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sexta-feira, abril 19, 2024

Sobre um possível governo Syriza


Haverá eleições na Grécia e as pesquisas antecipam uma possível vitória da coligação Syriza. Reproduzimos este artigo publicado em maio passado, que mantém plena atualidade.

 Por Eduardo Almeida
A vitória do Syriza nas eleições para o parlamento europeu na Grécia coloca a possibilidade real de que esse partido chegue ao governo nas próximas eleições. Pedro Fuentes, secretário de relações internacionais do PSOL e um dos mais importantes dirigentes do MES (corrente interna desse partido), lançou há alguns dias o texto “Se o Syriza vencer as eleições, o que acontece com a questão do poder?
Nele, afirma que um possível governo do Syriza na Grécia seria um governo operário e que participar dele estaria de acordo com os critérios definidos pela III Internacional.

Não estamos de acordo com isso. Mas, é verdade que a combinação de crise econômica, ascenso das massas, crise da socialdemocracia está abrindo a possibilidade de que pela primeira vez um dos chamados “partidos anticapitalistas” chegue realmente ao governo.

É necessário, então, discutir com clareza que caráter teria um governo como esse, e qual deveria ser a atitude dos revolucionários perante ele.

Encarar a realidade é parte do método marxista
 
 O texto de Pedro Fuentes começa pela tentativa de encobrir as posições defendidas atualmente pelo Syriza.

“É visível que há importantes setores da esquerda anticapitalista que, agora com o Syriza bem perto dos degraus do poder, consomem horas debatendo caracterizações para terminar afirmando, de forma bastante ligeira, que o Syriza sofreu uma mudança qualitativa e já é parte do regime. Chegam a essas caracterizações conclusivas a partir de declarações de Tsipras, dando conta que a Grécia não sairá do Euro e que estaria disposto a negociar com os organismos financeiros internacionais, e/ou se baseiam em atitudes tomadas pelo Syriza no sentido de dialogar com personalidades que romperam com o PASOK, mas que, em seu momento, votaram pelo memorando, ou ainda fundamentados na recusa do Syriza em participar do ato de repúdio à chegada da Grécia à presidência da União Europeia.”

Porém, negar a realidade não é uma boa metodologia para qualquer tipo de análise, menos ainda para o marxismo. Desde que o Syriza disputou as eleições de 2012, abrindo a possibilidade de chegar ao governo pela via eleitoral, dedicou-se essencialmente a demonstrar para a burguesia europeia que é “confiável”. Trata-se de um movimento conhecido pelos brasileiros, semelhante ao feito por Lula com a “Carta aos brasileiros”, em que assegurava ao capital financeiro que, com sua vitória, nada mudaria na política econômica. Ao contrário do que diz Pedro, não se trata de “algumas declarações” de Tsipras, mas da essência da posição dessa organização para evitar uma reação da burguesia.

Essa posição de Pedro seria semelhante a uma subestimação da “Carta” de Lula em 2002. Um erro catastrófico, à medida que esta carta balizou todos os governos petistas até agora.

Não se pode comparar a situação de crise econômica e política grega com a brasileira do primeiro governo de Lula, nem o Syriza com o PT. Mas se pode dizer que a postura política de Tsipras é semelhante à de Lula em 2002, e que isso demonstra o projeto estratégico do Syriza.  

O Syriza vai lutar pelo poder?

Pedro Fuentes coloca uma questão chave:

“Cabe questionar, então, se o surgimento de uma alternativa de poder de esquerda por fora do regime, a qual expressa uma ruptura com o mesmo, é um caminho bloqueado no próximo período? Parece que não. Ao contrário, a disputa que ocorre na Grécia demonstra que essa hipótese está aberta.”

Pedro afirma que o Syriza pode chegar ao poder na Grécia. É isso mesmo?

O marxismo faz uma distinção clara entre chegar ao governo e tomar o poder. O poder é definido pelo poder de estado, que tem como seu núcleo central as Forças Armadas. O Estado burguês é a base de dominação de classe para a burguesia, para o controle que as classes dominantes mantêm sobre a economia e a sociedade como um todo.

O governo é parte fundamental das instituições políticas do estado, mas não define o centro do poder que está apoiado no controle das Forças Armadas. Chegar ao governo sem tomar o poder, sem destruir o Estado burguês, significa servir e administrar esse Estado para a burguesia. Esse governo passa a ter um caráter de classe burguês, pelo tipo de Estado que esse governo passa a administrar e pela classe burguesa que controla o Estado. Esse tem sido o papel da socialdemocracia europeia, assim como o do PT no Brasil.

Ou, talvez, o objetivo de um possível governo Syriza seja destruir o Estado burguês. Assim, é verdade que o Syriza se dispõe a tomar o poder, destruir o Estado burguês e fazer uma revolução? Tsipras, que é um líder reformista com alguma coerência, tomaria isso como uma calúnia de quem está interessado em que seu partido perca votos na Grécia.

Pode ser que Pedro Fuentes tenha deixado de lado esse bê-á-bá do marxismo, de diferenciação entre governo e poder de Estado. Mas isso seria um erro grave.

No passado, correntes reformistas resolviam esse dilema assumindo a “via eleitoral para o socialismo”, a estratégia parlamentar reformista que apontava para uma reforma progressiva do estado burguês pela via eleitoral. Segundo essa visão, bastava acumular postos eleitorais que estaria assegurada no futuro uma via pacífica para o socialismo. Essa foi a base para tragédias como a derrota de Allende no Chile e inúmeros outros desastres. A burguesia vai sempre utilizar o seu controle das Forças Armadas – o poder de Estado – para manter sua dominação econômica.

Desde o final do século passado – e de forma generalizada desde a restauração do capitalismo no leste europeu – a socialdemocracia europeia e os partidos reformistas de conjunto rebaixaram seu horizonte estratégico com clareza. Abandonaram de vez qualquer perspectiva de acabar com o Estado burguês e chegar ao socialismo. Passaram ao binômio reformas dentro do capitalismo + democracia burguesa. Ou seja, não se propõem a destruir o Estado. A estratégia é clara: chegar ao governo pela via eleitoral e administrar o Estado burguês.

Essa também é a estratégia do Syriza. Ganhar as eleições e fazer, no governo, reformas do capitalismo e do Estado burguês. E qual é a estratégia de Pedro e do MES? É a “via eleitoral para o socialismo”? É a mesma do Syriza de chegar ao governo administrando o Estado burguês?

Os critérios da III Internacional legitimariam a participação em um possível governo Syriza?

É notável que as posições do MES sejam sempre apresentadas como “atualizações” do marxismo. O revisionismo é uma forma de assumir posições reformistas sem dizer isso com clareza, encobrindo suas posições com reivindicações de Marx, Lenin e Trotsky.

Pedro Fuentes justifica o apoio e a participação em um possível governo Syriza a partir das definições da III Internacional:

“Daí se pode derivar duas coisas: 1) há condições de defender governos antiausteridade como novos tipos de governos dos trabalhadores e camponeses ou populares como aqueles que a III Internacional sugeria; 2) a composição destes governos e a representação dos trabalhadores nos mesmos têm possibilidades de adquirir diferentes formas, que não sabemos exatamente quais podem ser, embora todas elas excluam de início os velhos partidos burgueses europeus e a velha socialdemocracia. Nas resoluções do seu IV Congresso, a Terceira Internacional (a melhor escola de estratégia e tática revolucionária) deixou conceitos fundamentais sobre a atitude dos comunistas ante um governo de organizações operárias e camponesas que não estejam sob a direção de um partido revolucionário. Estavam a favor de participar de um governo operário e camponês (agora seria um governo operário e popular) como uma continuação da política da frente única operária com essas organizações. Estabeleciam como condição que seus representantes estivessem sob a disciplina do partido e da Internacional. Guardadas as distâncias, este seria um governo do Syriza e portanto, a esquerda revolucionária deveria participar.”

O revisionismo se apoia no desconhecimento dos novos ativistas para dar uma legitimidade marxista as suas posições reformistas. Para isso se apoiam em qualquer citação fora de contexto de algum de nossos mestres para deturpar suas posições.

A III Internacional em sua discussão sobre os governos operários no IV congresso buscava, em primeiro lugar, evitar a participação em governos socialdemocratas burgueses. Basta ler a resolução como um todo para entender esse conteúdo claro:

“Contra a coalizão aberta ou sorrateira da burguesia e da socialdemocracia, os comunistas se opõem com a frente única de todos os operários e a coalizão política e econômica de todos os partidos operários contra o poder burguês para a derrota definitiva deste último. Na luta comum dos operários contra a burguesia, todo o aparato do Estado deverá passar para as mãos do governo operário e as posições da classe operária serão deste modo fortalecidas. O programa mais elementar de um governo operário deve consistir em armar o proletariado, em desarmar as organizações burguesas contrarrevolucionárias, em instaurar o controle da produção e fazer recair sobre os ricos o maior peso dos impostos e em destruir a resistência da burguesia contrarrevolucionária.”

A resolução da III alerta contra os falsos “governos operários”, dando como exemplos os “governos operários liberais e socialdemocratas”:

“Os dois primeiros tipos de governos operários não são governos operários revolucionários, mas sim governos camuflados de coalizão entre a burguesia e os líderes operários contrarrevolucionários. Esses “governos operários” são tolerados nos períodos críticos de fragilização da burguesia para enganar o proletariado sobre o verdadeiro caráter de classe do Estado ou para postergar o ataque revolucionário do proletariado e ganhar tempo, com a ajuda dos líderes operários corrompidos. Os comunistas não deverão participar em semelhantes governos. Pelo contrário, desmascararão impiedosamente perante as massas o verdadeiro caráter destes falsos ‘governos operários’.”

No entanto, a III afirma que: “Em certas circunstâncias, os comunistas devem se declarar dispostos a formar um governo com partidos e organizações operárias não comunistas. Porém, só podem fazê-lo se contam com as suficientes garantias de que esses governos operários levarão a cabo realmente a luta contra a burguesia no sentido indicado acima.”

O “sentido indicado acima” inclui a destruição do Estado burguês, passando todo o aparato de estado para o controle operário, armando o proletariado, instalando o controle da produção e destruindo a resistência contrarrevolucionária da burguesia.

Ou seja, a III Internacional está falando de governos operários que estivessem apoiados em mobilizações revolucionárias destruindo o Estado burguês. Nesse caso, uma organização revolucionária poderia discutir – segundo a III Internacional – se deveriam ou não participar do governo.

Esse poderia ser o caso, por exemplo, da revolução boliviana de 1952, quando as milícias da Central Operária Boliviana (COB) enfrentaram a destruíram as forças armadas burguesas. A direção reformista da COB recusou-se a tomar o poder, apoiando o nacionalismo burguês do MNR. Caso se desse outra situação, em que Lechin (principal dirigente da COB) estivesse disposto a tomar o poder, os revolucionários poderiam discutir – segundo a III – a possibilidade de participar no governo. Mesmo nesse caso, a III exigia que isso fosse aprovado (ou não) pela direção da Internacional, pelos riscos enormes de erros.

Trata-se de uma discussão interessante, que provoca polêmicas na esquerda revolucionária há dezenas de anos. Mas… o que isso tem a ver com a possibilidade do Syriza ganhar as eleições na Grécia?

Que Pedro Fuentes defenda a participação em um governo burguês na Grécia é compreensível. Afinal, trata-se da mesma corrente que defendeu o mesmo na Venezuela. Mas, defender isso se apoiando nas resoluções da III Internacional já supera qualquer limite.

Para completar o engano, o MES estende a caracterização “governo operário” da definição da III para “governo antiausteridade”. Ou seja, deixa de lado a hipótese da III de um governo operário apoiado em mobilizações revolucionárias destruindo o Estado burguês, para apoiar um governo parlamentar no Estado burguês, com um programa “antiausteridade”.

Ora, um programa sério antiausteridade em um país dominado como a Grécia de hoje só poderia ter um conteúdo de ruptura com o euro e a União Europeia. Não se pode retomar o crescimento econômico e a elevação da renda dos trabalhadores mantendo a dominação do capital financeiro que asfixia o país. A ruptura com a UE e o euro poderia realmente tomar um curso anticapitalista se fosse levado à prática

Mas isso é exatamente o que o Syriza não quer fazer. Tsipras rejeita o plano de austeridade imposto pela União Europeia, mas defende a manutenção da Grécia na União Europeia e na Zona do Euro. Não diz como isso poderia ser feito, porque promessas eleitorais não necessitam apresentar coerência.

Pedro Fuentes tampouco exige clareza desse plano “antiausteridade”. Cuidadosamente evita precisar a relação entre esse plano e a manutenção no euro e na União Europeia para não desmascarar a política do Syriza. Essa postura legitima a participação em um governo burguês “antiausteridade” como pode ser um governo Syriza. Mas isso nada tem a ver com as posições da III Internacional.

Como é mesmo o exemplo venezuelano?

Pedro aponta a possibilidade de que o Syriza no governo entre em um processo de ruptura com o capitalismo:

“Entretanto, não se pode descartar que um governo do Syriza faça com que a Grécia tenha forças para impor novas condições, se houver mobilização e solidariedade continental com o povo grego. Essa hipótese deveria estar colocada e discutida de outra maneira na esquerda. Tomando um antecedente latino-americano como exemplo, na Venezuela, o governo de Chávez depois de idas e vindas (que incluíram muitas negociações com a burguesia) terminou em 2002 fazendo as Leyes Habilitantes e tomando a gestão da PDVSA, o que significou a nacionalização do petróleo, o fato mais destacado no início do processo de ruptura que possibilitou que a Venezuela tivesse margens de independência política e econômica e, assim, surgisse a ALBA. (Vale relembrar que a esquerda que não esteve desse lado, sob o argumento de que Chávez não era anticapitalista, terminou fazendo o jogo da direita e tornando-se seita).”

O exemplo venezuelano deveria ser tomado com mais cuidado por Pedro Fuentes. O MES teve um erro muito sério perante o chavismo, que agora repete perante o Syriza. Na realidade, fazem malabarismos com os conceitos para justificar seu apoio político a essas organizações com influência de massas.

Em 2008, caracterizaram o governo chavista como “nacionalismo pequeno-burguês”, justificando seu apoio a esse governo nacionalista burguês. Faziam uma confusão entre a origem de classe do governante – no caso Chávez era um coronel das FFAA venezuelanas, um pequeno-burguês – com o caráter de classe do governo. Por esse critério, o governo Lula deveria ser caracterizado como um governo operário.

O caráter de classe de um governo é determinado pela resposta a uma pergunta simples: a que classe serve o governo? Se o governo serve à burguesia – ou a um setor da burguesia – para administrar o estado burguês e a manutenção do capitalismo, trata-se de um governo burguês.

O caso do chavismo é um exemplo claro de criação de uma nova burguesia (a chamada “boliburguesia”) a partir da administração do Estado. Diosdado Cabello, por exemplo, é hoje um dos maiores burgueses da Venezuela. Trata-se de um movimento e um governo nacionalista burguês, semelhante ao peronismo argentino.

O MES foi parte da maioria da esquerda latino-americana (praticamente o conjunto do PSOL , PC, PCdoB e PT ) que apoiaram o chavismo. Em um texto de 2008, o MES credita a Chávez todo o processo de lutas:

“É um erro acreditar que Chávez tenha tomado medidas como consequência da pressão permanente do movimento de massas, como se Chávez fosse um Kerensky venezuelano. Segundo esta opinião, Chávez toma essas medidas como uma manobra reacionária para frear o ascenso das massas. Na verdade, Chávez é a direção do processo real que existe. Sem Chávez não haveria o processo em curso.”

Depois coloca em dúvida o caráter burguês do Estado:

“Podemos definir o Estado como burguês, já que não expropriou a burguesia. No entanto, dizer somente isso é insuficiente, à medida que a burguesia como classe não domina o Estado. O bonapartismo, segundo Moreno, é um tipo de Estado burguês sui generis. Nós agregaríamos burguês muito sui generis.”

A polêmica sobre a questão venezuelana não se resume à nacionalização do petróleo. É muito mais séria, envolve a capitulação da maioria da esquerda latino-americana ao chavismo com sérias consequências, como veremos. Nem se pode simplificar grosseiramente, como faz Pedro, afirmando que os que tiveram posições distintas da dele “viraram seitas”. A nacionalização do petróleo chavista foi progressista, embora ultralimitada, por entregar às multinacionais uma parte considerável do petróleo venezuelano.

Não houve nenhuma ruptura na Venezuela, nem com o capitalismo nem com o imperialismo. O Estado venezuelano segue sendo burguês, as multinacionais continuam explorando o petróleo no país. O governo chavista segue sendo o maior fornecedor de petróleo dos EUA, o que continuou sendo garantido mesmo durante a invasão norte-americana ao Iraque. Os bancos venezuelanos associados aos bancos imperialistas seguem tendo lucros gigantescos no país. A retórica anti-imperialista do governo chavista não pode ser confundida com uma ruptura com o imperialismo.

O MES, pouco tempo atrás, afastou-se silenciosamente do chavismo, sem nenhuma autocrítica, nenhuma explicação sobre a mudança de rota.

Mas tomar o exemplo venezuelano para apontar a possibilidade de uma ruptura com o capitalismo pelo Syriza já indica um rebaixamento do horizonte da “ruptura”. Segundo Pedro:

“Por isso, é lícito considerar que todas as medidas econômicas contra a austeridade e os ajustes (reais e objetivas) conduzem a uma ruptura com os mesmos e abre as portas para um processo transicional anticapitalista. “

Ou seja, a Grécia sob um governo Syriza vai por força da realidade objetiva diretamente a um processo transicional anticapitalista. Não existem as forças políticas da burguesia, da mídia, do reformismo do Syriza. Essa é uma visão objetivista, que leva a uma capitulação direta ao Syriza, à medida que a realidade vai “objetivamente” para uma transição anticapitalista.

Nada disso é verdade. Um possível governo Syriza na Grécia será um governo burguês. O Syriza é uma organização pequeno-burguesa com uma direção e um programa reformistas, que não se coloca nenhuma tarefa de ruptura com o capitalismo.

A volta da tese do “governo em disputa”
 
Pedro Fuentes não só defende a participação em um possível governo Syriza. Defende também uma política geral de “disputa” desse governo.

“Deve ser apresentada também a questão de um governo do Syriza nos termos se teria ou não que participar do mesmo. Quem já tem a caracterização de que o Syriza capitulou, obviamente seria contrário à participação. De todo modo, um fenômeno novo como este abriria muitas dúvidas. Todos os partidos amplos estão submetidos às pressões das classes. Pressões da burguesia, classes médias e dos trabalhadores. Por isso mesmo, como em todos os processos, existem tendências e disputas. O Syriza é um partido que logicamente sofre estas pressões e, por isso mesmo, é um processo aberto em disputa. Assim seria também um governo do Syriza, que estaria submetido a múltiplas pressões e, em especial, dos grandes capitalistas que podem usar a política da cenoura e do porrete contra um governo deste tipo.”

Essa política de “governo em disputa” não é uma novidade. Defenderam o mesmo em relação ao governo Chávez em 2008.

Trata-se de uma política bem conhecida no Brasil. A esquerda petista e o MST consideraram e consideram os governos Lula e Dilma como “governos em disputa”. Não inventaram nada de novo. Trata-se da mesma ideologia do stalinismo diante dos governos burgueses “progressistas”.

A lógica é simples: como esses governos são populares, fiquemos juntos deles. Mas, na verdade, essa não é uma opção pelas massas e sim pelos governos. Quando um governo burguês ainda tem apoio de massas é preciso saber estar em minoria. Os bolcheviques fizeram isso em 1917, diante do governo provisório, explicando pacientemente às massas que aquele não era o “seu governo”, como elas pensavam. Como souberam ser minoria puderam se transformar em maioria quando as condições objetivas mudaram.

Os resultados da política do “governo em disputa” são dasastrosos: a esquerda petista praticamente desapareceu e o MST perdeu muito de seu peso social e político.

Quando essa postura de “governo em disputa” é hegemônica na esquerda, a consequência é gravíssima. Os chavistas afirmam que uma oposição de esquerda ao governo “faz o jogo da direita”. Pedro Fuentes sugere a mesma coisa ao dizer que “a esquerda que não esteve desse lado, sob o argumento de que Chávez não era anticapitalista, terminou fazendo o jogo da direita e tornando-se seita”.

Pode se comprovar o erro desses chavistas na situação venezuelana de hoje. Existe uma polarização entre a direita pró-imperialista e um governo nacionalista burguês decadente e repressor. Não existe uma alternativa independente dos trabalhadores como, apesar de todas as limitações e fragilidades, começa a existir no Brasil.

Ser uma oposição de esquerda independente significa buscar construir um campo dos trabalhadores independente dos dois blocos burgueses. Isso é imprescindível na Venezuela, porque senão todos os que ficarem indignados com a crise econômica do país ou com a corrupção do governo terão como única opção a oposição de direita. Quem faz o jogo da direita?

Esses governos burgueses terminam por levar o movimento popular a derrotas inevitáveis através de eleições ou golpes. E arrastam junto os setores da esquerda que capitulam a ele. Não sobrou nada da fortíssima esquerda peronista. Não está sobrando nada da esquerda chavista.

Essa seria a consequência também na Grécia. Apostar numa política de “governo em disputa” para um possível governo Syriza atrelaria toda a esquerda à sorte desse governo burguês. François Sábado, dirigente do NPA, escreveu um texto com conteúdo bem próximo ao de Pedro Fuentes em abril de 2013. Ele termina seu texto argumentando que essa seria a única política possível porque uma derrota do Syriza seria também uma derrota “nossa”. Sim, seria a derrota do Syriza e de toda a esquerda reformista atrelada. Não a derrota da esquerda revolucionária independente.  

Um programa e uma política oportunistas

Pedro conclui o texto com uma proposta política:

“Parece-nos que toda a esquerda marxista teria que levantar na Grécia a palavra de ordem de governo do Syriza (possivelmente sob os moldes de uma formulação mais completa) como palavra de ordem de poder para a agitação na luta de classes e também para as eleições. Se nas próximas eleições europeias, o Syriza conseguir o primeiro posto, a palavra de ordem começa a ficar mais concreta e para a ação.”

Nenhuma das caracterizações definidas por nós acima impedem que se utilize como política concreta a exigência de um governo Syriza com um programa anticapitalista, como a ruptura com o euro e a União Europeia. É parte do arsenal do marxismo revolucionário fazer uma exigência às direções reformistas com peso de massas para que rompam com a burguesia e apliquem um programa dos trabalhadores. Trata-se de uma tática de exigências e denúncias para que – caso se dê a hipótese mais que provável de que essas direções não rompam com a burguesia – as massas façam sua experiência com essas direções.

Mas existe um abismo entre essa política – legítima entre revolucionários – e a política defendida por Pedro Fuentes. Ele termina seu texto com a proposta de um governo Syriza, sem nenhuma proposta programática. Sem uma caracterização clara do que significaria um governo Syriza, sem um programa anticapitalista, essa política de “governo Syriza” é uma clara postura oportunista. É uma política reformista para um governo reformista. Ou seja, uma discussão entre reformistas. Não é nosso caso.

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