sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A estratégia da Revolucao de Outubro hoje

comemoração do aniversario da Revolução não pode ter nada de ritual ou formal. Os ensinamentos desta fantástica experiencia histórica, quando o proletariado chegou pela primeira vez ao poder, continuam sendo uma referencia necessária a todos os que defendem a revolução socialista no mundo.

Os debates entre os revolucionários russos antes da revolução

A revolução de 1917 teve seu caráter discutido amplamente pelos revolucionários russos. Todos os setores partiam do reconhecimento de que na Russia existia uma monarquia feudal, e que a revolução deveria ter, em seu inicio, um caráter democrático-burgues. A partir dai, existiam essencialmente três posições: a dos mencheviques, a de Lenin e a de Trotsky.

Os mencheviques afirmavam que, como a revolução seria burguesa, deveria ser dirigida pela burguesia, e o proletariado deveria ter um papel coadjuvante, apoiando a burguesia liberal. Lenin discordava completamente dessa tese. Afirmava que a burguesia russa não assumiria um papel de dirigente da revolução, por nao poder assumir o programa de expropriação dos latifúndios. Por isso, defendia uma aliança do proletariado com o campesinato como dirigentes da revolução. Apontava, no entanto, para uma revolução que parava nos limites do capitalismo, uma ditadura democrática do proletariado e do campesinato.
Trotsky concordava com Lenin sobre a impotencia da burguesia e a necessidade de uma alianca entre o proletariado e o campesinato para avancar no programa agrario. Mas ia alem, dizendo que, uma vez no poder, o proletariado nao pararia nos limites do capitalismo, ultrapassando os limites da revolucao burguesa. So o proletariado poderia ser base para uma revolucao desse tipo e, por este motivo, a estrategia nao poderia ser a de Lenin, mas de uma ditadura do proletariado.
Em 1917, a historia testou as distintas estrategias. Em fevereiro, uma revolucao derrubou o czar, colocando no poder o primeiro governo de frente popular (composto por forcas da burguesia liberal, com apoio dos mencheviques e socialistas revolucionarios). Esse governo burgues nao se dispunha a expropriar os latifundios nem a acabar com a guerra, mostrando a correcao das teses de Lenin e Trotsky sobre a impotencia da burguesia.
Mas os bolcheviques, confundidos com a perspectiva da “ditadura democratica”, e sem a presenca de Lenin, que estava exilado naquele momento, apoiaram aquele governo durante fevereiro e marco. Em abril, Lenin retorna a Russia e assume a estrategia antes defendida por Trotsky, da luta pelo poder contra o governo de frente popular, para uma revolucao socialista.
A Revolucao Russa foi operaria porque teve no proletariado industrial sua base social direta. Os operarios estavam organizados nos sovietes, em que debatiam todos os temas cruciais do pais e da revolucao, de forma absolutamente democratica. So depois que os bolcheviques ganharam maioria nos sovietes e que foi possivel lutar pelo poder.
O Estado foi destruido completamente para a organizacao de um outro, operario, apoiado nos sovietes. A ditadura do proletariado se revelou muitissimo mais democratica que qualquer democracia burguesa. Nos primeiros sete anos da revolucao, tudo era discutido pelos trabalhadores, desde os planos economicos ao que fazer com a guerra. Os debates eram vivos e, nao por acaso, a arte florescia. Vem dai os grandes artistas russos, como o poeta Mayakovski e o cineasta Eisenstein.
O isolamento internacional da revolucao russa, porem, possibilitou o surgimento de uma burocracia, que promoveu uma verdadeira contra-revolucao, suprimindo a democracia dos sovietes, apropriando-se do controle do Estado e matando toda a velha guarda bolchevique, inclusive Trotsky. Essa burocracia esta na origem da restauracao capitalista ocorrida pelas maos de Gorbachev. Hoje, a Russia, com o capitalismo restaurado, retrocedeu brutalmente em termos economicos e sociais, sendo cada vez mais uma semicolonia do imperialismo.
Mas o exemplo historico dos primeiros sete anos da primeira revolucao operaria e socialista da historia ficou para sempre.
As manobras teoricas do estalinismo

O estalinismo se caracterizou essencialmente por capitular a todo tipo de partidos e governos burgueses, apresentando-se como a continuacao do Leninismo para encobrir seu verdadeiro papel. O primeiro exemplo veio com a utilizacao das antigas teorias de Lenin, da “ditadura democratica do proletariado e do campesinato”, para defender posicoes politicas opostas a de Lenin. Segundo Trotsky:

“Nos anos de 1925 a 1927, adotaram perante a revolucao nacional chinesa a orientacao de um movimento dirigido pela burguesia do pais. Logo, defenderam para o dito pais a consigna da ditadura democratica dos operarios e camponeses, opondo-a a ditadura do proletariado.”
Sob pretexto de que a China se achava no marco de um movimento revolucionario de emancipacao nacional, teve de reconhecer-se, a partir de 1924, o papel diretivo que neste movimento correspondia a burguesia do pais. Foi reconhecido oficialmente como dirigente o partido da burguesia nacional, o Kuomintang. Em 1905, os mencheviques nao chegaram tao longe em suas concessoes aos cadetes (partido da burguesia liberal).
A formulacao “ditadura democratica do proletariado e do campesinato” foi usada pelo estalinismo num sentido muito distinto de Lenin, que trabalhou esta hipotese teorica equivocada num momento ainda preparatorio da Revolucao Russa. Quando foi necessario intervir diretamente na revolucao de 1917, Lenin abandonou esta perspectiva para apontar a necessidade da luta pelo poder e da ditadura do proletariado. A partir de entao, passou a combater de forma direta e mortal o governo burgues de Kerenski, apoiado pelos mencheviques e socialistas revolucionarios. O estalinismo usou a formula “ditadura democratica” para apoiar o governo do Kuomintang, semelhante ao governo russo de fevereiro a outubro, diretamente combatido por Lenin e Trotsky.
Posteriormente, o estalinismo sistematizaria esta estrategia na formula das Frentes Populares (governos de coalizao de partidos operarios e setores “progressivos” da burguesia). Esta foi a base para grande parte das traicoes do estalinismo, com seu apoio a governos burgueses em todo o mundo. Na America Latina, o estalinismo buscou setores burgueses “nacionalistas” como progressivos, levando ao apoio, para citar apenas dois casos, ao general Velasco Alvarado, no Peru, e a Joao Goulart, no Brasil.
Essa estrategia stalinista levou a inumeras derrotas dos trabalhadores. Como as burguesias nao tem nenhuma disposicao historica de levar adiante nenhuma mobilizacao revolucionaria para libertar os paises da America Latina do imperialismo, ou mesmo de resolver outras tarefas democraticas como a reforma agraria, esses processos sempre terminam com derrotas, seja por golpes militares, seja por vitorias eleitorais da direita. Os trabalhadores nunca estruturam uma alternativa independente.
As ideologias nos anos noventa contra a revolucao

No refluxo dos anos 1990, em pleno auge do neoliberalismo e sob o impacto da restauracao do estalinismo, imperou um questionamento aberto a qualquer perspectiva revolucionaria. Isso levou ao surgimento de ideologias que se difundiram amplamente, como a defendida por John Holloway, de que qualquer revolucao conduziria a burocratizacao e, portanto, seria melhor nao lutar pelo poder.

“Durante mais de cem anos, os sonhos daqueles que queriam um mundo adequado para a humanidade se burocratizaram e se militarizaram, tudo para que um governo conquistasse o poder de Estado e que, entao, fosse acusado de ‘trair’ o movimento que o levou ate ali. Durante o ultimo seculo, ‘traicao’ foi uma palavra chave para a esquerda, enquanto um governo apos o outro foi acusado de ‘trair’ os ideais que o apoiavam, de tal forma que agora a propria ideia de traicao esta tao desgastada que so provoca um movimento de ombros como se quisesse dizer ‘claro’. Em lugar de apelar para tantas traicoes em busca de uma explicacao, talvez necessitemos rever a ideia de que a sociedade pode ser mudada por meio da conquista do poder de estado” (Mudar o mundo sem tomar o poder, pag. 26).
Esse abandono da perspectiva de luta pelo poder simbolizava bem a impotencia de largos setores de vanguarda. Muitos ativistas foram seduzidos por essa ideologia e encaminhados para alternativas completamente ilusorias, como o assistencialismo e o cooperativismo. Correntes politicas de peso na vanguarda latino-americana, como o zapatismo do Mexico, adotaram essa perspectiva.
Ao nao se lutar pelo poder, nao se podia mudar o mundo. Lenin tinha razao ao afirmar que fora do poder tudo e ilusao. Muitas vezes, essa postura mascara uma capitulacao as correntes burguesas. O zapatismo desperdicou seu grande capital politico inicial (hoje e apenas uma palida imagem de si mesmo), depois de capitular diversas vezes ao PRD (partido burgues de Cardenas). O proprio Holloway demonstrava a impotencia dessa “nao-estrategia” ao dizer, neste mesmo livro, “como podemos mudar o mundo sem tomar o poder? A resposta e obvia: nao o sabemos”.
Nos sabemos. E impossivel. Segue sendo fundamental lutar pelo poder, e a estrategia da Revolucao Russa continua a ser uma referencia para todos os que nao se renderam a impotencia.
A alternativa parlamentar contra a revolucao

Existia tambem nos anos 1990, no Brasil, um crescimento eleitoral do PT. As bases materiais e politicas estavam dadas para o crescimento de uma ideologia que justificasse o abandono de qualquer estrategia revolucionaria e a legitimacao da adaptacao parlamentar. Isso veio com a incorporacao da “democracia como valor universal”, cujo maior expoente foi Carlos Nelson Coutinho.

Coutinho teve um papel destacado na evolucao ideologica da esquerda brasileira e do PT em particular. Trouxe para o Brasil as teses de Enrico Berlinguer, dirigente do Partido Comunista Italiano e do movimento que viria a ser conhecido como “eurocomunismo”. Em 1979, publicou o texto A democracia como valor universal.
“A democracia e hoje nao apenas o terreno no qual o adversario de classe e obrigado a retroceder, mas e tambem o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista” (citado por Coutinho em A democracia como valor universal, Encontros com a Civilizacao Brasileira, n? 9, p. 34).
Um dirigente da social-democracia alema, Berstein, foi o primeiro formulador teorico da adaptacao a democracia burguesa, em ruptura completa com o marxismo. Berstein expressava um longo periodo de luta por reformas, com vida legal e conquistas graduais no capitalismo em ascenso, do quarto final do seculo XIX ate o comeco do seculo XX. Dai saiu a estrategia de chegar ao socialismo pelo aprofundamento das reformas economicas e da democracia.
Para Coutinho e Berstein, a democracia nao teria um carater de classe e sim universal. O Estado seria definido de acordo com o partido do momento no governo. Com um governo burgues, um Estado burgues para os ricos; com um partido operario, um Estado a servico dos trabalhadores.
Coutinho afirmava: “o fato, porem, e que o Estado capitalista se ampliou: ele nao e mais um simples ‘comite executivo da burguesia'(como Marx e Engels o definiram em 1848), ja que foi obrigado a se abrir para demandas provenientes de outras classes e camadas sociais; com isso ele se tornou a expressao, como diria Poulantzas, da ‘correlacao de forcas’ existente na sociedade, ainda que sempre sob a hegemonia de uma classe ou fracao de classes. (…) Esta alteracao na natureza do Estado capitalista determinou uma mudanca substantiva na estrategia do movimento operario e socialista. Nas formacoes sociais onde nao ocorreu uma significativa socializacao da politica – onde, portanto, nao existe uma ‘sociedade civil’ pluralista e desenvolvida – a luta de classes se trava predominantemente em torno da conquista do Estado-coercao, mediante um ‘assalto revolucionario’; e o que ocorre nas sociedades que Gramsci chamou de ‘orientais’. Ja nas sociedades ‘ocidentais’, onde o Estado se ‘ampliou’, as lutas por transformacoes radicais travam-se no ambito da ‘sociedade civil’, visando a conquista do consenso da maioria da populacao, mas se orientam, desde o inicio, no sentido de influir e de obter espacos no seio dos proprios aparelhos de Estado, ja que estes sao agora permeaveis a acao das forcas em conflito” (Contra a corrente,1999, p. 38- 39).
Democracia burguesa como valor universal

Ao contrario desses reformistas, o marxismo define o Estado pelos interesses de classe que defende. No capitalismo, o Estado e a superestrutura politica que defende os interesses da burguesia dominante, o “comite executivo dos negocios da burguesia”, segundo Marx. A democracia burguesa e apenas uma forma do Estado e, portanto, uma ditadura da burguesia com formas democraticas.

Periodicamente, os trabalhadores e o povo sao chamados a votar, mas nao decidem nada. O poder economico da burguesia condiciona o proprio voto, pelo controle das TVs, jornais e radios; pelo financiamento das campanhas eleitorais carissimas; pela compra direta de votos.
A burguesia ganha quase sempre, seja porque seus candidatos e partidos sao vitoriosos, ou porque os partidos operarios reformistas se comprometem a fazer um governo burgues: fazem acordos claros programaticos, alem de se comprometerem com aliancas com partidos e figuras da burguesia, como fez Lula. Quando, por um ascenso, o poder e diretamente questionado, ela recorre as Forcas Armadas, o nucleo duro do Estado burgues.
A ideologia da “democracia burguesa como valor universal” teve um teste claro com o governo petista. E o resultado ai esta: nao foi o Estado burgues quem foi modificado pelo governo do PT. Foi o PT que se adaptou completamente, incorporando o programa neoliberal e o padrao etico da corrupcao. Os governos defensores da “democracia como valor universal” terminam por atuar como os “comites executivos dos negocios da burguesia”, exatamente como afirmava Marx.
Como o governo Lula foi mais a direita que Coutinho, este terminou rompendo com o PT. Com as mesmas posicoes de adaptacao a democracia burguesa, foi um dos fundadores do PSOL e, ate hoje, e um de seus ideologos, buscando reeditar nesse partido a mesma perspectiva do PT de antes de assumir o governo federal.
Novo reformismo de apoio a Chavez

Lenin, ao chegar do exilio em 1917, defendeu o enfrentamento com o governo burgues democratico e que a tarefa estrategica era a luta pelo poder, que conduziria a ditadura do proletariado. Reconhecendo que os bolcheviques eram uma minoria, porque as massas apoiavam o governo, definiu que a tarefa fundamental era “explicar pacientemente” o carater desse para os trabalhadores, preparando a luta futura pelo poder. Hoje, e importante retomar essa discussao contra os que querem apoiar governos burgueses se escudando em Lenin.

Roberto Robaina, dirigente do MES-MTL, hoje a corrente majoritaria do PSOL, apresenta, num artigo recente, uma defesa do apoio e da participacao em governos como o de Chavez e de Evo Moralez. Em sua defesa, reivindica a formulacao de Lenin de uma “ditadura democratica do proletariado e do campesinato”.
“Uma comparacao que temos de colocar e a seguinte: nao e valido, por exemplo, definir que o que temos visto na Venezuela de hoje e na Bolivia sao uma especie de governo provisorio revolucionario do tipo defendido por Lenin em 1905? Lenin trabalhava a possibilidade de um governo democratico popular surgido da derrubada revolucionaria do czarismo, onde os social-democratas deveriam participar. Nas teses da revolucao permanente, Trotsky negou a possibilidade de tal regime acontecer. De minha parte, creio que e cedo para uma resposta afirmativa, embora me pareca uma aproximacao da realidade definir que tais governos tem um pouco destas caracteristicas”, escreve Robaina (Revista America).
Mais a frente ele afirma: “mantendo a organizacao independente de partido e a autonomia do movimento de massas, a participacao dos revolucionarios nestes governos tem legitimidade nos classicos do marxismo”. E depois: “concluo que, no minimo, seria incorreto definir como superada a ideia de ditadura democratica do proletariado e do campesinato, isto e, a possibilidade de termos governos que, nao sendo socialistas, possam ser progressivos, surgidos de revolucoes, e que justifiquem, inclusive a participacao dos revolucionarios no seu interior”.
Robaina deveria repensar esta posicao, porque se aproxima claramente da pratica ja utilizada pelo estalinismo no passado (na revolucao chinesa de 1925-27, e inumeras vezes depois), de reivindicar Lenin para defender uma politica oposta a de Lenin. Robaina “esquece” que, em 1917, Lenin mudou completamente de politica, se recusando terminantemente a apoiar ou participar no governo Kerenski com a burguesia “mais democratica”.
A indignacao de Trotsky contra a utilizacao pelo estalinismo da antiga posicao de Lenin da “ditadura democratica” para apoiar o Kuomintang (nacionalistas) na China poderia se estender a Robaina e a seu apoio a Chavez. A comparacao e justa ate nos detalhes taticos: assim como o estalinismo defendeu a entrada e disciplina dos comunistas chineses no partido Kuomintang, o MES-MTL defende a entrada disciplinada no PSUV de Chavez.
Um Estado “novo” na Venezuela?

Robaina lembra a expropriacao da burguesia na China, e afirma: “guardadas as logicas diferencas, o Movimento ao Socialismo (MAS) na Bolivia tambem nao encabeca ou pode vir a encabecar um regime deste tipo? Seu carater campones e evidente”.

Logo depois: “e o chavismo somente se explica pela radicalizacao da pequena burguesia expressa na baixa oficialidade das Forcas Armadas Venezuelanas. Neste caso, nao foi o movimento campones, mas parcelas da classe media que se radicalizaram e assumiram um programa nacionalista e revolucionario”.
E verdade que as direcoes pequeno-burguesas, como Mao Tse Tung, pressionadas pela situacao objetiva, avancaram alem de suas intencoes e expropriaram a burguesia, destruiram o Estado burgues e construiram Estados operarios. Mas qual e a definicao de Robaina do carater de classe do estado na Bolivia e na Venezuela?
Como todos sabem, no estagio atual de desenvolvimento da sociedade, so e possivel existirem dois tipos de Estado: o operario ou o burgues. Nao existem exemplos de Estados da pequena-burguesia, que nao pode imprimir seu carater de classe heterogeneo e vacilante nem ao Estado nem a economia como um todo.
Sera que Robaina opina, como nos, que os Estados na Venezuela e Bolivia seguem sendo burgueses? Nesse caso, e completamente errada a definicao que ele apresenta destes governos. O marxismo sempre define o carater de classe dos governos pelos Estados que eles defendem e nao pela origem de classe do governante. Se for correto definir o governo de Chavez ou de Evo como pequeno-burgueses – porque eles tem essa origem de classe – precisariamos definir o governo de Lula como operario. Se tivermos acordo que o governo de Lula e um governo burgues – porque defende um Estado burgues – teremos de definir Chavez e Evo como governos burgueses por defenderem Estados burgueses.
Ou sera que Robaina opina que o Estado burgues boliviano foi destruido por Morales, podendo ser comparado ao exemplo da China? Chavez destruiu o Estado burgues na Venezuela? Teria ocorrido ja uma revolucao socialista na Venezuela que nao tenhamos percebido?
Nos temos enormes diferencas com o maoismo, mas e preciso reconhecer que o Partido Comunista chines destruiu o Estado e expropriou a burguesia, o que nem Chavez nem Evo se propoem a fazer. As economias venezuelana e boliviana seguem sendo capitalistas. As nacionalizacoes sao parciais, preservam a alianca na exploracao e comercializacao do petroleo e do gas com as multinacionais, que seguem tendo lucros gigantescos nesses paises. Alem disso, esta se gerando na Venezuela uma nova burguesia a partir do Estado, a “boliburguesia”. As forcas armadas burguesas seguem preservadas, ainda que com oficiais proximos de Evo e Chavez em sua direcao.
Existem pouquissimos exemplos na historia de contradicoes de classe entre o governo e o Estado num ascenso revolucionario. Isto pode ocorrer nestes poucos casos depois das revolucoes e antes que se exproprie a burguesia. Isso aconteceu, por exemplo, na Revolucao Russa, depois de outubro de 1917 e antes da expropriacao da burguesia, em 1918. Mas, voltamos a dizer, isso pode acontecer depois de uma revolucao. Sera que ocorreu uma revolucao operaria na Venezuela ou Bolivia e o mundo nao percebeu?
Ou sera, ainda, que Robaina partilha da tese de Bernstein e Carlos Nelson Coutinho de que o Estado nao tem um carater de classe, que ele e definido pelo governo de turno? Muitas vezes ja ouvimos de chavistas que as forcas armadas venezuelanas nao sao burguesas porque sao dirigidas por Chavez.
Robaina, unicamente, apresenta afirmacoes nebulosas como “dai a importancia, por exemplo, da Venezuela, onde o carater independente do pais abre um debate sobre o tipo de estado e regime” (p. 39). Valeria a pena perguntar: que tipo de Estado? Que tipo de regime?
Ou ainda: “na Venezuela, categoricamente, surgiu um regime novo, porque o regime burgues anterior foi claramente derrotado e muitos oficiais reacionarios foram marginalizados depois da derrota do golpe de abril de 2002”.
Relendo bem essas frases, parece que para Robaina existe um Estado e um regime que nao sao burgueses na Venezuela. Como nao basta para definir um Estado chama-lo de “novo”, seriam, entao, um Estado e um regime operarios?
A mesma estrategia do estalinismo: os “campos progressivos”

Para justificar seu apoio ao governo Chavez, Robaina faz uma caricatura. Apresenta os que discordam dessa visao, em particular os que reivindicam Nahuel Moreno (fundador da LIT), como defensores de que a situacao da luta de classes na Bolivia e no Equador estivesse assim: “sendo assim, a situacao objetiva estaria ‘madura’, ja teriamos novos organismos desenvolvidos ou com possibilidades de desenvolver-se, e a correlacao de forcas a favor das massas. So faltaria uma direcao revolucionaria para passar do ‘fevereiro’ da revolucao democratica inconclusa ao ‘outubro vermelho’ da revolucao socialista. A realidade, porem, se recusa a se adaptar a este esquema”.

Esta e uma manobra muito utilizada pelo PCdoB contra nos nas polemicas sobre ser ou nao ser oposicao ao governo Lula. A discussao nao e e nunca foi essa. A comparacao que se faz e com o carater burgues do governo Kerenski, Lula, Chavez e Evo. Nao estamos igualando a situacao da luta de classes vivida nesses casos.
O fundamental e se os revolucionarios devem apoiar (e mesmo participar) de governos como Chavez ou Evo ou se devem se construir como oposicao de esquerda a eles.
Isso tem uma importancia gigantesca. Toda a estrategia estalinista se caracterizava por negar ao movimento de massas essa possibilidade. Os trabalhadores eram sempre engessados no apoio a governos burgueses progressistas. A realidade politica era sempre definida na polarizacao entre um campo burgues de direita e outro campo, tambem burgues, hegemonizado pelo governo “progressista”. Os trabalhadores teriam de ser parte deste “campo burgues progressista”.
O problema e que a sociedade esta estruturada em classes sociais. A burguesia “progressista” nunca esta disposta a mobilizacoes revolucionarias e acaba por levar a derrotas do proletariado, seja por golpes militares, seja por vitorias eleitorais da direita.
Dessa maneira, nunca se constroi uma alternativa independente dos trabalhadores, que podera ser o fator determinante quando chegar uma crise revolucionaria. Pela estrategia estalinista, agora assumida por Robaina, isso nunca existira na Venezuela ou na Bolivia.
Consequencias no debate programatico

Alguns poderao pensar que esta discussao nao tem nada a ver com a estrategia para o Brasil. E um engano. O texto de Robaina tira conclusoes importantissimas sobre o programa e as aliancas de classes no Brasil.

Robaina “defende” o Programa de Transicao de Trotsky, para deturpa-lo completamente. “Mas aos riscos do oportunismo somam-se os desvios do sectarismo e do esquerdismo. Nesse sentido, ha dois erros graves que nao podem ser cometidos: primeiro, a ideia de que o programa da revolucao brasileira e necessariamente diretamente socialista; segundo, a negacao de uma politica de alianca entre classes, como se a mera afirmacao dos interesses da classe operaria fosse suficiente em uma estrategia revolucionaria”, afirma.
Mais adiante, diz que “embora seja impossivel, hoje, saber em que momento da revolucao, as tarefas economicas e sociais diretamente socialistas, em particular a expropriacao do grande capital, estariam postas na ordem do dia”.
Ao contrario de Robaina, o Programa de Transicao afirma: “e preciso ajudar as massas, no processo da luta, a encontrar a ponte entre suas reivindicacoes atuais e o programa da revolucao socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de reivindicacoes transitorias, partindo das condicoes atuais e da consciencia atual de amplas camadas da classe operaria a uma so e mesma conclusao: a conquista do poder pelo proletariado”.
O metodo do Programa de Transicao se contrapoe a separacao estalinista e social-democrata do “programa minimo” (que esta na consciencia das massas) e “programa maximo” (as reivindicacoes socialistas) para os dias de festa, ou seja, parte-se da ideia de que a mobilizacao por questoes minimas ou democraticas (que estao no nivel de consciencia das massas) pode e deve levar ao enfrentamento com o governo, o regime e o Estado burgueses, devendo ser associadas, no curso da mobilizacao, com outras palavras-de-ordem transitorias que se choquem com a dominacao capitalista. Por exemplo, a luta por questoes da saude e da educacao deve levar ao questionamento do superavit primario e do plano economico neoliberal e a necessidade da ruptura com o imperialismo. Ou a luta democratica contra a corrupcao deve levar a necessidade de expropriar os bancos corruptores.
Robaina parte de uma logica oposta. Coloca no primeiro e unico plano as questoes minimas e democraticas, deixando para “algum dia”, nao se sabe quando, as tarefas “diretamente socialistas”. A concepcao do programa de transicao e rebaixada a ideia de que, como qualquer luta se choca com a dominacao capitalista, basta defender uma palavra-de-ordem minima ou democratica para ja se ter um “programa de transicao”. Com isso, retoma a versao social-democrata e estalinista do programa minimo, com a falsa cobertura de que “qualquer luta vai contra o capitalismo”.
Mais adiante, Robaina afirma: “estao errados os que dizem que a traicao do PT foi ter defendido o programa democratico e popular e nao um programa socialista. Esses setores sao os mesmos que insistem na critica de que o PSOL, nas eleicoes, cometeu um grave erro em ‘rebaixar’ o seu programa”, ou seja, o “Programa de Transicao” de Robaina reivindica o programa democratico e popular do PT e a pratica do PSOL nas ultimas eleicoes!
Nas eleicoes, Heloisa Helena defendeu um programa rebaixado, ao redor das denuncias de corrupcao e da defesa da diminuicao dos juros. O Manifesto da Frente de Esquerda, feito em comum entre o PSTU, PSOL e PCB, mesmo tendo limitacoes, era um programa baseado na concepcao de transicao, em que as questoes minimas e democraticas eram explicitamente associadas a ruptura com o imperialismo. Essa ruptura desapareceu do discurso de Heloisa.
A reducao da taxa de juros e, por si so, “uma luta contra o capitalismo”? Nao. Como dissemos na polemica programatica durante a campanha, “baixar so as taxas de juros, deixando todo o restante, significa nao so manter o capitalismo, mas tambem seguir dentro do modelo neoliberal. O Chile, o primeiro pais a implantar o neoliberalismo, tem uma taxa de juros real proxima de zero”.
O outro tema programatico, a luta contra a corrupcao, demonstra o mesmo equivoco. Hoje o PSOL segue centrado nesse eixo, reeditando o programa petista da “etica na politica”. Segundo Robaina, “Heloisa Helena definiu corretamente na reuniao da direcao nacional do PSOL de fevereiro de 2007: denunciar a corrupcao e revolucionario porque a corrupcao tira dinheiro dos pobres para dar aos ricos”.
A luta contra a corrupcao, como bandeira democratica tem grande importancia, mas discordamos categoricamente do PSOL quanto a toma-la como eixo politico central. Alem disso, mesmo essa bandeira deve ser encarada com o criterio do programa de transicao, associada a defesa da prisao e confisco dos bens de corruptos e corruptores, da expropriacao dos bancos e das construtoras corruptoras, da denuncia do Congresso. O PSOL, ao contrario, faz uma campanha que em nada se diferencia do PT de ontem ou mesmo da oposicao burguesa, centrada na “moralizacao” do Congresso e suas instituicoes, como as CPIs.
Dificil para Robaina, sera explicar como a oposicao burguesa (PSDB e DEM) cumpre uma tarefa “revolucionaria” ao atacar a corrupcao do governo Lula. Ou como a burguesia da FIESP e revolucionaria ao defender o rebaixamento da taxa de juros.
A defesa do programa democratico e popular do PT da decada de 1990 tem todo um significado profundo. Ele estava dentro da estrategia reformista de uma “etapa democratica e popular” capitalista e nao de luta pelo socialismo.
O Programa de Transicao hierarquiza nos paises semicoloniais, a exemplo do Brasil, a importancia das tarefas democraticas, como a libertacao do imperialismo e a reforma agraria, mas nega a perspectiva de uma “etapa” intermediaria, junto com a burguesia progressista, em que essas tarefas seriam cumpridas. Essas tarefas ou serao realizadas por uma revolucao operaria e socialista ou nao virao.
Defender o programa “democratico e popular” e assumir essa estrategia etapista tipica do estalinismo. Essa era a posicao do conjunto da direcao do PT (e nao so da esquerda petista) por muitos anos e so foi abandonada (para um giro ainda mais a direita) nos ultimos anos antes de chegar ao governo federal.
O mesmo se anuncia em relacao a alianca de classes. A insistencia de Robaina na defesa teorica das aliancas com a burguesia nao se concretiza neste artigo, ainda, num projeto para o Brasil, mas, seguramente, esta discussao nao deixara de ter um sentido pratico, ao redor das aliancas eleitorais.
Como diziamos no inicio, a comemoracao do aniversario da Revolucao Russa nao pode ser formal. A reivindicacao da estrategia revolucionaria de Outubro e mais do que necessaria neste momento. E isso implica na polemica viva com os setores reformistas que negam frontalmente seu legado ou reivindicam a revolucao para adequa-la a seus interesses.

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