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sexta-feira, março 29, 2024

Holocausto: Nunca mais!

Neste dia 27 de janeiro completam 75 anos da libertação de Auschwitz, onde foram executados 1,3 milhão de pessoas, principalmente judeus. Ao lembrar as atrocidades do nazismo, das quais Auschwitz é apenas uma parte, queremos fazer duas homenagens: aos lutadores do levante no gueto de Varsóvia e a dois militantes da Quarta Internacional, e através deles lembrar todos – judeus, ciganos, pessoas com deficiência, homossexuais, dissidentes políticos – que perderam suas vidas na luta contra o nazismo.

Por:  Fábio Bosco, de São Paulo.
O levante do gueto de Varsóvia
“O maior de todos os confrontos entre judeus e alemães aconteceu no gueto de Varsóvia.”[1] Criado em outubro de 1940, reunia cerca de 380 mil habitantes. Era governado por um conselho judaico que operava sob as ordens dos nazistas[2]. Em 22 de julho de 1942, o chefe do conselho foi informado que todos os habitantes seriam deportados para o “leste”[3] na proporção de seis mil por dia. A polícia judaica estava encarregada de capturar as pessoas.
Após a deportação de 310 mil pessoas a operação foi suspensa. Cerca de 63 mil habitantes ainda permaneciam no gueto no final de setembro. Diferentes grupos políticos (sionistas de esquerda, comunistas e socialistas antissionistas do Bund) se associaram para formar a Organização de Luta Judaica (ZOB) enquanto a direita sionista revisionista formou a União Militar Nacional (ZZW). Ambos reuniram fundos e todo o pouco armamento que conseguiram, e construíram uma rede de abrigos subterrâneos conectados com a rede de esgotos. Tudo isso sem o apoio das organizações sionistas internacionais comprometidas apenas com a imigração para a Palestina.
Em 18 de janeiro de 1943, os nazistas retomaram as deportações mas encontraram resistência. Melhor preparados, os nazistas retornaram em 19 de abril de 1943 e foram recebidos a bala pelo ZOB. Começava a batalha. De um lado a resistência judaica contava com no máximo mil combatentes – homens e mulheres – portando armas de mão, coquetéis molotov, granadas e alguns fuzis e metralhadoras. De outro os nazistas contavam com vários batalhões fortemente armados, veículos blindados, canhões, lança-chamas e vários explosivos. Os nazistas atacavam de casa em casa, incendiavam os prédios e explodiam a rede de esgotos e abrigos subterrâneos.
No dia 16 de maio de 1943, após resistência heroica, a batalha estava encerrada. Treze mil habitantes do gueto perderam a vida e os demais foram deportados para os campos de extermínio de Treblinka e outros campos. Apesar da derrota, o levante entrou para a história como símbolo da luta de todos os povos contra o nazismo.
A IV Internacional
Outra homenagem vai para dois militantes revolucionários: Abraham Leon e Martin Monath presos pela Gestapo e assassinados em 1944.
De origem judaica, eles procuravam uma saída para a “questão judaica” (leia-se a discriminação contra a população judia na Europa) às vésperas da segunda-guerra mundial e percorreram o mesmo trajeto.
Primeiro integraram uma organização sionista, a Hashomer Hatzair. No entanto perceberam que a discriminação contra os judeus na Europa, que já fora praticada pela nobreza e senhores feudais na idade média, foi retomada pelo capitalismo em decadência. Portanto a posição dos sionistas de construir um Estado judeu na Palestina ou qualquer outra parte do mundo não era uma solução. A única solução era liquidar o nazismo e o capitalismo. Para isso se uniram à IV Internacional já que rechaçaram o estalinismo devido aos processos de Moscou e ao pacto entre Hitler e Stálin em 1939.
Abraham Leon (nascido Abraham Weynstok) escreveu uma obra que se tornou referência no debate entre os marxistas sobre a questão judaica.[4] Ele investigou as razões da discriminação contra a população judia e de sua não-assimilação ao contrário de outros povos mediterrâneos. Sua conclusão é que isto não se deveu a fatores religiosos ou culturais mas ao papel cumprido pelos judeus na economia, de intermediação financeira, o que o levou a cunhar a categoria de povo-classe.
Em meio à segunda-guerra mundial ambos participaram dos esforços para reconstruir a seção Belga e o secretariado europeu da IV Internacional.
Em meio à ocupação nazista, a IV Internacional iniciou um trabalho de propaganda sobre as tropas nazistas estacionadas na França, em Paris e Brest. Esse trabalho foi liderado por Martin Monath cujo pseudônimo era Viktor. Ele organizou um boletim mimeografado chamado Arbeiter und Soldat (Operário e Soldado) no qual defendia seguir o exemplo do revolucionário alemão Karl Liebknecht em sua política denominada de derrotismo revolucionário: transformar a guerra imperialista em guerra civil através da união de operários e soldados em uma revolução socialista para derrubar o regime nazista e o capitalismo. Foram seis edições entre julho de 1943 e julho de 1944 quando Martin Monath foi preso pela Gestapo e assassinado.
Abraham Leon também foi preso pela Gestapo e deportado para o campo de extermínio de Auschwitz onde perdeu a vida.
Na contramão da resistência
Ao contrário dos mártires do levante do gueto de Varsóvia, da IV Internacional e de muitos outros, houve ações que objetivamente fortaleceram a máquina de guerra nazista.
Uma delas é o acordo de Haavara (transferência). Este acordo foi firmado entre o Ministério da Economia Nazista, a Federação Sionista Alemã e a Agência Judaica para a Palestina (através do Banco Anglo-Palestino) em 25 de agosto de 1933 para viabilizar a imigração judaica para a Palestina.
O governo nazista impunha limites ao patrimônio que imigrantes poderiam levar consigo para fora do país. Com o acordo de Haavara, aqueles judeus alemães que imigrassem para a Palestina poderiam transformar seus bens em produtos alemães de exportação para a Palestina pelos quais o Banco Anglo-Palestino ressarciria o imigrante em moeda local.
Esse acordo era muito importante para os nazistas devido ao boicote internacional contra produtos alemães promovido pela comunidade judaica em todo o mundo. Os nazistas acreditavam que o acordo enfraquecia o boicote e auxiliava a economia alemã em seu esforço de guerra.
Já os Sionistas fortaleceriam a imigração judia para a Palestina, evitando sua fuga para outros países entre os quais os Estados Unidos, o destino preferido pela maioria dos imigrantes judeus europeus. Cerca de 20 mil judeus alemães imigraram para a Palestina através do acordo de Haavara.
O acordo era impopular entre a população judia em todo o mundo que, instintivamente, boicotava os produtos alemães. No Congresso Mundial Judaico em Genebra em setembro de 1933, a delegação polonesa protestou contra o acordo. Demorou dois anos para que a liderança sionista assumisse a defesa pública do acordo. No 19º Congresso Sionista em setembro de 1935, o partido trabalhista impôs disciplina partidária para aprovar uma resolução em favor do acordo de Haavara. A defesa do acordo foi feito por Golda Meyerson[5] que desvalorizou o apelo internacional ao boicote dos produtos alemães comparando-o a “lamentos e protestos” ao passo que o acordo de transferência era a “possibilidade prática de fazer algo real para salvar dezenas de milhares de judeus”[6].
A questão do boicote emergiu novamente por ocasião da exportação de laranjas da Palestina para a Alemanha feito pela Histadrut[7] cujos líderes, após discussão, votaram por 5 a 1 para manter as exportações para a Alemanha nazista na contramão do boicote internacional.
Pactos, colaboração e omissão
O movimento sionista não foi o único a efetuar ações que objetivamente favoreceram a máquina de extermínio nazista.
A União Soviética liderada por Stálin assinou um pacto de não-agressão com Hitler em 1939, o que deu uma cobertura internacional ao nazismo por parte dos partidos comunistas em todo o mundo.
Durante a guerra, a França ocupada criou um governo colaboracionista em Vichy liderado pelo general Pétain.
Os Estados Unidos, que bombardearam criminosamente a população civil de Dresden em fevereiro de 1945 matando 25 mil pessoas, no pós-guerra aliviaram as punições para vários dirigentes nazistas, em particular para os dirigentes das grandes corporações alemãs como a Krupp e a I.G. Farben, grandes patrocinadoras e beneficiárias do regime nazista.
A princípio Alfred Krupp e dois de seus sócios foram condenados a doze anos de prisão. Da I.G. Farben, cinco executivos pegaram entre seis e oito anos de prisão. No entanto, em 31 de janeiro de 1951, todos foram libertados, Krupp recuperou seu império industrial, e os executivos da I.G. Farben retornaram ao comando das empresas[8].
Liquidar o capitalismo para erradicar Holocaustos presentes e futuros
Em meio a uma nova onda decrescente da economia capitalista, velhos e novos monstros mostram sua cara.
O fortalecimento da extrema-direita parlamentar em vários países, as tentativas de renascer o nazismo, as políticas de limpeza étnica praticadas pelos israelenses na Palestina ocupada são sinais de que a manutenção do capitalismo, além de privações para milhões de seres humanos, cedo ou tarde prepara a emergência de ideologias nazistas, racistas, machistas, homofóbicas e xenófobas.
O diagnóstico de Abraham Leon e Martin Monath se provou correto: para acabar com o nazismo e a opressão é necessário liquidar o capitalismo.
[1] Hilberg, Raul, A destruição dos judeus europeus, Amarilys, Baruei-SP, 2016, página 594
[2] Entre as quais “transmissão de ordens e diretivas alemãs para a população judaica, o uso da polícia judaica (denominada de serviço de ordem) para cumprir as vontades dos alemães, a entrega de propriedade judaica, trabalho judeu e vidas de judeus para o inimigo alemão” Hilberg, Raul, A destruição dos judeus europeus, página 242.
[3] Eufemismo que significava a deportação para campos de extermínio.
[4] A questão judaica: uma interpretação marxista foi publicada em português pela Global Editora em 1981.
[5] Trata-se de Golda Meir, futura primeira-ministra israelense
[6] https://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-%203231.pdf
[7] Central sindical que organizava apenas trabalhadores judeus, e rejeitava a filiação de trabalhadores árabes.
[8] Hilberg, Raul, A destruição dos judeus europeus, páginas 1346, 1348 e 1361
 
 

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