sáb abr 20, 2024
sábado, abril 20, 2024

Peru| O que vem depois do triunfo da luta juvenil e popular

Uma massiva mobilização juvenil e popular, que agitou Lima e todo o território nacional, derrubou o governo Merino no seu quinto dia de posse, após a vacância de Vizcarra. Um governo que nasceu em meio a um repúdio generalizado que o privou de legitimidade, com o único e débil respaldo de 105 votos de um Congresso desprestigiado, tratou de manter-se exercendo uma repressão criminosa que deixou dois jovens assassinados, dezenas de feridos e outros ativistas temporariamente desaparecidos. Mas, por fim, foi derrotado.

Por: PST-Peru
A entrada do novo governo Sagasti pode encerrar este novo episódio da crise, mas não a resolve, pois surge do mesmo Congresso e, ao continuar o mesmo plano econômico a serviço do empresariado, não oferece nenhuma possibilidade de solução às demandas populares, principalmente um plano de emergência contra o coronavírus, o dramático desemprego e a corrupção. Já expressou ser contra a demanda por uma nova constituinte.  Tudo indica que a luta de fundo acabou de começar.
Os acontecimentos recentes, assim como sua perspectiva podem ser melhor avaliados no contexto em que se dão, no processo em que estão inscritos.
A explosão de um descontentamento acumulado de anos
Desde os últimos quatro anos, o sistema político peruano vem de crise em crise com quedas de governos, fechamento do Congresso e a eleição de uma substituição que não acabou com a crise. A decomposição se acelerou por novas descobertas de uma profunda corrupção que chegou a presidentes, principais bancadas do Congresso e altas autoridades do sistema judicial. Neste país todos os presidentes se encontram ou na prisão ou processados ou foragidos, e um presidente se suicidou fugindo da justiça.
Junto com isso, desde março do presente ano o Peru é um dos países mais atingidos pela pandemia e pela crise econômica.  A política de Vizcarra levou o Peru a apresentar os números mais altos de mortos por Covid-19 do mundo, e a recessão econômica mais grave do continente.  Ainda permanecem frescas na memória as impactantes imagens de hospitais em colapso e doentes suplicando para serem atendidos, longas filas de pessoas clamando por oxigênio para seus parentes que agonizam e morrem sem atendimento, cadáveres empilhados nas funerárias também colapsadas, médicos clamando por máscaras e equipamentos de proteção individual. Tudo por obra desta “democracia” corrupta que afundou o país e prejudicou os que menos têm, e um governo que fez muito pouco para reverter a situação e muito para proteger os interesses empresariais.
Por outro lado, milhões de trabalhadores perderam seus empregos pelas medidas de emergência sem receber compensações, e outros trabalhadores foram vítimas de demissões, rescisões coletivas e suspensão perfeita[1] do trabalho por parte das empresas com o aval do governo.
Vizcarra enfrentava uma crescente mobilização contra o governo antes da vacância (destituição). Entretanto, ele conservava uma significativa aprovação pelo seu enfrentamento, em 2018, ao bloco parlamentar fujiaprista (Fujimori + Aliança Popular Revolucionária Americana-APRA) que protegeu a máfia judicial dos “colarinhos brancos”, e depois por ter fechado o Congresso em 2019.
Este bloco, ou sua recriação no novo parlamento junto com as máfias da educação universitária, acabou se convertendo, aos olhos da população na principal ameaça, a ponto que as descobertas de corrupção de Vizcarra não foram suficientes para justificar sua vacância.
O que tem em comum todos os governos, além da corrupção
Há causas ainda mais profundas. Todos os governos que assumiram desde a queda da ditadura, tiveram em comum a traição do voto popular e a prioridade à grande empresa acima das necessidades nacionais e populares. Nessa linha legitimaram os ataques à classe trabalhadora e aprofundaram o desastre da saúde pública e o surgimento das máfias da educação privada.
E, ao mesmo tempo em que impunham medidas draconianas de exploração do trabalho e saque da riqueza nacional, roubaram os cofres do Estado ano após ano, tal como o fizeram, depois de Fujimori, Toledo, García, Humala, PPK e o próprio Vizcarra.
Este país teve uma bonança econômica, mas hoje tem um sistema de saúde desmantelado que condena à morte doentes curáveis.
Por tudo isso, de tempos em tempos, este país se vê sacudido por lutas contra a corrupção, contra as transnacionais da mineração e do petróleo que são impostas contra a vontade das populações vizinhas; lutas contra a privatização da saúde, da educação, da agua, e lutas da classe trabalhadora em defesa do emprego, tratando de escapar da pobreza. Desde há muito tempo neste país há um profundo descontentamento em constante ameaça de explodir.
Desta vez a explosão se deu contra a imposição de um governo ilegítimo e que, além disso, exacerbou o rechaço popular selecionando um gabinete entre o mais rançoso da reação.
Um poderoso movimento juvenil e popular lutou até derrotar o que considerou um governo usurpador.
Um governo novo sem nada de novo para oferecer
Não só foi uma derrota do governo, como uma derrota das principais forças do Congresso que impuseram esse governo, e que não tiveram mais remédio que aplainar uma saída colocando à cabeça o setor minoritário que não aprovou a vacância.
O governo de Sagasti tenta conseguir a legitimidade que seu predecessor não teve; mostrou gestos conciliadores; no entanto, ao ter traçado sua política de continuidade do mesmo plano que os governos anteriores aplicaram, não teve nada para oferecer, com o adicional de que agora tem à frente um povo que comprovou a força de sua mobilização unificada.
A luta continua por uma saída dos trabalhadores e do povo
O grande triunfo da luta juvenil e popular marca o início de uma nova situação, com um movimento fortalecido e com maior disposição de exigir soluções às suas demandas e uma verdadeira mudança do atual estado de coisas.
No entanto, as exigências mais imediatas não estão encontrando as respostas que o povo espera em questões como a sanção dos responsáveis pela repressão e uma crescente exigência de uma nova Constituinte. O governo deixou nítida sua negativa em promover uma mudança constitucional durante seu mandato.
O que o governo espera é que o processo esfrie no curso da corrida eleitoral de 2021. Para isso conta, pelo menos por agora, com o respaldo das principais forças políticas do Congresso que serão também adversárias nas eleições.
Nesse sentido, a política das organizações de esquerda concentrada em seus planos eleitorais tem sido muito lamentável. Frente à crise da vacância não alentaram uma saída independente que apele à mobilização operária e popular, e devido à sua política, este movimento não participou de forma orgânica na luta contra Merino com bandeiras próprias. E com relação à nova crise que levou Sagasti ao governo novamente, se apresentaram a salvar um regime político em decomposição incapaz de proporcionar uma saída real às urgentes demandas populares.
Para alcançar essas demandas, é urgente desenvolver a organização e luta dos trabalhadores e do movimento popular por uma verdadeira mudança, por um governo dos trabalhadores e do povo e uma nova ordem constitucional.
[1] A suspensão perfeita do trabalho implica a cessação temporária da obrigação do trabalhador de prestar o serviço e do empregador de pagar a respectiva remuneração (ndt.)
Tradução: Lilian Enck

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares