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sexta-feira, março 29, 2024

Rússia | Liberdade para todos os presos, abaixo a repressão

Nota sobre os acontecimentos de 27/07 e 03/08 em Moscou

Por: POI Rússia

A manifestação em Moscou no último sábado 27/07, com mais de 1300 ativistas presos, repercutiu fortemente na imprensa mundial e foi quase que totalmente ignorada pela imprensa russa. Segundo a polícia, participaram da manifestação cerca de 3500 pessoas, segundo os organizadores entre dez e vinte mil. Foi possivelmente a maior manifestação centralizada desde 2012. Foi seguida pela manifestação do dia 03/08 onde foram novamente presos cerca de 800 ativistas.

As manifestações foram convocadas para exigir o direito da oposição liberal em participar das eleições para a Duma Municipal (Câmara Municipal) de Moscou em setembro. Praticamente todos os candidatos oposicionistas (cerca de 60) foram impedidos de se registrar pela Comissão Eleitoral, que alegou irregularidades na coleta de assinaturas (pela lei eleitoral russa, para se candidatar por fora dos partidos oficiais há que se recolher assinaturas de apoiadores, equivalente a 3% do colégio eleitoral local).

A Comissão Eleitoral encontrou algumas assinaturas de pessoas já mortas nas listas da oposição liberal. Os candidatos oposicionistas acusam o Kremlin e o prefeito de Moscou, Sabianin, pela manobra, infiltrando provocadores entre os voluntários para recolher assinaturas para a oposição, que teriam sido responsáveis pelas assinaturas falsas.

O motivo alegado para as prisões foi que as manifestações não haviam sido previamente autorizadas. Na Rússia de Putin, as manifestações devem ser autorizadas pelo governo para poderem se realizar. A prefeitura de Moscou se recusou a autorizá-las alegando problemas para garantir a segurança e o trânsito. Uma clara desculpa esfarrapada, pois vazaram informações ainda antes da primeira manifestação, de dentro do aparato do estado, de que já estava decidido o uso máximo de força para dispersar a manifestação, mesmo esta sendo absolutamente pacífica.

Da nossa parte, nos solidarizamos obviamente com os ativistas presos, exigimos a libertação imediata de todos e que não haja nenhum processo judicial iniciado contra nenhum deles. Também exigimos a libertação do líder da oposição liberal, Alexey Navalny, condenado a 30 dias de prisão por convocar a manifestação não autorizada.

Exigimos também o direito dos oposicionistas liberais e de qualquer organização política de oposição a participar, se assim o desejarem, no processo eleitoral. Exigimos o livre direito a manifestação, sem passar pelo filtro do regime.

Responsabilizamos Putin e Sabianin por todo o ocorrido, pelas manobras, repressão e prisões. Seu medo é o de uma repetição do ocorrido recentemente nas eleições em Istambul, onde o ditador turco Erdogan perdeu as eleições municipais para a oposição. Um cenário do tipo poderia levar a uma crise política ao colocar em questão a legitimidade de Putin e Sabianin na capital.

Está mais do que clara a intenção política do regime em não permitir a derrota do governante Partido Rússia Unida nas eleições em Moscou, utilizando todos os métodos ao seu alcance. É necessário um rechaço unânime à repressão da parte de todas as organizações de oposição, democráticas, de direitos humanos, sindicais e de esquerda, na Rússia e no mundo.

Ao mesmo tempo em que expressamos nossa solidariedade, o movimento do dia 27/07 tem graves limitações, que dificultam que venha a ser vitorioso. É um movimento com um forte caráter de classe média e alta, dirigido por pequenos e médios empresários, profissionais liberais e intelectuais, que se consideram orgulhosamente como “a classe criativa”, em oposição à “atrasada” classe trabalhadora, muitas vezes desprezada por estes como sendo base de apoio de Putin.

Se negam a incorporar as demandas sociais às manifestações, como contra a reforma da previdência, contra o aumento da idade mínima para a aposentadoria, contra o arrocho, contra os cortes nos serviços sociais, contra o vergonhoso sistema tributário russo que beneficia os ricos, etc. Porque obviamente, como liberais que são, defendem o mesmíssimo plano econômico, inclusive mais duro, como a redução de impostos para o “setor produtivo”, mais recortes nos gastos sociais e mais privatizações.

Tampouco questionam a colonização do país levada a cabo por Putin, que transforma um país que já foi uma grande potência industrial dia após dia em um mero fornecedor de matérias-primas para potencias estrangeiras (mesmo que essa colonização venha disfarçada sob um manto de ideologia chauvinista e agressão a outros povos). Pelo contrário, os liberais aplaudem cada medida tomada pelo governo nesta direção e exigem ainda mais “abertura” ao ocidente.

Sequer defendem um programa democrático consequente, se limitam a pedir o direito das forças liberais em incorporar-se ao joguinho político de cartas marcadas de Putin para manter um mínimo de aparência democrática, para por dentro do regime negociar migalhas (como há muito tempo já se incorporou o Partido Comunista, dócil “oposição” pró-regime, portanto cúmplice dos crimes de Putin).

A oposição liberal se cala miseravelmente em relação às agressões militares contra a Ucrânia e a Síria. Restringe conscientemente as manifestações aos setores médios e a um programa limitado, que dificulta a adesão da classe trabalhadora e dos setores mais empobrecidos da juventude e do povo em geral. Não é um movimento para derrotar o regime de Putin, mas para ter o direito de ser parte dele. Só que o regime de Putin é tão degenerado que sequer uma oposição tão inofensiva pode incorporar à divisão do saque do país.

Não por acaso, é um movimento visto com indiferença e inclusive desconfiança pelos trabalhadores, em especial de fora da capital. As manifestações de 2017 neste sentido foram mais plurais, atraindo setores da juventude descontente das periferias e cidades mais distantes, ameaçando sair do controle dos liberais, por essa razão foram abortadas. A oposição liberal se limita assim a manifestações de acordo ao calendário eleitoral de Putin.

E manifestações somente quando há eleições são incapazes de aglutinar o descontentamento crescente na população pela carestia, inflação, baixos salários e reforma da previdência. Ainda mais manifestações hegemonizadas pelos setores mais privilegiados da já privilegiada capital. Com esta política, os liberais ampliam o fosso entre a luta democrática e a luta social, o fosso entre os setores médios por um lado e a classe trabalhadora, juventude empobrecida, imigrantes e povo em geral por outro.

Chamar a mudar a situação através de eleições totalmente controladas pelo regime é alimentar ilusões. A derrota do movimento de 2012 deixou isso bem claro para quem quisesse ver. A classe trabalhadora não está preocupada com as eleições, sabe que não mudam nada, por isso a participação nestas cai ano após ano. Apesar dos elementos de desgaste de Putin, não se vê tampouco nenhuma alternativa eleitoral, já que os liberais são associados (e corretamente) pelo povo à gangue de Yelstsin, que também vendia o país e que finalmente pariu o regime de Putin. Não são opção.

Pôr fim à repressão, aos desmandos, à carestia, aos baixos salários, à inflação, à degradação econômica, às humilhações aos imigrantes, às criminosas guerras de Putin é possível, mas só pode ser feito levantando a classe trabalhadora russa contra as agruras mais sentidas por esta. E desta forma sim, unir-se as reivindicações democráticas mais do que justas e a setores médios descontentes que são bem-vindos à luta comum.

Sem a união da luta democrática com a luta social, sem que a classe operária entre em cheio em luta contra o governo, com seus métodos, greves e ocupações, unindo-se assim às camadas médias descontentes com o regime, não será possível derrotar Putin. O elitismo das direções liberais tem se mostrado até agora um impeditivo para esta união. Sob a direção liberal será muito, mas muito difícil, conquistar alguma coisa.

Obviamente não é impossível que, no marco da degradação do país e do crescimento do descontentamento social, as manifestações convocadas pelos liberais possam vir a catalisar a luta social no país. Mas isso não seria um motivo a menos, e sim a mais, para lutar por construir uma outra direção, plebeia, operária, dos trabalhadores e da juventude sem perspectivas, contrária a colonização do país, contrária a agressão aos outros povos, que levante todas as bandeiras de uma verdadeira revolução democrática, soldando-as com as bandeiras sociais num único processo de luta, ao mesmo tempo democrático e socialista, única maneira de pôr fim ao ultrarreacionário regime de Putin.

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