sex abr 12, 2024
sexta-feira, abril 12, 2024

Os marxistas e a revolução libanesa

A Revolução de Outubro trouxe o pensamento marxista árabe de volta ao cenário político.

Por: Hassan al-Barazili

É claro que não é o caso do Partido Comunista e de outras organizações de “esquerda” que abandonaram qualquer perspectiva de luta de classes e, após a guerra civil, mantiveram uma aliança permanente com o Hezbollah sob a alegação de combater o sionismo, esse mesmo Hezbollah que foi um dos principais apoiadores da permanência das forças sírias no Líbano, uma grande força militar contra a revolução síria, e hoje é um inimigo da atual revolução no Líbano.

É o caso dos intelectuais marxistas árabes que não se aliaram a nenhuma força burguesa e se solidarizaram com as revoluções árabes e com a resistência palestina ao longo de suas vidas políticas.

Em entrevistas e artigos recentes Ziad Majed[1], Gilbert Achcar[2] e Joseph Daher[3] abordam as perspectivas da Revolução Libanesa.

Coerentes com suas trajetórias, todos eles apoiam a Revolução.

No entanto, duas questões críticas não foram abordadas em sua plenitude em seus artigos.

É uma revolução?

Nenhum deles chama a revolução atual de revolução! Dependendo do motivo, isso pode não ser um detalhe menor.

A Revolução de Outubro de 2019 no Líbano não é a mesma que a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia. Em 1917, na Rússia, a classe operária industrial foi a principal classe social; formaram-se conselhos de trabalhadores, camponeses e soldados; um partido revolucionário – os bolcheviques – teve um papel fundamental.

No Líbano, temos uma espécie de revolução “sem líderes”, pois não há uma organização nacional que tenha assumido a direção. Nesse sentido, é um pouco semelhante à Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia, quando não havia conselhos operários nem um partido revolucionário à frente da revolução.

O revolucionário russo Leon Trotsky, em seu prefácio de “A História da Revolução Russa”, escreveu sua visão sobre uma revolução:

O traço mais incontestável da Revolução é a intervenção direta das massas nos acontecimentos históricos. Habitualmente, o Estado, monárquico ou democrático, domina a nação; a história é feita pelos especialistas do ofício: monarcas, ministros, burocratas, deputados, jornalistas. Mas, nos momentos decisivos, quando um velho regime se torna intolerável para as massas, estas quebram as muralhas que os separam da arena política, derrubam os seus representantes tradicionais, e, intervindo assim, criam o ponto de partida para um novo regime. Que seja bem ou mal, os moralistas que julguem. Quanto a nós, tomamos os fatos tal como eles se apresentam, no seu desenvolvimento objetivo. A história da revolução é para nós, antes de mais, a narração de uma irrupção violenta das massas no domínio onde se regulam os seus próprios destinos.”[4]

Desde 17 de outubro, as massas libanesas efetivamente realizaram “uma irrupção violenta das massas no domínio onde se regulam os seus próprios destinos”, como define Leon Trotsky.

Essa definição é fundamental para ter uma avaliação adequada da dinâmica de classe à nossa frente. Mas isso não significa que Leon Trotsky subestime a necessidade de um partido revolucionário.

Em sua “Teoria da Revolução Permanente“, ele escreveu:

4. Quaisquer que sejam as primeiras etapas episódicas da revolução nos diferentes países, a aliança revolucionária do proletariado com os camponeses só é concebível sob a direção política da vanguarda proletária organizada como partido comunista. Isto significa, por outro lado, que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado apoiada em sua aliança com os camponeses e destinada, em primeiro lugar, a resolver as tarefas da revolução democrática.”[5]

Pelo contrário, Leon Trotsky acreditava que a existência de um partido revolucionário é uma pré-condição para a vitória da revolução.

Assim chegamos à segunda questão: o partido revolucionário.

A questão do partido revolucionário

Nem Ziad Maged nem Joseph Daher mencionam o partido. Gilbert Achcar o menciona, mas não o considera necessário no momento:

Movimentos “sem líderes” são bons na fase inicial de um levante, mas para avançar, o movimento deve se organizar de alguma forma. Direção é necessária – não no sentido de algum líder carismático ou de um “partido de vanguarda”, mas no sentido de uma rede de organizações de base que possam coordenar e orientar o movimento no sentido de cumprir suas aspirações. Deste ângulo, não espero que alguma mudança radical ocorra no Líbano em breve. O melhor que espero, nesta fase ainda inicial, é que esse primeiro levante de massas em todo o país resulte na construção de estruturas organizacionais capazes de desempenhar um papel de direção em uma futura onda de luta popular com objetivos claros e radicais.”[6]

Em outra parte de sua entrevista, Gilbert Achcar menciona que tipo de organização nacional ele tem em mente:

No Sudão, por outro lado, a força motriz do movimento é a Associação Sudanesa de Profissionais (SPA), formada em 2016 como uma rede subterrânea de associações de professores, jornalistas, médicos, advogados e outras profissões. O SPA foi decisivo para preparar o terreno para o levante popular. Eles então reuniram uma coalizão de forças que incluía, além da associação, grupos feministas, alguns partidos políticos e alguns dos grupos armados que travam lutas étnicas contra o regime. Essa coalizão se tornou a direção reconhecida do levante e os militares não tiveram escolha a não ser negociar com eles.”[7]

Obviamente, uma organização nacional sempre desempenha um papel importante. Qualquer verdadeiro revolucionário deve defender sua formação. Mas, e o “partido de vanguarda” revolucionário?

No caso do Sudão, existe um partido comunista que é uma força dirigente dentro da SPA (Associação dos Profissionais do Sudão). Não é o caso de discutir aqui se ele é um partido revolucionário ou reformista. A questão é, no entanto, se um “partido de vanguarda” é necessário ou não.

Além da opinião de Leon Trotsky sobre a necessidade de um partido revolucionário, vejamos outras duas.

Em seu artigo “Questões de Organização”, o revolucionário marxista argentino Nahuel Moreno escreve sobre a necessidade crucial de um partido revolucionário e de uma vanguarda revolucionária para formá-lo pois esse partido não é gerado espontaneamente:

O problema da organização do partido, ao contrário, está em nossas mãos. As massas podem fazer prodígios de heroísmo e forjar magníficas organizações revolucionárias para tomar o poder. Porém, se nós não acertarmos com a nossa própria forma organizativa que nos permita construir o estado maior dessas lutas e organizações, se não conseguirmos organizar firmemente, estruturar com laços de ferro nossa influência e a simpatia para com a nossa política e programa nas massas, nós e a revolução estaremos perdidos“.[8]

Mona Khneisser também contribui para o debate sobre as perspectivas da revolução. Em seu artigo “O movimento de protestos no Líbano está apenas começando[9], ela desenvolve uma crítica profunda sobre os limites dos movimentos “horizontais” e “sem líderes”, e defende uma “organização duradoura” e uma “agenda política coerente e abrangente que possa mudar radicalmente o atual estado de coisas“. Mas seria possível alcançar estes objetivos sem um “partido de vanguarda“? Ela escreve:

O movimento no Líbano, como em outros lugares, terá que construir organizações duradouras e formular estratégias comuns que possam aproveitar o poder extraordinário das ruas para realizar reformas radicais e concretas“.[10]

O que é necessário não é “conhecimento técnico” (de fato, especialistas tecnocráticos estiveram presentes em governos anteriores), mas uma agenda política coerente e abrangente que possa mudar radicalmente o atual estado de coisas – uma agenda política e econômica substantiva que vá além das discussões sobre corrupção como práticas individuais e ataque as profundas desigualdades estruturais incorporadas no modelo econômico neoliberal e no regime político sectário de compartilhamento de poder”.[11]

Um verdadeiro “partido de vanguarda” revolucionário é fundamental para tempos de paz. Em tempos de revolução, torna-se crucial para lutar pelo poder operário com base em conselhos democráticos.

Vladimir Lênin, líder de outra revolução de outubro, a russa de 1917, escreveu que fora do poder tudo é ilusão. Ele quis dizer que qualquer conquista arrancada da burguesia está em risco enquanto a burguesia estiver no poder. É necessário tirar a burguesia. É necessário colocar os trabalhadores e o povo pobre no poder. Isso é uma revolução socialista”.[12]

Existem revoluções em andamento em muitos países: Líbano, Iraque, Argélia, Sudão, Hong Kong, Chile, Colômbia, Catalunha e provavelmente outras se seguirão. O desafio colocado aos marxistas é construir partidos revolucionários de vanguarda e todos os esforços nessa direção devem ser plenamente apoiados.

[1] https://www.alquds.co.uk/%d8%b9%d9%86-%d8%a8%d8%b9%d8%b6-%d9%85%d8%a7-%d9%8a%d9%88%d8%a7%d8%ac%d9%87-%d8%a7%d9%84%d8%a7%d9%86%d8%aa%d9%81%d8%a7%d8%b6%d8%a9-%d8%a7%d9%84%d8%b4%d8%b9%d8%a8%d9%8a%d8%a9-%d8%a7%d9%84%d9%84%d8%a8/

[2] https://roarmag.org/essays/arab-spring-achcar-interview/

[3] https://jacobinmag.com/2019/10/lebanon-protest-movement-inequality-austerity

[4] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/prefacio.htm

[5] https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1929/11/rev-perman.htm

[6] https://roarmag.org/essays/arab-spring-achcar-interview/

[7] idem

[8] https://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/07/16.htm

[9] https://www.jacobinmag.com/2019/11/lebanon-protest-movement-saad-hariri-arab-spring

[10] Idem

[11] Idem

[12] https://litci.org/pt/mundo/oriente-medio-mundo/libano/os-desafios-da-revolucao-de-outubro-no-libano/

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