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sexta-feira, março 29, 2024

Positivismo: o conservadorismo burguês

O agora ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, Milton Ribeiro, afirmou que o último teste do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teria um caráter técnico e não ideológico. Essa declaração, na verdade, permeia todo o atual governo. Bolsonaro anunciou, quando eleito, que escolheria seus ministros com base em um critério técnico e não ideológico. Em reuniões do Mercado Comum do Sul (Mercosul), disse que buscaria comércio sem viés ideológico. Os exemplos poderiam se multiplicar.

Por: Gustavo Machado

Essa separação entre o aspecto técnico e o ideológico tem uma origem precisa na história: o positivismo. Sua influência foi tão grande no Brasil que o principal lema positivista está impresso na bandeira nacional: “Ordem e progresso”. Neste artigo, veremos como o positivismo surgiu e como ele permeia, até os dias de hoje, as práticas e discursos das classes dominantes.

Do progresso liberal ao progresso positivista

Em artigos anteriores desta série, vimos como o liberalismo burguês assumiu uma posição até certo ponto revolucionária diante das classes dominantes do passado. Era preciso varrer os privilégios de sangue e casta da nobreza e do clero para fazer dominar inteiramente o mercado capitalista. No século XIX, após o capitalismo se consolidar, depois da classe trabalhadora marchar independentemente em função de seus próprios interesses, tornou-se necessário uma nova ideologia burguesa ao lado do liberalismo.

A burguesia se tornou conservadora. O liberalismo clássico não era mais suficiente, pois ao lado do mercado privado, tornava-se cada vez mais necessário um Estado cada vez mais forte para conter os antagonismos sociais e fazer valer seus interesses tanto na arena nacional como internacional. O positivismo surgiu como um conservadorismo de novo tipo: adepto do progresso e inimigo da revolução. Mas como defender o progresso da sociedade e se opor a toda transformação profunda desta mesma sociedade? Como ser, a um só tempo, progressista e contrarrevolucionário?

O positivismo

Das ciências naturais às ciências sociais

O pensador francês Auguste Comte encontrou uma engenhosa solução. Não haveria nada a se mudar na estrutura fundamental da sociedade. A humanidade havia chegado ao ponto final de seu desenvolvimento. Comte criou uma filosofia da história, dividindo a história humana em três etapas. A humanidade teria superado o estágio teológico das sociedades primitivas, baseado em ficções e mitos. Teria superado, ainda, o estágio metafísico, baseado na religião cristã e em teorias abstratas. Chegamos, finalmente, ao estágio final: científico e positivo. Agora seria possível uma ciência social, capaz de nos conduzir a um futuro de progressos sem a necessidade de qualquer revolução.

Se há necessidade de uma ciência social, significa que não seria suficiente deixar a sociedade nas mãos espontâneas do livre-mercado. Somente agora, com o desenvolvimento da grande indústria e da técnica, com o desenvolvimento das ciências naturais, a humanidade estaria preparada para o desenvolvimento último: a ciência social. A ciência social poderia conduzir a humanidade rumo ao progresso de modo gradual, planejado e não revolucionário.

A ciência social seria fundamentalmente uma ciência de Estado. O Estado estaria acima das classes sociais, sendo capaz de uni-las em torno do interesse comum do progresso. Sua autoridade advém não da democracia ou da soberania popular, mas da posse de um saber científico por parte dos indivíduos que dela participam. Indivíduos politicamente neutros que apenas aceitam a forma como a sociedade é. Basta descobrir suas leis e, a partir delas, aplicar um plano científico de governo. A tarefa da ciência social e seu executor, o Estado, seria basicamente técnica, como a astronomia, a física e a biologia.

Essa visão que cria uma suposta ciência social em analogia com as determinações naturais está na base de outros desenvolvimentos teóricos posteriores, como o darwinismo social, o fascismo e o nazismo.

O marxismo

Das ciências burguesas à ciência da revolução

Quando, portanto, os generais bolsonaristas e afins dizem querer retirar o viés ideológico do governo, querem dizer com isso unicamente que não existem transformações sociais a serem feitas. A sociedade atingiu o seu desenvolvimento final e definitivo. O capitalismo é eterno. Os interesses são comuns entre todos os indivíduos da sociedade: “Brasil acima de todos!” Basta desenvolver a técnica e a ciência tanto no âmbito natural como no âmbito do Estado.

No último artigo desta série, veremos como o marxismo se insurgiu contra todas as ciências burguesas, procurando mostrar a impossibilidade de uma gestão racional e planejada do capitalismo de modo a gerar um desenvolvimento continuado. Toda técnica está sob uma forma social específica. Nada no domínio humano é puramente natural.

O capitalismo não é passível de ser administrado cientificamente por ninguém, ainda que uns poucos se beneficiem das crises, das guerras, da exploração e das opressões que ele produz. Para o marxismo, só há uma “ciência social” possível: a ciência da revolução, a ciência da destruição do capitalismo. O resto não passa de ideologia, no sentido pejorativo da palavra.

 

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