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sexta-feira, março 29, 2024

Michael Roberts: Produtividade, investimento e rentabilidade

O historiador econômico radical Adam Tooze recentemente tuitou que “sempre que vejo os números da queda da taxa da produtividade das EAs (economias avançadas), fico confuso: será que realmente temos uma explicação? Nós realmente temos uma explicação?”

Por: Michael Roberts

Figura 1: A produtividade do trabalho nas economias desenvolvidas está desacelerando. Eixo vertical: Crescimento da produtividade do trabalho em economias desenvolvidas (%)

Bem, acho que sim. Como descrevi anteriormente, nos últimos 40 anos e, especialmente, nos últimos 15, houve uma desaceleração generalizada da produção por hora trabalhada nas principais economias. Para as principais economias do G11 (que exclui a China), ela está ocorrendo atualmente com uma taxa tendencial de apenas 0,7% ao ano.

Figura 2: Crescimento da produtividade do trabalho (produção por hora de trabalho, %). Países: Rússia, Itália, Grã-Bretanha, Espanha, G11, EUA, França, Austrália, Alemanha, Canadá, Coreia do Sul.

O nível de produtividade da Rússia está caindo, enquanto os da Itália e do Reino Unido estão estacionários.

Mas, por que a taxa de produtividade nas principais economias está caindo? O quebra-cabeça da produtividade é debatido por economistas tradicionais há algum tempo. A explicação keynesiana do “excesso de demanda” [demand-pull] é que o capitalismo está em “estagnação secular” devido à falta de “demanda efetiva”, necessária para encorajar os capitalistas a investir em tecnologia que aumente a produtividade. Essa é a visão de keynesianos como Larry Summers ou Martin Wolf. Também é promovida de forma semimarxista por John Bellamy Foster na revista Monthly Review.

Há também o argumento do “lado da oferta”, por outros economistas convencionais, de que não há tecnologias melhoradoras da produtividade suficientemente eficazes nas quais investir – os dias do computador, da internet, etc. – acabaram-se e não há nada de novo que tenha o mesmo impacto. Esta tese é fortemente defendida por Robert J. Gordon.

Mas há também outra explicação muito simples. Há três fatores por trás do crescimento da produtividade: a quantidade de mão de obra empregada, o valor investido em maquinário e tecnologia e o fator X da qualidade e habilidade inovadoras da força de trabalho. A contabilidade tradicional chama esse último fator de Produtividade Total dos Fatores (PTF), medida como a contribuição não contabilizada (residual) ao crescimento da produtividade após o investimento de capital e o emprego de mão de obra.

As evidências mostram que o crescimento da produtividade é impulsionado principalmente pelo investimento de capital, que substitui o trabalho vivo por máquinas – à medida que as máquinas aumentam a produção de cada trabalhador usando a mais recente tecnologia, também reduzem o número de trabalhadores necessários. No gráfico abaixo, o Conference Board dos EUA mostra que, nos 20 anos anteriores ao colapso financeiro global, a principal contribuição para o crescimento da produtividade veio do investimento de capital (32% + 18%); enquanto a mão-de-obra contribuiu com 23% e a PTF com 26%.

Figura 3: Gráfico da esquerda; antes da crise financeira (1997-2006): a importância do crescimento da produtividade mundial em relação ao crescimento do PIB (contribuição da produtividade (%) ao crescimento médio mundial do PIB) – Capital não-TI, Crescimento pelo PTF, Trabalho, Capital TI, Qualidade do trabalho. Gráfico da direita; tendências da produtividade global de 1997 a 2013 (Crescimento da PTF por países e regiões: EUA, Europa, Japão, Economias desenvolvidas, China, Índia, América Latina, Países emergentes, Mundo).

O crescimento da PTF diminuiu após a Grande Recessão na maioria das economias, com exceção da China e da Índia. Nos Estados Unidos, todos os três fatores que impulsionam o crescimento da produtividade estavam no máximo na década de “alta tecnologia” dos anos 90, mas, na década de 2000, todos os três fatores desaceleraram acentuadamente.

Figura 4: Setor privado dos EUA exceto o agrário: contribuições à produção real (% a.a.). Verde: PTF; vermelho: Capital; azul: Trabalho.

De fato, a desaceleração do crescimento da produtividade nas economias avançadas começou na década de 1970. E isso não é um acidente.

Figura 5: Crescimento global de longo prazo da PTF para economias avançadas (EA) e emergentes (EE). Azul: EA; vermelho: EE.

Decompor os fatores que impulsionam o crescimento da produtividade esclarece as coisas. A desaceleração do investimento em ativos produtivos, particularmente em alta tecnologia, levou a uma desaceleração na produtividade do trabalho. Abaixo há um gráfico gerado por economistas do JP Morgan. Houve uma queda de longo prazo no investimento em ativos fixos [prédios, máquinas, etc.] em relação ao PIB nas economias avançadas nos últimos 50 anos, ou seja, a partir dos anos 70.

Figura 6: Investimento em ativos fixos, economias desenvolvidas em relação ao PIB. Linha preta: Tendência de 1970 ao presente; linha laranja: média móvel de 5 anos.

Parte do declínio do investimento em capital e mão-de-obra nos EUA pode ser atribuído à crescente globalização, à medida que as empresas norte-americanas deslocaram suas fábricas e atividades para o exterior. Mas o investimento em relação ao PIB diminuiu em todas as principais economias, com exceção da China.

Figura 7: Investimento em relação ao PIB (%) 1980-2018. Linha marrom: EA; linha roxa: EE exceto China; linha azul: Mundo exceto China; linha laranja: China.

Em 1980, tanto as economias capitalistas avançadas como as capitalistas “emergentes” (exceto China) tinham taxas de investimento em torno de 25% do PIB. Agora, a taxa média é de cerca de 22%, ou um declínio de mais de 10%. A taxa caiu para 20% nas economias avançadas durante a Grande Recessão.

Os economistas do JP Morgan observam que a situação está se tornando séria. O crescimento do investimento empresarial global em novos equipamentos está estacionado pela terceira vez desde o término da Grande Recessão, em 2009.

Figura 8: Gastos globais com equipamentos (%).

E os economistas do JPM comentam : “Ainda mais preocupante é que os dados mais recentes da pesquisa sugerem que a desaceleração do crescimento do capex [investimentos em bens de capital] ainda não encontrou o fundo do poço”. A previsão do modelo aproximado (linha azul da figura 8) é de crescimento zero em 2019.

Figura 9: Capex aproximado (%PIB). Linha laranja: EE exceto China.

Portanto, a desaceleração de longo prazo do crescimento da produtividade é consequência da desaceleração em investimentos em ativos geradores de valor produtivo. A próxima pergunta é a seguinte: por que os novos investimentos em tecnologia começaram a cair a partir da década de 1970? É realmente uma “falta de demanda efetiva” ou falta de tecnologias geradoras de produtividade? O mais provável é que seja a explicação marxista: os negócios nas principais economias sofreram uma queda de longo prazo na lucratividade do capital e, assim, os capitalistas começaram a pensar que não era suficientemente lucrativo investir muito em novas tecnologias para substituir o trabalho vivo.

A magnitude do declínio a longo prazo do investimento em ativos fixos oferecida pelo JP Morgan equipara-se perfeitamente com o declínio a longo prazo da rentabilidade do capital nas principais economias (ver gráfico abaixo).

Figura 10: Taxa mundial de lucro – média de 14 principais economias (lucros como % do ativo fixo)

Isso ficou muito claro no período pós-recessão. Em muitas grandes economias, como os EUA, Reino Unido, Japão e Europa, as empresas preferiram manter sua força de trabalho e então empregar novos trabalhadores em contratos mais precários, com menos benefícios e contratos temporários ou de tempo parcial. Isso se revela em taxas de desemprego oficiais muito baixas, juntamente com baixas taxas de investimento. Assim, o crescimento da produtividade é fraco e o crescimento real do PIB está abaixo do esperado.

E a parcela de investimento no setor criador de valor produtivo das principais economias também diminuiu devido ao aumento do investimento em trabalho e setores improdutivos, isto é, marketing, comércio, finanças, seguros, imóveis, governo (particularmente gastos com armas, etc.). Esses setores absorveram uma maior parte da mais-valia, diminuindo assim a lucratividade dos setores produtivos.

Abaixo há um gráfico produzido pelo economista marxista australiano Peter Jones, de seu novo livro, The Falling Rate of Profit and the Great Recession, que decompõe os fatores que afetam a taxa de lucro nos setores produtivos da economia dos EUA: (s-u)/C. Os fatores que reduzem a lucratividade são: 1) uma crescente composição orgânica do capital conforme a análise marxista clássica (barras verdes); e 2) o aumento da participação do trabalho improdutivo (barras azuis claras).

Figura 11: Influências em (s-u)/C. Barra azul clara: (s-u)/C; laranja: ROSV; cinza: rotatividade; amarela: revalorização; azul escura: barateamento de novo C; verde: Composição orgânica do capital

A longo prazo, esses fatores superam quaisquer fatores contrários que aumentem a rentabilidade, como uma taxa crescente de exploração do trabalho ou os efeitos de barateamento da nova tecnologia. Não é de admirar que as taxas de investimento em capital fixo tenham diminuído e, portanto, o crescimento da produtividade.

Os economistas do JP Morgan também observam que a desaceleração no investimento produtivo é impulsionada pela menor lucratividade (o que leva a uma falta de confiança empresarial para investir): “a desaceleração do crescimento do investimento em bens de capital (capex) deve-se inteiramente à falta de confiança e a um menor crescimento do lucro em relação aos anos anteriores”.

Figura 12: Lucros globais e confiança do investidor. Linha laranja: Confiança do investidor (desvio padrão em relação a 1990); azul: Lucros (%).

Mas há outro fator-chave que levou a um declínio do investimento em trabalho produtivo: a preferência dos capitalistas pela especulação em capital fictício, na expectativa de que os ganhos com compra e venda de ações nas bolsas e de títulos governamentais e corporativos proporcionem retornos melhores do que o investimento em tecnologia na produção ou em serviços. Como a rentabilidade do investimento produtivo caiu, o investimento em ativos financeiros tornou-se cada vez mais atraente.

O crescimento do capital fictício tem sido uma característica de longo prazo desde o aumento da lucratividade do capital no início dos anos 80. A participação dos lucros do setor financeiro nos lucros totais nos EUA e em outras economias capitalistas cresceu a uma taxa crescente até o crash financeiro global – note-se que essa participação só disparou realmente a partir dos anos 80.

Figura 13: A participação dos lucros do setor financeiro nos lucros totais nos EUA (%)

E muito desse investimento é fictício (como Marx o chamava), já que os preços de ações ou títulos podem não ter relação com os lucros subjacentes dos ativos das empresas, e esses preços podem se dissolver em qualquer crash financeiro.

Peter Jones, em seu livro, fornece uma medida da magnitude dos lucros financeiros fictícios. Mas, uma medida grosseira, mas simples, do tamanho do capital fictício pode ser baseada no índice Q de Tobin.  Batizada em homenagem ao economista James Tobin, na década de 1970, ele mede a relação entre o preço de mercado das ações e o valor contábil (ou preço) do ativos fixos das empresas. O índice, então, expressa a parte fictícia dos ativos financeiros.

Podemos ver que no mercado de ações em alta do início dos anos 80 até o estouro da crise dot.com, em 2000, o valor de mercado das empresas norte-americanas era cerca de 70% acima do valor em dinheiro dos ativos da empresa.

Figura 14: Índice Q desde 1900. Linha verde: dados anuais; azul: dados trimestrais; preta: média (70%).

Dado que o índice Q médio é de cerca de 70% e não de 110%, como agora, pode-se avaliar a magnitude da parte fictícia da compra de ativos financeiros.

Assim, enquanto o mercado de ações cresce, com a ajuda de taxas de juros próximas a zero e flexibilização monetária, a rentabilidade do capital produtivo permanece baixa – e, junto com isso, o baixo crescimento do investimento e o baixo crescimento da produtividade.

Fonte: Roberts, M, Productivity, Investment and Profitability, https://thenextrecession.wordpress.com/2019/05/11/productivity-investment-and-profitability/

 

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