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sexta-feira, março 29, 2024

Sobre o acordo entre as FARC e Juan Manuel Santos

O aperto de mãos no dia 23 de março entre o presidente Juan Manuel Santos e o máximo comandante das FARC, Ricardo Londoño, também conhecido como Timochenko, expressa o ponto mais alto do avanço conquistado nas negociações: um ponto irreversível.

Por: Arturo Guevara G.

Esse aperto de mãos, apoiado política e fisicamente pelo presidente cubano Raúl Castro em nome de todos os governos que desejam a negociação, incluindo o imperialismo norte-americano e o Papa, é o fato simbólico do início de um novo período político no país, independentemente de qualquer detalhe ou incidente menor no futuro.

Sejam quais forem os custos de seguir adiante, pactuando um cessar-fogo bilateral, ajustando os acordos e pontos pendentes, procedendo à concentração de forças das FARC, para cada uma das partes seria mais oneroso retroceder e estão obrigados a avançar até o acordo final e a entrega (deposição) das armas, tendo fixado datas limites (23 de março de 2016 para o acordo final e, no máximo, dois meses depois para a deposição das armas).

Arrastado ou empurrado por esse processo, semelhante a uma tempestade de inverno, o Exército de Libertação Nacional (ELN) terá que acelerar o passo, pois nem política nem militarmente tem opção que não seja aderir a uma parte dos acordos, buscar identidade e protagonismo – negociando alguns pontos específicos – e, como réplica de segunda, chegar a um aperto de mãos similar.

O nó górdio1

Além dos anúncios anteriores, “aperitivos” muito importantes, o prato principal que levou ao retorno súbito dos negociadores do governo à capital cubana e o encontro Santos-Timochenko foi que o nó górdio, que havia travado o avanço das negociações por mais de um ano, havia sido cortado ou desatado, o que, como reza a lenda, dá no mesmo.

O trabalho prévio de uma comissão jurídica bipartite chegou a um acordo sobre como se tramitará a parte mais complexa e espinhosa de todo o processo: a justiça, julgamentos e condenações, aos responsáveis por décadas de violência e todo tipo de atos atrozes. Nesse ponto, estão em jogo as expectativas e exigências de milhões de vítimas do conflito armado colombiano e a própria estabilidade futura dos acordos.

Segundo os dados do Centro de Memória Histórica, trata-se de 220.000 vítimas fatais, das quais a imensa maioria (177.307) são civis, sendo o resto combatentes. Desde 1984, estimam-se 6.414.700 deslocados, 55.000 pessoas atingidas por algum ato terrorista, 11.000 que sofreram as consequências das minas terrestres, 130.000 que sofreram ameaças durante o conflito, cerca de 75.000 que perderam algum bem e mais de 21.000 que foram sequestradas. Em diferentes registros, fala-se de 25.000 desaparecidos e 1.754 vítimas de violência sexual.

Justiça negociada, impunidade pactuada

De um ponto de vista revolucionário, repetimos mil vezes que, de longe, durante todas as décadas anteriores, o principal criminoso contra o povo colombiano, o responsável direto pelo assassinato de milhares de dirigentes sindicais, o responsável pelas dezenas de milhares de desaparecidos e ameaçados e o responsável pelo funcionamento criminoso do paramilitarismo foi o Estado colombiano e o regime político reacionário mediante o qual as classes dominantes exerceram o poder.

Outro responsável direto por essa matança de décadas, que fez com que corressem sangue e cadáveres pelos rios do país no lugar de água ou que o território nacional fosse designado, acertadamente, como uma imensa vala comum, é o imperialismo norte-americano, que dirigiu, orientou, treinou e financiou este Estado e seus vassalos políticos que o dirigiam e dirigem. Um verdadeira justiça que honre as vítimas deveria colocar na cadeira dos acusados esse regime e seus agentes políticos, militares e econômicos como primeiros e principais autores e responsáveis.

Dito isso, também partindo de uma posição revolucionária, afirmamos reiteradamente que o conjunto da guerrilha colombiana, por sua estratégia e métodos errados, pela degeneração que sofreu desde suas épocas iniciais – nas quais expressou com clareza um levante revolucionário e defensivo contra esse regime reacionário –, terminou transformando-se em algoz de setores da população.

Assim, as FARC, se tivessem tido uma atitude revolucionária durante esta negociação, deveriam desde o início ter reconhecido abertamente os erros cometidos durante seu levante contra o regime, pedido perdão às vítimas e à totalidade do povo colombiano, expressando sua disposição de submeter-se ao julgamento e punição que o próprio povo decidisse democraticamente. Mas optaram pelos caminho inverso: negociar suas culpas com os principais algozes.

As FARC se autocondenam e isentam o regime

O texto do acordo assinado determina que “A Jurisdição Especial para a Paz terá competência a respeito de todos os que, de maneira direta ou indireta, tenham participado do conflito armado interno, incluindo as FARC-EP e os agentes do Estado, pelos delitos cometidos no contexto e em razão do conflito, em especial os casos mais graves e representativos” (grifos nossos).

A verdade, nua e crua, é que esta denominada “Jurisdição Especial para a Paz” será o meio mediante o qual o regime lavará sua fachada sangrenta (condenando logo alguns bodes expiatórios) e, de passagem, executará a condenação política reacionária da guerrilha – não só por atos específicos condenáveis mas pela totalidade de sua atuação.

As FARC, em troca das vantagens obtidas pelos seus dirigente com esse acordo (redução de penas, não ir para a cadeia, obter indulto ou anistia), realizaram a maior traição à luta democrática do país: impedir que, como deve ser, cedo ou tarde o povo colombiano compreenda que a causa última de toda violência e morte que sofreu durante décadas (e que continuará sofrendo logo após firmados os acordos entre as FARC e o governo Santos) tem um primeiro e fundamental responsável: o Estado e o regime capitalista do país, agentes diretos do poder e de dominação do imperialismo e suas multinacionais.

A justiça negociada que as FARC aceitaram (para seu próprio benefício) é um verdadeiro pacto de impunidade que firmam com o regime reacionário. Essa é, em última instância, a mais clara demonstração de seu fracasso.

Bogotá, 24 de setembro de 2015.

Nota:

1. A expressão “nó górdio” se refere a um problema que parece insolúvel (um nó que não pode ser desatado), e a expressão “cortar o nó górdio” se refere à resolução de um problema complexo de maneira simples e eficaz. N.T

Tradução: Thiago Chaves

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