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sexta-feira, março 29, 2024

Trotsky e a IV e o programa revolucionário das mulheres

O programa e os métodos revolucionários dos primeiros tempos da III Internacional não morreram com a stalinização da Internacional Comunista e a contrarrevolucão política na URSS, que se iniciou no final dos anos 20. Tiveram continuidade na Oposição de Esquerda Soviética e depois na Oposição de Esquerda Internacional, que deram origem à IV Internacional. Sob a direção de Stalin, a burocracia impôs um regime de opressão cada vez mais destrutivo, em todas as esferas, que resultou num retrocesso enorme de todas as conquistas obtidas pela mulher com a Revolução de Outubro. A família foi recolocada em seu pedestal, o aborto voltou a ser ilegal, o divórcio se tornou cada vez mais difícil, a prostituição e a homossexualidade voltaram a ser considerados crimes, as creches foram fechadas ou tiveram seus horários reduzidos.
 Por Cecília Toledo
Continuação de: A revolução russa e a III Internacional: conquistas práticas e teóricas
Em seu livro A revolução traída, Trotsky dedicou um capítulo inteiro às consequências da reação stalinista sobre a mulher e a família, intitulado A família, a juventude e a cultura. Explica as causas materiais que impediram a revolução de proporcionar as alternativas necessárias ao sistema familiar, e porque a burocracia se via obrigada, em seu próprio interesse, a reforçar a família e aprofundar a opressão da mulher. Depois de afirmar que “a Revolução de Outubro cumpriu honradamente sua palavra em relação à mulher”, Trotsky lembra que:
Não foi possível tomar de assalto a antiga família, e não por falta de boa vontade; tampouco porque a família estivesse tão firmemente arraigada nos corações. Pelo contrário, depois de um curto período de desconfiança em relação ao Estado e suas creches, jardins de infância e seus diversos estabelecimentos, as operárias e, depois delas, as camponesas mais avançadas, apreciaram as imensas vantagens da educação coletiva e da socialização da economia familiar.
Mas todos esses avanços sofreram um retrocesso com a burocratização do Estado operário:
Por desgraça, a sociedade foi demasiado pobre e demasiado pouco civilizada. Os recursos reais do Estado não correspondiam aos planos e às intenções do partido comunista. A família não pode ser abolida: é preciso substituí-la. A verdadeira emancipação da mulher é impossível no {module Propaganda 30 anos – MULHER}terreno da ‘miséria socializada’. A experiência revelou muito rapidamente esta dura verdade, formulada há cerca de 80 anos por Marx.
E Trotsky continua explicando por que esses avanços sofreram um retrocesso:
Durante os anos de fome, os operários se alimentaram tanto quanto puderam – com suas famílias em certos casos – nos refeitórios das fábricas ou nos estabelecimentos análogos, e este fato foi interpretado oficialmente como o advento dos costumes socialistas. Não há necessidade de nos determos aqui nas particularidades dos diversos períodos – comunismo de guerra, NEP, o primeiro plano quinquenal – a este respeito. O fato é que desde a supressão do racionamento de pão, em 1935, os operários melhor pagos começaram a voltar à mesa familiar. Seria errôneo ver nessa retirada uma condenação do sistema socialista que não havia sido posto à prova. No entanto, os operários e suas mulheres julgaram implacavelmente ‘a alimentação social’ organizada pela burocracia. A mesma conclusão se impõe para as lavanderias socializadas, nas quais se rouba e se estraga a roupa mais do que se lava. A volta ao lar! Mas a cozinha e a lavagem de roupas no domicílio, atualmente defendidas de forma confusa pelos oradores e pelos jornalistas soviéticos, significam o retorno das mulheres às panelas e aos tanques, ou seja, à velha escravidão. É muito duvidoso que a resolução da Internacional Comunista sobre ‘a vitória completa e sem retrocesso do socialismo na URSS’ seja, depois disso, muito convincente para as donas de casa da periferia.
Em 1938, em um artigo intitulado O governo soviético ainda segue os princípios adotados há vinte anos?, Trotsky resumia o processo pelo qual foram anuladas as conquistas obtidas pela mulher depois da revolução:
A posição da mulher é o indicador mais claro e eloquente para avaliar um regime social e a política do Estado. A Revolução de Outubro inscreveu em sua bandeira a emancipação da mulher e criou a legislação mais progressiva da história sobre o casamento e a família. Isso não quer dizer, claro, que só isso bastasse para a mulher soviética ter, imediatamente, uma ‘vida feliz’. A verdadeira emancipação da mulher é inconcebível sem um aumento geral da economia e da cultura, sem a destruição da unidade econômica familiar pequeno-burguesa, sem a introdução da elaboração socializada dos alimentos e sem a educação. Enquanto isso, guiada por seu instinto de conservação, a burocracia se assustou com a ‘desintegração’ da família. Começa a fazer elogios à vida em família, ou seja, à escravidão doméstica da mulher. Como se não bastasse, a burocracia restaurou a penalização criminal do aborto, fazendo a mulher retroceder oficialmente à posição de animal de carga. Em completa contradição com o ABC do comunismo, a casta dominante restabeleceu desse modo o núcleo mais reacionário e obscurantista do regime classista, ou seja, a família pequeno-burguesa. (Escritos, 1937-38)
* Cecília Toledo é membro da Secretaria Internacional de Mulheres da LIT-QI

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