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quinta-feira, março 28, 2024

Ribbentrop-Molotov: O pacto Stalin-Hitler para dividir a Europa

Em 22 de setembro de 1939, o 4º Batalhão da 29ª Brigada de Tanques Leves Soviética entrou na cidade de Brest-Litovsk. Escolhidos por motociclistas alemães do exército de Hitler, eles circularam sob os “Arcos da Vitória” erguidos para a ocasião e decorados com suásticas e estrelas vermelhas.

Por: Vanessa C. Valverde

Este desfile militar, supervisionado conjuntamente pelo general do exército nazista Heinz Guderian e pelo comandante soviético Semyon Krivoshein, marca o início da ocupação nazista-soviética da Polônia e territórios fronteiriços.

A cooperação entre Hitler e Stalin para ocupar a Polônia e dividir os territórios em “áreas de influência” foi estabelecida no Pacto Ribbentrop-Molotov; um tratado de “paz” e cooperação entre a Alemanha nazista e a URRS de Stalin assinado em 24 de agosto do mesmo ano.

Desfile conjunto da Wehrmacht com o Exército Vermelho, 22 de setembro de 1939

Esse pacto continha cláusulas públicas e algumas secretas, que só foram descobertas quando os arquivos do Terceiro Reich foram divulgados, após sua construção ter sido tomada pelos exércitos dos Aliados.

As cláusulas públicas declaravam a paz entre a URSS e a Alemanha por 10 anos, durante os quais nenhum país poderia se aliar a qualquer outro que atacasse sua contraparte.

A URSS também prometeu não intervir no caso da invasão da Polônia pela Alemanha e foi estabelecida uma série de benefícios comerciais entre os dois países. Stalin prometeu fornecer petróleo e trigo a Hitler, enquanto Hitler forneceria armas para o Exército Vermelho.

Mólotov assina o tratado com a Alemanha nazista. Atrás dele, Ribbentrop e Stalin

Mas em suas cláusulas secretas, ficou acertado que a Alemanha ocuparia apenas metade da Polônia até o rio Bug, já que a URSS anexaria a outra parte. Além disso, a Alemanha invadiria a Lituânia e as tropas de Stalin ocupariam a Estônia, a Letônia e regiões da Romênia e da Bulgária.

A cooperação entre o stalinismo e o nazismo terminaria em 1941, ante a incredulidade de Stalin, quando seu aliado invadiu a URSS durante a Operação Barba Vermelha. Incredulidade e surpresa, apesar de ter recebido informações precisas de seus agentes de que isso iria acontecer.

“Socialfascistas”: como o socialismo em um só país ajuda Hitler a chegar ao poder

O pacto Ribbentrop-Molotov é um dos episódios mais conhecidos da cooperação do Stalinismo com Hitler, mas essa aliança é apenas a continuação de uma política global da aliança de Stalin com a Alemanha conservadora.

Antes de Hitler chegar ao poder, o Partido Comunista Alemão, orientado pelo stalinismo, cooperou estreitamente com os setores “pró-orientais” da burguesia alemã.

Quando Trotsky foi demitido do Comissariado de Guerra em 1925, as operações secretas de cooperação militar entre o Exército Vermelho e a Reichswehr já haviam começado. Essas operações contemplaram o rearmamento e treinamento das forças armadas alemãs, estabelecendo fábricas, escolas militares e práticas conjuntas com o exército soviético.

Ambos trabalham de forma simbiótica: a Reichwehr obtém um espaço seguro para seu treinamento e rearmamento, enquanto os oficiais do Exército Vermelho recebem treinamento de seu homólogo alemão.

Mas esta cooperação militar não teria sido possível sem um quadro político de apoio.

Por um lado, a Alemanha queria rearmar o seu exército, porque depois de ser derrotada na Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes impôs limitações ao seu número de efetivo, de território e aos tipos de armamentos. Mas qualquer manobra de rearmamento dentro de seu território seria facilmente monitorada e frustrada pelos países que saíram vitoriosos da última guerra. Sua principal motivação era desfazer o que fora imposto por Versalhes, como mínimo restabelecer suas fronteiras às de 1914, ou pelo menos para compensar suas perdas com uma nova divisão da Polônia.

Por outro lado, havia a necessidade de reconstrução da URSS após a devastadora guerra civil. Mas, principalmente, as motivações para esta aliança surgem após a morte de Lenin em 1924, quando Stalin assume o controle do Estado e muda a política interna e da Terceira Internacional.

Já em 1925, Stalin proclamou a “construção do socialismo em um só país”, e em 1928 ele lançará o primeiro plano quinquenal. A Rússia de Stalin então precisava de capital e ajuda técnica para sua industrialização, bem como recomendações militares e profissionais para o Exército Vermelho.

Desde a declaração do socialismo em um só país, e principalmente após o V Congresso da III Internacional, os demais partidos comunistas deixaram de ser instrumento para a revolução mundial e passaram a ser agentes que se limitaram a garantir os interesses da URSS e de seus respectivos países.

A revolução alemã foi derrotada em 1918 e desde que Stalin assumiu o controle da URSS, a influência da Terceira Internacional diminuiu naquele país. Uma vez dissolvida, Stalin não viu necessidade de impulsionar uma revolução. Comunista na Alemanha, uma vez que os recursos econômicos e militares de que necessita eram igualmente obtidos da Alemanha conservadora.

Sua teoria do socialismo em um só país começa a demonstrar seu significado como derrota da classe operária mundial.

Seus interesses na Alemanha só seriam ameaçados se os setores “pró-ocidentais”, que neste caso eram os sociais democratas, voltassem a governar. E isso estava acontecendo em 1928, porque eles ganharam a maioria do parlamento e pela primeira vez em 8 anos estavam à frente do Reich.

Diante disso, os comunistas alemães receberam uma ordem direta de Moscou: o principal inimigo eram os socialdemocratas, agora descritos como “social-fascistas”. Sob esta ordem, de 1928 a 1933, o centro da política do PC alemão concentrou-se no ataque à socialdemocracia. A ascensão do nazismo de Hitler era algo secundário, ou tolerável, por causa dos possíveis acordos que Stalin buscou obter.

A verdade é que durante este período, o PC alemão organizou piquetes armados juntamente com os nazis, para atacar as manifestações dos socialdemocratas e matar os seus militantes.

Trotsky, do exterior, escreveu sobre os perigos do nazi fascismo para a classe operária alemã e que o PC tinha que convocar a socialdemocracia para juntos deter a ascensão de Hitler. Mas sua advertência, apesar de ser a política correta, não conseguiu deter a linha do stalinismo.

Foi assim que Stalin e sua política de “social fascismo” permitiram o triunfo de Hitler e do nazismo na Alemanha. Ou seja, a derrota da classe operária neste país e quase imediatamente, a perseguição e extermínio dos próprios militantes comunistas e dos socialdemocratas.

Mesmo durante o primeiro ano de governo de Hitler, quando ele exterminou todo o aparato do PC alemão, os dirigentes do Kremlin acreditavam que por razões de política externa, eles continuariam proclamando sua “boa vontade” ao governo alemão, forçando a imprensa soviética a ser extremamente moderada.

Hitler e Stalin: espaço vital no leste e socialismo em um só país

O fato de Stalin apoiar Hitler contra os socialdemocratas se explica por sua necessidade de manter relações comerciais e militares com a Alemanha, decorrentes do Tratado de Rapallo, assinado em 1922 pelos dois países. Mesmo quando o mundo sucumbiu à crise econômica de 29, o acordo entre os dois países manteve suas economias à tona e estáveis.

Mas Hitler não pretendia manter essa aliança por muito mais tempo. Desde a publicação do Mein Kampf, seu manifesto político, ele declarou suas intenções de conquistar a Rússia, de criar o “Lesberaum”, ou “espaço vital no leste”. Subjugando os povos da Rússia e obtendo seus recursos, ele poderia criar sua “Herrensasse”, ou seja, uma “raça de senhores” superior.

Hitler foi capaz de cometer as ações mais cruéis para conseguir o “Lesberaum”, Stalin, por defender seus interesses no “socialismo em um só país”.

Embora Hitler tenha sempre deixado nítido que Stalin era um obstáculo a seu plano, ele estava disposto a propor uma aliança temporária que lhe permitiria organizar melhor sua ofensiva de conquista. Stalin, por outro lado, longe de preparar uma “grande estratégia para enfrentar o nazismo” como dizem seus defensores hoje, depositou sua total confiança na “boa vontade” de Hitler e nunca se preparou para lutar contra o nazismo.

Para cumprir sua estratégia do “Lesberaum”, Hitler pensou em três fases: primeiro, “livrar-se das correntes de Versalhes”, isto é, poder armar e preparar a Alemanha para a guerra; em seguida, trazer ao “Reich”, de volta para casa, todos os alemães que estavam fora do país para expandir sua população para a guerra e, finalmente, abordar a Rússia diretamente. Significava ter uma fronteira direta para iniciar a ofensiva militar, o problema é que um cordão de países estava no meio, incluindo a Polônia.

Conquistar a Polônia foi talvez o principal problema nesse esquema, já que uma ocupação militar levaria inevitavelmente a uma declaração de guerra da França e da Inglaterra. E manter duas frentes de guerra simultaneamente (no Ocidente contra a França e Inglaterra e no Oriente contra a Rússia) não era ideal para o governo nazista. Para isso, ele faz uma oferta generosa a Stalin: uma paz de dez anos, a divisão da Polônia e uma “glacis”, uma espessa manta de proteção composta por países sob seu controle. A Alemanha de Hitler foi tão generosa, como quem sabe ai poder recuperar em breve.

Com este pacto, o grande vencedor foi Hitler, pois longe de desistir de seu objetivo de destruir a URSS, conquistar e subjugar seus povos, apenas garantia o tempo necessário para lutar na frente ocidental antes de sua ofensiva principal.

E Stalin? É inevitável pensar na cegueira política de Stalin, mas mesmo isso tem uma explicação. A burocracia stalinista que governava a URSS se guiava apenas pela busca de seus privilégios materiais, ou seja, manutenção do status quo que lhe permitiu obter esses benefícios pessoais. No verão de 1939, Stalin passou por uma situação que poderia ser considerada privilegiada: tanto Hitler como a Inglaterra lhe ofereciam uma aliança.

Uma aliança naquele ano com a França e a Inglaterra teria possivelmente derrotado Hitler, mas Stalin estava fugindo da guerra. Porque ela colocaria em risco os privilégios da burocracia da URSS. Pelo contrário, manteve abertas as conversações com os dois setores, até que decidiu colaborar com Hitler, pois não este não só oferecia dividir uma parte da Europa, mas também um acordo econômico para fornecer matéria-prima para a Alemanha, o que era um importante renda, que permitiria ao governo stalinista consolidar suas conquistas recentes nos estados mais débeis.

O caráter conciliador, derrotista e chauvinista da burocracia stalinista acabou colaborando com a expansão do nazismo e, quase, com a rendição e escravização de todos os povos da URSS.

Stalin e Ribbentrop no Kremlin, 1939

A isso devemos acrescentar que em 1939 o Exército Vermelho ainda mantinha uma força comparável à Alemanha, o que teria sido suficiente para enfrentá-lo ao lado dos outros países. Mas desde 1937 foi cada vez mais enfraquecido pela repressão sangrenta e massiva depuração que o stalinismo fez dos quadros militares. Os expurgos liquidaram 10 vice-comissários do povo para a defesa, 2 comissários do povo para a marinha, 4 comandantes da aeronáutica, 3 dos 5 marechais, 13 dos 15 generais do exército, 8 dos 9 almirantes, 50 dos 57 Comandantes do Corpo de Exército e 154 dos 186 Comandantes da Divisão.

Muitos dos perseguidos e mortos pelo stalinismo foram acusados ​​de serem trotskistas ou colaboradores do nazismo, ou os dois ao mesmo tempo. Em 1935, o Conselho Militar do Comissariado de Defesa era formado por 85 oficiais, que tinham a experiência adquirida na Primeira Guerra Mundial e na guerra civil. Desses membros, 68 foram baleados, dois cometeram suicídio, dois morreram em campos de concentração de prisioneiros e quatro receberam longas penas.

Finalmente, em apenas dois anos, 45.000 oficiais e comissários políticos militares foram presos e, destes, 15.000 foram executados.

A verdade é que graças ao Pacto Hitler-Stalin, a Alemanha nazista conseguiu aumentar sua capacidade militar enquanto a URSS se enfraquecia. Em 1941, após conquistar 10 países europeus, a Alemanha aumentou sua capacidade de produção de armamentos em 75% em relação a 1939, além de aumentar várias vezes sua capacidade de produção de minerais, petróleo e alimentos.

O “Comandante Supremo” foge frente à Barba Vermelha

Em 22 de junho de 1941, às 3 da manhã, as 153 divisões de Hitler cruzaram o rio Bug; o mesmo rio que passa por Brest-Litovsk. Era a chamada de Operação Barba Vermelha, que mobilizou 2.700 aviões, 3.000 tanques, 600.000 cavalos e 4 milhões de soldados. Na maior operação militar de todos os tempos, Hitler queria desferir um golpe rápido e preciso contra o Estado operário.

A operação não deveria surpreender Stalin, uma vez que os serviços secretos soviéticos que operavam na Alemanha e no Japão já haviam fornecido as informações com extrema precisão. Sabiam exatamente o dia e a hora do ataque, pois o serviço secreto russo na Alemanha, comandado por Leopold Trepper, tinha o taquígrafo do alto comando alemão como um de seus agentes.

Apesar dessa informação, o ataque foi uma surpresa para o Exército Vermelho. Stalin não acreditou nas informações de seus próprios agentes e confiou mais em seu “aliado”. Quando o ataque começou, o “Comandante Supremo” Stalin escondeu-se por 10 dias, em crise profunda, deixando o já decapitado Exército Vermelho sem nenhuma orientação para se defender do ataque nazista.

Apenas nas primeiras 3 semanas de combate foram destruídas 3.500 aeronaves da URSS, 6.000 tanques e 20.000 peças de artilharia. Em um mês, os alemães perderam 97.200 homens e os soviéticos 350.000; os alemães capturaram 819.000 soldados russos e apenas 5.335 soldados alemães presos na URSS.

Tropas nazistas penetram na URSS, junho de 1941

Stalin saiu do esconderijo 11 dias após o início do ataque alemão. Por meio do rádio, ele se dirigiu a toda a população:

“Todos os cidadãos soviéticos devem defender cada centímetro de seu lugar, devem lutar até a última gota de sangue, com a iniciativa e ousadia próprias de nosso povo”.

A partir daí a verdadeira resistência ao nazismo foi organizada. Não graças a Stalin, mas ao povo soviético, ao fato de que as massas lutaram heroicamente dando “até a última gota de sangue”. Apesar das traições de seu dirigente, apesar da repressão que deixou o Exército Vermelho desarmado, os povos da URSS conseguiram enfrentar o nazismo.

A última grande batalha foi em Stalingrado. Em 2 Em agosto de 1942, os alemães cercaram a cidade com cerca de 300.000 soldados. Mas um milhão de soldados russos, do povo, inexperiente, recentemente incorporados ao Exército Vermelho; rodearam os que os cercavam. A batalha durou 5 meses, até 5 de fevereiro de 1943.

Foram 26 milhões de vidas soviéticas perdidas durante esta guerra e uma terrível destruição varreu toda a URSS. A aliança militar da URSS com a Inglaterra e os Estados Unidos chegou muito tarde, mas mesmo assim não foi inteiramente o que determinou a vitória contra Hitler.

A resistência dos povos apesar e contra o stalinismo

A miopia da burocracia stalinista não permitiu prever que os povos da Europa se levantariam em enorme resistência ao nazismo. Que os soldados soviéticos, britânicos e americanos lutariam ferozmente e que os povos apoiariam essa luta. Que na URSS os povos lutariam nas linhas de frente como soldados para defender o Estado operário, que resistiriam como partisanos nas áreas ocupadas e que a resistência antinazista se organizaria em todos os países.

Assim que Hitler foi derrotado, Stalin, junto com seus novos amigos Churchill e Roosevelt, posou como o principal usurpador na luta contra o nazismo. Uma luta que foi vencida pelos povos, apesar da miopia e da traição desse organizador de derrotas.

Quando as cláusulas secretas do pacto Ribbentrop-Molotov foram expostas com a queda do Terceiro Reich, o stalinismo negou categoricamente sua veracidade. Eles repetiram por décadas que se tratava de uma invenção dos países capitalistas para “desacreditar a luta de Stalin” contra o nazismo.

Isso era ensinado nos livros de história das escolas da URSS e repetido inúmeras vezes pelos Partidos Comunistas no mundo todo até os protestos contra a burocracia soviética nos anos 80. No quinquagésimo aniversário da assinatura do acordo Ribbentrop-Molotov, a “cadeia do Báltico” foi organizada exigindo a retirada das tropas de ocupação soviéticas. Um milhão e meio de pessoas deram as mãos por mais de 600 quilômetros e conectaram as três capitais do Báltico: Tallinn, Riga e Vilnius.

A luta dos povos da Estônia, Letônia e Lituânia continuou, agora para se libertar do jugo do autoritarismo stalinista. Apesar de ser um protesto pacífico, foi reprimido pelo Estado. Mesmo assim, a luta continuou e o governo da URSS acabou reconhecendo a veracidade do pacto.

Em 1942, quando Leopold Trepper voltou a Moscou depois da guerra, se apresentou a seu supervisor para solicitar a sua próxima missão. Ele, que tinha sido o agente secreto que arriscou a vida para apontar com precisão a hora e a data do ataque à Alemanha nazista interrompeu seu supervisor para perguntar por que nada havia sido feito com suas informações para preparar as defesas soviéticas.

Sem resposta, ele foi preso e enviado para a Sibéria por dez anos. O “Comandante Supremo” Stalin não podia ser questionado, agora que estava novamente usurpando a posição que pertencia à resistência e ao heroísmo dos povos.

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