qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Putin: desmascarando os mitos


Este artigo foi escrito antes das eleições presidenciais (4 de Março), ganhas por Putin.



Após ter sido derrotado de fato nas eleições parlamentares e sofrido uma perda massiva de votos, apesar de ter jogado sujo e cometido fraude eleitoral, o regime político russo pretende enfrentar as eleições presidenciais com mais cuidado e levar Putin à vitória diretamente no primeiro turno.



Nas eleições de dezembro, o recurso administrativo e a fraude eleitoral fracassaram sem proporcionar os resultados necessários e criando entre a população muitas piadas sobre “a criatividade contábil da independente Comissão Central Eleitoral”. Por isso, agora o governo colocou em marcha uma máquina de falsificações e fraudes para que Putin seja “eleito”.



A principal linha da propaganda pré-eleitoral de Putin é de que “não há alternativa”. Para isso, o regime colocou candidatos inapresentáveis como “alternativa”, sobre os quais se pode dizer de tudo. A propaganda do Kremlin diz que “pelo menos Putin faz alguma coisa, ao contrário dos outros, que não fazem nada além de falar”. E isso é verdade. Seria possível votar em alguns partidos não contaminados, mas o palhaço Jerenovsky, Mironovye, o puxa-saco Zyuganov e também o oligarca Prohorov não despertam nenhum entusiasmo entre a maioria da população. Dizem que esses candidatos serão votados somente por quem tem certeza de que eles não vão ganhar. De fato, eles não têm outro papel nas eleições que não seja ficar à sombra de Putin, o único “personagem sério”. Além do mais, é difícil ocultar que todos esses cadáveres políticos se sentiam à vontade sob o regime de Vladimir Vladimirovich Putin ao longo de 12 anos e hoje o ajudam a dar forma à “democraticidade” das eleições.



Esta situação inevitavelmente confunde a população, que está cansada dos resultados da política de Putin, mas não vê outra alternativa. A prostração diante da máquina propagandística de Putin cria em alguns setores mitos épicos sobre as suas façanhas. Esta propaganda possui dois objetivos. Em primeiro lugar, convencer os indecisos da necessidade de votar nele apesar de tudo: votar pela “falta de alternativa”. Em segundo lugar, preparar todos, inclusive o eleitorado anti Putin, para se resignarem a aceitar a devastadora vitória, contra a qual não teria sentido protestar depois das eleições. Com isso, o regime tentará pôr panos quentes na situação aberta após as eleições parlamentares, na qual milhares de opositores a seu regime saíram às ruas para manifestar seu repúdio.



Todo este enredo político merece ser explicado. Primeiro, é necessário denunciar os mitos que atualmente aparecem mais uma vez no imaginário dos cidadãos russos. O que realmente aconteceu antes das eleições e o que Putin pretende fazer depois delas? Apresentamos a seguir os verdadeiros resultados e conclusões sobre a obra de Putin e suas verdadeiras intenções, informação que é importante conhecer e difundir.



Primeiro mito: “O estatizador”



A propaganda oficial diz que há relação entre Putin e a força do papel do Estado na economia. Entretanto, a onda de privatizações sob o seu governo conseguiu superar o desastre de Yeltsin. Durante o governo de Putin, o sistema energético do país foi privatizado e feito em pedaços. Suas partes acabaram nas mãos de proprietários estrangeiros. As ferrovias foram privatizadas e hoje estão sendo divididas em pequenas companhias. Também se iniciou o processo de privatização de Rosatom (energia nuclear), do Sberbank (maior banco estatal) e do sistema de aposentadoria.



Putin deu um salto nas privatizações da educação e do sistema de saúde, transformando escolas, universidades e hospitais em “agentes de mercado”.



Sob o seu governo, ditaram-se novas legislações sobre a água e os bosques, estabelecendo caráter de propriedade privada a bosques, lagos e rios.



A orgulhosa afirmação de que foram criadas empresas estatais durante o governo de Putin é uma mentira que oculta o fato de que as mesmas funcionam como companhias privadas e, ao mesmo tempo, são plataformas por meio das quais o dinheiro público passa às mãos particulares dos oligarcas apadrinhados pelo regime político.



Segundo mito: “O patriota”



Este é outro mito oficial adorado por todo o regime, mas muito longe da realidade. Depois de doze anos do governo de Putin, quase todos os ramos da economia acabaram sob o controle do capital estrangeiro.



Após a sua destruição, o Sistema Energético Unificado se encontra nas mãos das companhias Offshore.



Quase toda a indústria alimentícia russa pertence a companhias estrangeiras. Por exemplo, a produção de lácteos pertence à norte-americana Pepsico e à francesa Danone, que se apropriaram da companhia offshore Unimilk. A vodka Zelenaya Marka, Juravli e Parlament pertencem à polonesa CEDC. Todos os cigarros são propriedade da ianque Philip Morris International e da British American Tobacco.



Quanto à indústria automobilística, há uma quantidade abismal de filiais de concessionárias estrangeiras e a maior produtora automotriz da Rússia, Avtovaz, foi vendida à francesa Renault.



Grande parte da produção de celulose e de papel é da companhia offshore Ilim Pulp, com a metade pertencente à norte-americana Internacional Paper.



O maior e mais bem-sucedido exportador de petróleo da companhia Gunvor é o cidadão da Finlândia e amigo de Putin, Timchenko, um dos novos ricos.



As cadeias de supermercados Perekrestok, Paterson, Karusel e Kopeyka são da Holandesa X5 Retail Group N. V. E há uma rede ampla da francesa Achan.



Hoje em dia, as companhias estrangeiras têm acesso aos recursos naturais e ao transporte pelas grandes estradas e rodovias do país. A inglesa BP participa diretamente da extração do petróleo siberiano. A anglo-holandesa Shell tem uma rede de postos de gasolina nas regiões de Moscou e de São Petersburgo e é responsável pelo abastecimento de combustível a aviões do aeroporto internacional de Domodedovo, além de produzir óleo.



Estão sendo feitas negociações com a norte-americana Exxon Mobil sobre o refinamento de petróleo e gás na plataforma continental ártica. Há um ano, foram assinados mais de 200 contratos de exploração conjunta de recursos minerais da Sibéria no Extremo Oriente com companhias chinesas.



Além disso, as companhias dependem abertamente dos bancos ocidentais. Sua dívida total com esses bancos, no início de 2011, era de 540 bilhões, soma que supera as reservas do governo. Em 2009, a dívida da “estatal” Gazprom com os bancos ocidentais (em particular com o alemão Desden Bank) era de 60 bilhões de dólares, ou seja, a metade do que a companhia Gazprom valia naquele momento.



Noventa por cento das grandes holdings russas estão registradas como companhias offshore. Não seria exagero dizer que, como resultado do “trabalho” de Putin, não falta quase nada para ser feito na Rússia.



Como resultado do seu governo, a economia russa foi descaradamente entregue de bandeja ao capital estrangeiro, que encontrou aqui benéficas condições para obter abundantes lucros. No começo da crise, os investimentos estrangeiros na Rússia ocupavam o segundo lugar, ficando pouco atrás da China (um verdadeiro paraíso para as multinacionais por sua força de trabalho tão barata). Também o grosso do investimento em carteira cresceu, quer dizer, especulativamente, destinados à revenda.



Ao mesmo tempo, os lucros obtidos com os altos preços do petróleo foram investidos em títulos norte-americanos, apoiando a economia dos EUA ao invés de investir no desenvolvimento da Rússia.



Como resultado, hoje existe na Rússia um processo gigantesco de extração de recursos.



Além da profunda dependência financeira, o governo de Putin condenou a Rússia a cumprir o papel de agente produtor de matérias-primas. A Rússia exporta petróleo, gás, metais e madeira e importa equipamentos de alta tecnologia e alimentos, deixando no esquecimento o pobre desenvolvimento científico: a Rússia utiliza tecnologia ocidental produzida originalmente na Rússia. Este é o típico modelo colonial.



Contudo, o processo de entrega do país não se dá somente no plano econômico. Também começa a afetar a esfera militar. Desde que Putin iniciou o processo de inclusão das estruturas militares russas na OTAN, esta iniciou a aquisição de equipamento militar, o que significa não somente a dependência econômica e política do ocidente, mas também uma relação militar direta. Além disso, a Rússia começou a apoiar os crimes de guerra dos EUA no Afeganistão, permitindo que carregamentos da OTAN para o Afeganistão partam de seu território e que aviões da OTAN utilizem seu espaço aéreo com toda impunidade.



Mas isso não se limita à área militar. Putin se viu obrigado a desenvolver a questão da territorialidade da Rússia. A propaganda oficial nunca menciona que o “nacionalista” Putin entregou para a China os territórios das ilhas Tarabarov e a metade de Ussuri, no Extremo Oriente. E o chanceler Lavrov recentemente propôs ao Japão o uso conjunto das ilhas Kuriles, o que significa o início da entrega desses territórios em troca de “investimentos estrangeiros”.



Putin se queixa dos “laranjas” (é como o governo chama os liberais pró-americanos e, portanto, todos os que se manifestavam contra Putin desde dezembro. A expressão é uma referência à chamada “revolução laranja” na Ucrânia, que supostamente, segundo o governo russo, entregou a Ucrânia ao ocidente). Acusa-os de quererem destruir o país, intitulando-os de agentes norte-americanos. Mas nisto ele tem razão: os liberais são a principal correia de transmissão do imperialismo no país. No entanto, a verdade é que foi justamente Putin que, depois de alguns anos de governo, vendeu o país. Todo seu patriotismo se sintetiza no fato de que, à diferença dos liberais, ele vende e liquida o país não tão rápido nem tão barato como o Ocidente gostaria. As altas camadas do governo querem ser premiadas dignamente por levar a cabo a colonização do país. Todas as contradições entre Putin e o Ocidente não são mais que uma negociação sobre o preço da colonização. O “Putin nacionalista” é a maior mentira do século XXI.



Terceiro mito: “O estabilizador”



Putin salvou a economia depois da queda dos anos 90 e depois do default. Isto é verdade? Para começar, devemos destacar que coisas similares eram ditas na década de 2000. Possivelmente todos os presidentes do mundo, desde os Kirchner na Argentina, depois do default de 2001, até Lula no Brasil e Zapatero na Espanha, depois de seu antecessor Aznar ter sido derrotado, e muitos outros elogiaram Vladimir Vladimirovich Putin. Todos, obviamente, relacionam a estabilidade econômica com o talento de seu governo.

 

O crescimento econômico da Rússia não é, de forma alguma, mérito de Putin. No fim dos anos 90, a economia mundial capitalista atravessou uma crise. Por meio da Guerra do Afeganistão e do Iraque, do desenvolvimento de créditos baratos e da especulação dos governos do mundo, foi possível dar um giro na economia e estimular seu crescimento.



Houve crescimento econômico em todo o mundo e o da Rússia foi um fiel reflexo disso. As declarações de Putin de que trouxe estabilidade ao país são tão verdadeiras quanto a existência da cidade do El Dorado.



Entretanto, por trás da cortina de fumaça do crescimento, o que houve foi uma estrutural destruição da economia, que se tornou cada vez mais dependente da exportação de matérias-primas e dos investimentos estrangeiros, com a contínua degradação dos ramos progressivos da indústria. A Rússia se defrontou com a crise no papel de fornecedor de matérias-primas para os países ocidentais e dependente da importação de alimentos, máquinas, tecnologia e dos empréstimos norte-americanos e europeus, com uma indústria automotiva desmantelada e um pobre desenvolvimento científico com cérebros fugindo do país.



A queda da bolsa e da produção no início da crise foi uma das mais fortes do mundo, demonstrando claramente a fragilidade da economia e a ausência de infraestrutura para garantir a estabilidade. Atualmente, o país possui uma grande dívida externa privada. Da Rússia se exportam recursos, esboçam-se planos para futuros endividamentos e privatizações, assim como reformas antipopulares.

 

O que Putin estabilizou foi a situação política, apaziguando o movimento operário dos anos 90 e proporcionando com isso condições de segurança para a extração de lucros aos capitais estrangeiros que vieram em massa para a Rússia.



Quarto mito: “amigo dos trabalhadores”



O crescimento econômico e o aumento dos preços do petróleo se transformaram em uma festa. Os ganhos da burguesia russa aumentaram e se tornou possível lançar algumas migalhas aos trabalhadores. É justamente com essas migalhas que o regime propagandeia suas conquistas. Entretanto, a verdadeira conquista é ocupar o terceiro lugar em quantidade de milionários em nível mundial e Moscou ocupando o primeiro lugar entre as cidades milionárias do mundo.



Os mais ricos oligarcas aparecem muito bonitos na revista Forbes e ocultam seu dinheiro em companhias offshore para evitar pagar impostos. Na Rússia, há um imposto sobre os ingressos pessoais igual para todos, ou seja, todos pagam a mesma quantia e a mesma porcentagem, o que é considerado um escândalo nos países europeus e onde há um imposto progressivo.



Mas o que o povo ganhou além de migalhas? Os russos em média receberam:

– Os preços mais altos de moradia e aluguel imobiliário;

– A monetarização dos benefícios sociais, ou seja, sua abolição;

– A privatização das pensões, ou seja, a transformação dos fundos em uma fonte de ingressos para os oligarcas;

– Falsos projetos nacionais, para os quais se destinam centavos, em comparação com os ingressos dos oligarcas e o custo do aparato repressivo;

– Aumentos permanentes de preços no transporte e nos serviços públicos;

– As novas leis de educação, que convertem a educação em um negócio e que chocaram todo o país por seu caráter bárbaro;

– A fusão das instituições de educação e institutos de pesquisa, ou seja, o fechamento efetivo de uma parte;

– O orçamento que destinou mais para os pagamentos aos bancos ocidentais em 2014 que para os gastos em educação;

– O domínio dos burocratas e a corrupção;

– A instalação de um regime repressivo, a eliminação de liberdades democráticas e a supressão de qualquer tentativa de organização independente das massas e de sua atividade.



O principal resultado da corrupção governamental e da repressão do regime de Putin é a continuidade da privatização da economia, a destruição da educação, da saúde e de outros serviços sociais e o salto qualitativo na colonização do país com a formação de um evidente modelo de economia colonial, dependente do capital ocidental e do investimento, da exportação de recursos naturais e matérias-primas e da importação de equipamentos tecnológicos e insumos. Este é o único resultado objetivo.



Ordenhando a Rússia



Antes da crise, o fluxo de investimentos estrangeiros ocultava o gigantesco saque de riquezas do país levado a cabo graças aos lucros e benefícios recebidos como resultado desses investimentos. Com o início da crise, deteve-se a entrada de investimentos estrangeiros e agora o saque se torna evidente pelo refluxo de capitais.

 

Somente em 2011 foram extraídos 85 bilhões de dólares do país. Quase duas vezes mais que os gastos com educação, saúde, cultura, esporte e moradia juntos. Esta soma é quatro vezes o orçamento federal para regiões e municípios e supera em uma vez e meia os gastos militares. No total, desde 2008 saíram do país 304 bilhões de dólares. Com este dinheiro seria possível construir mais de 10 milhões de casas, o que significaria garantir moradia a 10 milhões de famílias jovens: a toda a geração com idade entre 20 e 30 anos! Do dinheiro que saiu do país em 2011, mais da metade (cerca de 50 bilhões) foi utilizada para pagar dívidas de companhias russas com bancos ocidentais.



Depois de garantir este monumental pagamento das obrigações das companhias russas, a evasão de dinheiro aumentou para 489 bilhões em 1o de janeiro de 2011 e chegou a 540 bilhões na mesma data do ano seguinte! Isso se deve ao fato de as companhias pedirem dinheiro emprestado aos mesmos bancos com quem já têm dívidas, para pagar essas dívidas.



Esta é uma clara mostra de endividamento ao estilo grego. Em 2012, sairão da Rússia 75 bilhões de dólares através do pagamento de dívidas. Além disso, este ano os pagamentos de dívidas públicas aumentarão, chegando a 13 bilhões de dólares (e 19,3 bilhões de dólares em 2014). Esta saída de riquezas é um resultado direto dos elogiados “investimentos estrangeiros” que vieram ao país justamente para que, por cada centavo investido, sejam extraídos dez.



Este é o mesmo saque imperialista de que os bolcheviques falavam. Inclusive uma parte do dinheiro pago pelas companhias é obtida dos recursos públicos que o Banco Central empresta permanentemente, com taxas simbólicas, às companhias em bancarrota para saldarem “as obrigações com os sócios internacionais”. Assim, o orçamento, ou seja, nosso dinheiro, vai embora a todo vapor. O “patriota” Putin tem o direito de receber uma medalha como grande saqueador da Rússia.



O que preocupa os funcionários norte-americanos?



A Rússia começou a comprar tecnologia militar ocidental. Apesar de os empregados das fábricas militares russas não terem trabalho, já há contratos para a compra de barcos franceses Mistral, carros blindados italianos Iveco, cuja produção também já começou na Rússia, aviões não tripulados israelenses e simuladores de voo alemães. Está sendo avaliada a compra de tanques alemães Leopard. A questão é tão sensível que, nos EUA, o senador republicano Richard Lugar expressou sua preocupação com a entrega de um grande número de armas da OTAN para a Rússia. Obviamente, o que preocupa os EUA não é sua segurança nem a da OTAN, já que são eles que produzem essas armas e que têm a tecnologia para fabricá-las. A preocupação dos republicanos é que, ao Putin abrir as portas à aquisição de armas estrangeiras, os competidores europeus chegarão primeiro a esse gigante mercado. O capital norte-americano também quer vender suas armas para a Rússia e obter lucros e possuir o domínio tecnológico sobre o exército russo.



Tradução: Samanta Wenckstern e Rodrigo Ricupero

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