por casa, bairro por bairro, sindicato por sindicato, para lutar pelo voto para o triunfo da FA. Enquanto isso, seus dirigentes iam de rádio em rádio e de canal em canal com discursos que prenunciavam sua derrota e que se tornaram insuportáveis por estarem vazios de propostas.” (1)
A partir da IST debatíamos respeitosamente com nossos companheiros de base, independente do que decidissem votar, o fundamental era sair para lutar, porém ganhasse quem ganhasse, viriam duros ataques aos trabalhadores e setores populares. E lembrávamos como exemplo, que sob os governos da FA o ajuste já havia começado com cortes orçamentários, perdas de salário, milhares de demissões, etc, tudo para pagar a dívida externa.
Por isso dizíamos aos trabalhadores que esses dirigentes não tinham nenhuma intenção de enfrentar séria e consequentemente o governo multicolor. Isto começou a se evidenciar desde que a Frente Ampla perdeu as eleições em novembro do ano passado. Seus dirigentes rapidamente deixaram de lado os discursos de confronto para a TV e passaram ao diálogo cordial e colaborativo com o governo de Lacalle Pou. Foi assim que passaram a ocupar mais de trinta cargos em diversos organismos do Estado. Seu papel era, como expressou o agora senador José Mujica, ser “uma oposição responsável”.
Agora, face à semelhante crise social e da saúde que a pandemia do covid-19 trouxe à luz e que está atingindo fortemente os trabalhadores e setores populares, que papel os dirigentes da FA e a cúpula do Plenário Intersindical dos Trabalhadores-Convenção Nacional dos trabalhadores (PIT-CNT) estão desempenhando? Este é o debate que queremos aprofundar.
A pandemia do covid-19 e os dirigentes da FA
Esta política dialoguista e de pactos com o novo governo multicolor que a direção frenteamplista já esboçava desde a transição pós-eleitoral, aprofundou-se notavelmente neste novo cenário de emergência sanitária.
Tabaré Vázquez foi um dos primeiros a chamar a “cumprir todas as medidas do governo” e o ex ministro da economia, Danilo Astori, considerou que “a orientação que o governo propôs está na direção correta. O governo, em uma situação tão complicada, tem que se sentir acompanhado por toda a sociedade e em particular por todo o sistema político”(2).
Javier Miranda (presidente da FA), fez declaração similar após liderar uma comitiva frenteamplista composta por Mario Bergara (Força Renovadora), Daniel Olesker (Partido Socialista) e Juan Castillo (Partido Comunista) para reunirem-se com o presidente Lacalle Pou. Miranda expressou que embora possam ter algum matiz devido à “profundidade” de algumas ações, “muitas das medidas do governo vão no sentido correto”.(3)
No outro dia, o parlamento votava por unanimidade a criação do “Fundo Coronavírus”. Todos os parlamentares da Frente Ampla mostraram sua obediência e colaboração com o governo multicolor, dando seus votos positivos para um fundo que é composto de um imposto no salário de um setor trabalhadores públicos com salários superiores a 80mil pesos, mas que não toca nos lucros das grandes patronais nem nas grandes riquezas.
Tudo com a desculpa de que isto seria para os setores “mais desfavorecidos”…os mesmos setores que, no melhor dos casos, estão lhes dando $1200 e “cestas básicas” que são uma vergonha tanto em quantidade como em qualidade, porque não permitem uma alimentação nem completa nem nutritiva! A este jogo macabro que o governo direitista pintou como “solidário”, se prestaram os parlamentares da Frente Ampla em seu afã conciliador com o governo multicolor.
O “Grande Acordo Nacional”, o Partido Comunista e a cúpula do PIT-CNT
Coerentes com esta orientação de conciliação com o novo governo, um dos eixos da reunião entre a FA e Lacalle Pou mencionado anteriormente foi solicitar a este que instale uma “Mesa de Diálogo” na busca do que denominaram um “grande Acordo Nacional”, em sintonia com um comunicado que a FA havia emitido anteriormente.
A direção do Partido Comunista que diz reivindicar o marxismo-leninismo, não teve uma posição diferente. Pelo contrario, vieram martelando desde o início da pandemia nos editoriais de sua imprensa “El Popular”, que tanto a Frente Ampla como o PIT-CNT exigem do governo: “Que se construa, sobretudo, um grande Acordo Nacional, com todos os partidos políticos e organizações sociais”.(4)  Ao que Juan Castillo acrescenta que “há outros atores que têm que ser convocados, o setor empregador e as câmaras empresariais que têm também muito a contribuir aí”.(5)
Em seu editorial da semana seguinte (27 de março) lemos: “O governo nacional adotou varias medidas, não é que não tenha feito nada. (…) A maioria bem orientadas, e em geral foram respaldadas pelo sistema político (…) Ninguém questiona a legitimidade do governo, nem seu poder para governar, tampouco que  lhe diz respeito enfrentar uma realidade difícil”.
E insiste: “o governo optou por ser auto referencial, dialogar apenas consigo mesmo (…)se pode governar sozinho, o que não pode é pretender que isso construa unidade nacional para enfrentar uma crise (…) é necessário um grande acordo nacional para enfrentar todas as dimensões da crise. Mas para isso, o governo tem que ver e ouvir” (6).
A direção do Partido Comunista mais que implora ao governo para criar um acordo para garantir a “unidade nacional”. E esta mesma linha conciliadora e “compreensiva” com o governo também leva adiante a nível sindical, onde tem um importantíssimo peso.
Jorge “Fogata” Bermúdez, dirigente da saúde e do Partido Comunista afirma claramente: “Nós, com o PIT-CNT, estamos dispostos a ir juntos com este governo para a construção de um grande diálogo e acordo nacional, à altura do que as circunstâncias exigem.” (7)
No sindicato da construção (SUNCA), o dirigente Daniel Diverio (Partido Comunista) disse que as condições não estavam dadas para voltar a trabalhar, mas inclusive sabendo disto, ele e os dirigentes assinaram um “protocolo” de saúde com o governo e as patronais para voltar a retomar as obras a partir de 13 de abril. O mesmo ocorreu com a volta às aulas nas escolas rurais, onde após reunir-se para negociar com Lacalle Pou, Fernando Pereira (presidente do PIT-CNT) disse que “não foi possível” postergar tal começo, por menos que estivessem de acordo com o reinício das aulas.
Esta política é criminosa porque é feita sem nenhuma consulta às bases (os dirigentes pactuam à vontade) e segundo porque colabora com o governo que pretende “reativar” a economia e a “normalidade” para garantir os lucros das multinacionais e grandes patronais à custa de por em risco a saúde dos trabalhadores.
Enquanto muitos honestos companheiros de base da Frente Ampla em geral, do Partido Comunista em particular (e também de muitíssimas professoras que estão sendo obrigadas a ir trabalhar) veem com raiva estas – e outras – medidas do governo, seus dirigentes negociam a paulatina normalização sem nenhuma consulta às bases e à custa da saúde dos trabalhadores.
Lenin, que tinha uma política de combate permanente contra o reformismo e os conciliadores, não teria palavras muito amistosas para com estes dirigentes que se dizem “marxistas-leninistas”.
Unidade nacional” para descarregar a miséria sobre nossos ombros
A atual situação trouxe à vista de todos a miséria existente, com centenas de milhares de trabalhadores informais, outros vivendo em assentamentos e milhares dependendo de comidas solidárias para comer. Isto acontece quando ainda estamos na incerteza do que acontecerá com nossa saúde e enquanto isso já prognosticam que “a normalidade posterior” será com maior pobreza e desemprego.
Em certo sentido e apesar da pandemia, a raiva e o descontentamento já vêm sendo expressos ainda que de forma incipiente: por isso a direção do PIT-CNT viu-se obrigada a convocar um panelaço que acabou sendo massivo. Por isso os operários dos frigoríficos fizeram uma greve histórica de 7 dias para cuidar de sua saúde. Por isso frente à Torre Ejecutiva houve protestos de feirantes, vendedores ambulantes, trabalhadores de aplicativos, dos moradores de Santa Catalina a quem pretendem desalojar, e de outros setores. Por isso os moradores do Cotravi (Morro) se organizaram e bloquearam a rua há poucos dias contra a miséria que estão vivendo.
A combinação da situação econômica e social, o ajuste mais profundo que ainda está por vir e o aprofundamento dessa raiva e polarização existente, podem gerar, cedo ou tarde, explosões populares. E isto preocupa burgueses e burocratas sindicais. Isso é o que temem e o que querem evitar a todo custo: que a raiva se generalize e venha a rebelião.
Sobre esta contradição se equilibram os dirigentes sindicais vendidos e muitos dirigentes da FA: por um lado entre seu desespero por fazer acordos e conciliar com o governo e pelo outro em ter que dar alguma resposta ainda que demagógica, aos trabalhadores e setores populares que estão sendo atacados. O exemplo mais gráfico foi o de Fernando Pereira quando disse que o panelaço convocado pela central operária “não foi contra o governo” de Lacalle Pou. (8)
É que essa política “de acordos” da direção da FA e do PIT-CNT tem como objetivo continuar pondo na cabeça dos trabalhadores e setores populares que negociando, “dialogando” com o governo multicolor e conciliando com a burguesia poderemos obter alguma melhoria.
Mas o que acontecerá é o oposto: vão querer nos convencer com algumas migalhas (no melhor dos casos), com alguns espelhinhos coloridos, para que de conjunto os trabalhadores e setores populares desçamos outro degrau em direção à miséria, com mais desemprego, menos salário e mais pobreza; que é como já anunciam que será a “nova normalidade”.
Os honestos militantes de base e os eleitores da Frente Ampla que estão vendo com raiva esta realidade confiarão no governo de Lacalle Pou como afirmam seus dirigentes? E os trabalhadores de base do PIT-CNT?
Dissemos a eles que não devem confiar nessa armadilha dos seus dirigentes nem neste governo antioperário. Nada de bom saiu nem sairá de seus “diálogos democráticos” de cúpula para os de baixo. Pelo contrario, pretendem continuar descarregando sobre nossas costas toda a miséria gerada pelo seu regime e sistema político.
Nós trabalhadores devemos tirar conclusões sobre esta política de conciliação de classes para a qual (mais uma vez) nos querem levar. Nós trabalhadores só podemos confiar em nossa própria organização e luta, não naqueles que nos propõem a conciliação e o diálogo mentiroso com este governo antioperário.
Para isso convidamos você a discutir conosco como nos organizar para esta luta e as que virão, na perspectiva de construir uma direção sindical combativa que se apoie na democracia operária a e por de pé a nível político uma verdadeira organização revolucionaria e socialista, porque como dizia Marx, a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.
Notas:
1) https://www.ist.uy/frente-amplio-las-bases-y-la-crisis-de-su-dirigencia/
2) https://www.elobservador.com.uy/nota/astori-considero-que-las-medidas-del-gobierno-para-mitigar-impacto-del-coronavirus-van-en-la-direccion-correcta–202033015380
3) https://www.elobservador.com.uy/nota/tras-reunion-con-lacalle-miranda-afirmo-que-muchas-de-las-medidas-del-gobierno-van-en-el-sentido-correcto–202033115500
4) “Responsabilidad y solidaridad”. El Popular 20/3/2020 https://drive.google.com/file/d/1wVCUmxPpNpNCcAHq51Lb0mVsIb4_CKbr/view
5)”Castillo: ‘Ojalá entiendan la señal y se instale una mesa de diálogo’ ”. El Popular 3/4/2020
https://drive.google.com/file/d/1yo_R3Qr68ha0uKUrqbN3z7HuUWlzFF_2/view
6) “El gobierno no ve y no escucha”. El Popular 27/3/2020 https://drive.google.com/file/d/1G5ur44cWv3qRpMc1kSa7bXsYp–NzpgY/view
7) https://www.carasycaretas.com.uy/bermudez-para-el-uruguay-no-hay-manana-si-no-hay-hoy/
8) https://www.busqueda.com.uy/nota/el-pit-cnt-reclama-al-poder-ejecutivo-que-abra-la-puerta-al-dialogo-para-alcanzar-acuerdos
Tradução: Lilian Enck

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