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sexta-feira, março 29, 2024

O negócio sujo do transporte

Por que a gangue organizada por Pedraza, com a cumplicidade da polícia, perseguiu aqueles que exigiam a efetivação dos contratados ferroviários no ex Roca, chegando ao ponto de um ataque armado que terminou com o assassinato de Mariano Ferreyra?Por que DOTA, a empresa dona de Monsa – Linha 60, responde as reivindicações salariais dos trabalhadores e a eleição de delegados honestos com ataques de uma gangue armada, incluindo a invasão à casa de um dos companheiros e a tortura de sua neta de 15 anos? Por que a resposta promovida por Aníbal Fernández e Cristina é a prisão e perseguição judicial à luta encabeçada pelo “Pollo” Sobrero e seus companheiros, que denunciam as negociatas de Cirigliano, dono de TBA, com o governo?

Todas estas interrogações têm a mesma resposta. Desde muitas décadas atrás, mas principalmente a partir das privatizações de Menem, hoje seguidas pelos governos kirchneristas, o jogo do transporte se transformou num dos maiores e mais sujos negócios dos patrões argentinos e multinacionais. Com a participação de Hugo Moyano e a própria burocracia ferroviária encabeçada por José Pedraza como sócios, em vários casos não menos importantes, e tudo com a benção do governo através do Ministério de Planejamento de De Vido e da Secretaria de Transportes.

A cumplicidade do governo, dos patrões e da burocracia sindical

Assim temos que falar da liquidação da rede ferroviária que ligava todo o país com seus 50.000 kilômetros de vias até os anos 80, para favorecer as companhias de carga e de transporte de passageiros por rodovias. Entre as que têm um destacado lugar, DOTA e Plaza (também de Cirigliano). Sem esquecer do suculento negócio da coleta do lixo, em vários casos nas mãos de empresas da família Moyano.

Temos que nos referir à redução da rede ferroviária a 7.000 kilômetros de vias, controlados por consórcios mafiosos como o da TBA nos ex Sarmiento e Mitre ou Ugofe no ex Roca dirigido por Pedraza, ou o Belgrano Norte nas mãos de Pedraza e Moyano, que tiram proveito da terceirização do trabalho enquanto o material fixo e rotativo vai se desmoronando. E as obras decisivas, como a passagens subterrâneas do Sarmiento, ficam sempre para depois, com as conseqüências que vimos no terrível acidente da barreira de Artigas.

No metrô, Macri, com sua cara de pau sem limites e em cumplicidade com o governo federal e o concessionário Roggio, inaugura a conta gotas obras – túneis e estações iniciadas há décadas e completamente financiadas pelo estado, para serem entregues em seguida à administração de Roggio. Da entrega da nossa grande companhia aérea nacional, Aerolíneas Argentinas, à Iberia e depois à Marsans, para terminar com a estatização quando os patrões espanhóis já tinham esvaziado-a, deixando praticamente sem pistas e aviões próprios.

Precisamos também nos referir às frotas marítimas e fluviais, todas nacionais e na maioria dos casos de origem estatal – ELMA, a frota de petróleo da YPF, etc. – e agora completamente entregues às multinacionais, que ficam anualmente com 3.5 bilhões de dólares por transportarem o que o nosso país produz.

E tudo isso regado com muitos subsídios do Estado, que este ano já superam os 13 bilhões de pesos (moeda argentina). Com a justificativa mentirosa de que dessa forma o preço da passagem se mantém baixo. Na verdade o que se sustenta assim são os enormes lucros das concessionárias que sequer se responsabilizam pelos custos de manutenção dos serviços. Sem esquecer da mordida de De Vido e “encarregados de cobranças” da Secretaria de Transportes, antes Ricardo Jaime e agora Juan Pablo Schiavi.

Para defender este grande e sujo negócio do transporte de dezenas de bilhões de pesos anuais, é que o governo tenta impedir a punição a qualquer crime cometido pelas gangues com a cumplicidade da polícia, organizado pelas direções sindicais burocráticas e os patrões, ou apoiar qualquer “cama de gato” armada por juízes e fiscais contra lutadores operários e populares. Pedraza e os integrantes da gangue que assassinou Mariano Ferreyra são deixados de lado pelo kirchnerismo e os juízes acabam sendo obrigados a prendê-los devido à força da mobilização.

Uma saída operária e socialista

A luta do “Pollo” Sobrero, de Mariano Ferreyra, dos companheiros da Linha 60, nos mostra o caminho para terminar com este negócio sujo e conseguir uma solução operária e socialista para o problema do transporte. E transformá-lo no recurso estratégico que o país, os trabalhadores e o povo necessitam. É necessário expropriar sem indenização e estatizar sob controle dos trabalhadores, todo o sistema de transporte de cargas e de passageiros. E desenvolver um planejamento unificado nacional.

Dessa forma será possível reconstruir a rede ferroviária para que volte a ligar todo o país, recuperando esta como o meio de transporte mais eficiente e mais barato. Combinando isso com o desenvolvimento de metrôs nas principais cidades e uma frota de ônibus de curta, média e longa distância que chegue a todos os povoados e cidades intermediárias. Considerando principalmente, não os lucros dos empresários, mas as necessidades da população. Desse jeito, mesmo que toda a população use o transporte gratuitamente, seria gasto menos do que se gasta com a atual montanha de subsídios que ficam com os capitalistas, com os dirigentes sindicais-empresários e os funcionários corruptos. Isto poderia recuperar a grande companhia aérea internacional e de cabotagem. Dessa maneira, poderia se reconstruir a frota marítima e a fluvial, para garantir que o negócio do transporte internacional de passageiros e de carga não seja um fator de perdas infinitas e, muito pelo contrário, sirva para o desenvolvimento do país.

Por que viajamos pior do que gado?

Diante de cada desastre que acontece no sistema ferroviário ou a cada acidente com um ônibus, o governo e as empresas sempre reagem da mesma maneira: os trabalhadores são acusados de provocá-los. Com isto, abrem um processo contra o “Pollo” Sobrero por incendiar os vagões do ex Sarmiento e culpam o motorista da linha 92 pelo acidente na barreira de Artigas, onde morreram 12 passageiros e houve mais de cem feridos.

O incêndio do Sarmiento começou com um descarrilamento que foi provocado pelo desgaste das vias. E o acidente na barreira foi causado pela pressão insuportável dos patrões sobre os motoristas para que cumpram os tempos das viagens, mesmo que para isso tenham que atravessar uma barreira que – quando funciona – está muito mais tempo abaixada do que levantada.

A verdade é que estes acontecimentos e o fato de viajarmos pior do que gado em ônibus, metrôs e trens, têm a mesma causa: a falta de investimento em manutenção, em novas obras – como o soterramento do ex Sarmiento –, vias e material circulante, o descumprimento dos planos de extensão do metrô e a recusa de contratar pessoal suficiente para cobrir os serviços. Sem esquecer os conflitos provocados pelos patrões com seus ataques contínuos às conquistas dos operários, como vemos hoje na Linha 60. Por isso, da próxima vez que tiver que viajar como gado, ou ficar de pé no metrô, ou não funcionar os trens, ou um ônibus cheio não parar, antes de se irritar com os trabalhadores, lembre-se sempre dos verdadeiros culpados.

Uma catástrofe chamada privatização

As privatizações dos trens, da Aerolíneas Argentina, das frotas marítimas e fluviais foram verdadeiras catástrofes para os trabalhadores e para o país. Este processo de desnacionalização começou com o golpe militar de 1955 e continuou nas décadas seguintes, principalmente com as ditaduras de Onganía e de Videla, e o governo de Alfonsín. Porém o grande retrocesso aconteceu com o governo Carlos Menem, cujas privatizações tiveram o apoio incondicional dos Kirchner com o governo de Santa Cruz e com Cristina no senado.

Pelo ar

Um dos piores desastres foi vivenciado com a privatização da Aerolíneas Argentinas em 1991 e sua transferência à Iberia: contando com 18 milhões de dólares de lucro e 650 milhões de ativos, a empresa passou a ter 300 milhões de perdas e uma dívida de 1 bilhão de dólares em três anos. Em 1994 Aerolíneas Argentinas foi arrastada pela falência da Iberia. Porém o pior de tudo foi a situação com a transferência para a empresa Marsans de 2001 até 2008. Uma nota publicada no Wikipedia com o título de Aerolíneas Argentinas desde sua privatização até hoje (15/1/2010) diz:

Em 2001, depois que a Aerolíneas foi adquirida pelo grupo espanhol, foram transferidos temporariamente aviões de propriedade da Aerolíneas para a empresa espanhola que logo depois foram devolvidos totalmente destruídos e impossíveis de serem recuperados, e além disso, descobriu-se que a Air Comet (outra empresa de Marsans) carregava combustível e depois e era faturado pela Aerolíneas Argentinas. Alguns anos mais tarde aconteceu a mesma coisa quando o Grupo Marsans fundou a Aerolíneas del Sur (Air Comet Chile). Atualmente Air Comet fechou suas operações no ano de 2009 e Air Comet Chile também encerrou sua atividades em outubro de 2008, tudo depois que o grupo espanhol foi obrigado a se retirar da Aerolíneas. Literalmente é dito que o dinheiro de Buenos Aires foi cortado, referindo-se ao pagamento de contas que a companhia aérea estatal fazia para manter o funcionamento de todas as empresas aéreas do Grupo Marsans.

Pela terra

No trabalho Privatização do sistema ferroviário: o antes, o durante e o depois, o autor Huber Ezequiel Baca diz:

Atualmente o sistema ferroviário argentino está passando pelo seu pior momento. Possuía mais de 200 mil trabalhadores na década de 50, e hoje em dia tem 12 mil. Houve uma redução de 80% no sistema ferroviário. No final do ano de 1989 registrava-se um total de 34.000 Km. de vias, das quais, no ano de 2009, 25.000 Km. ficaram deterioradas. Um total de 800 estações de trens foram fechadas, o que permitiu que vários povoados ficassem incomunicáveis e fossem considerados ‘cidades fantasmas’. Todo o material ferroviário que caiu em desuso foi vendido a “preço de banana”. Argentina tinha um caudal em matéria ferroviária que superava os 35 bilhões de dólares porém, durante o governo Fernando de La Rúa,o então Ministro da Economia José Luis Machinea, decidiu vender este patrimônio por apenas 300 milhões de dólares. Junto com isto, o governo Néstor Kirchner decidiu vender os prédios ferroviários ao invés de reconstruí-los, deixando totalmente abandonadas as redes de passageiros de longa distância.”

De quase 50 mil Km. de vias em 1950, hoje passamos a ter 7 mil Km. em serviços ferroviários de passageiros. A todo momento a Secretaria Federal de Transportes, que foi liderada por Ricardo Jaime, agiu como cúmplice das empresas que privatizaram o serviço;e as promessas de reativar o sistema de ferroviário caíram no vazio. Mais de 60 mil propriedades, de 3 mil locomotivas, 1.600 estações e 40 oficinas com milhares de máquinas e peças, foram as perdas do nosso patrimônio ferroviário.”

Mas esta situação acontece por falta de dinheiro? “De 2006 a 2011 o dinheiro que se destina à política ferroviária aumentou em 495% já que passou de (…) 590 milhões de pesos aos atuais 3,511 bilhões que, segundo estimativas orçamentárias e outras realizadas por agentes do setor, chegarão neste ano para lubrificar o transporte doente. No entanto, a desilusão é enorme quando se abrem estes números. Deste montante, 74% vai para subsidiar operativos, isto é, para pagar salários e manter a operação como ela é. Quanto é o investimento em obras de infra-estrutura? Escassos 10 por cento”. (Trinta anos e nenhum vagão: o sistema ferroviário, nem sombra do que foi, Diego Cabot, La Nación, 9/10/11). 

Pelo mar

Outro exemplo da catástrofe provocada pelas privatizações é o que aconteceu com as frotas marítimas e fluviais. Em A frota perdida e a marinha mercante, o autor Rogelio Asteggiano Scotto escreveu:

Lembremos que a Argentina é um país com milhares de kilômetros de costa oceânica e longas distâncias para percorrer no território. (…) Em um país que, como aponta o documento base da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, ‘transportava 81,9% de seu comércio exterior em 2000 por via marítima, todos os lucros do comércio exterior por via marítimo-fluvial passaram para mãos estrangeiras, paralelamente à desregulamentação completa do setor e à passagem de quase todas as empresas argentinas a bandeiras de conveniência’.”

“O estrago causado por políticas estatais movidas por interesses particulares, impulsionadas pelo Consenso de Washington, ou outras sociedades financeiras (provocando o desaparecimento total de ELMA e da Frota Fluvial do Estado), e a desarticulação do sistema portuário nacional.”

O resultado estatístico do cálculo de ELMA e seu impacto sobre as indústrias e atividades subsidiárias são dramáticos. Em 1990, cerca de 40% do comércio exterior (mais de 80% efetuado por via marítima, gerando receita de 3,5 bilhões de dólares) estava controlado pela estatal ELMA, com uma frota nacional de mais de 1.000.000 de toneladas e sob a vigência da Lei de Reserva de Cargas. Um conjunto de estaleiros estatais e privados produzia para o mercado nacional e internacional. A atividade marítima, fluvial, portuária e da indústria naval empregava uns 30.000 trabalhadores. Apenas 12 anos depois, em 2002, 97% do comércio exterior (82% efetuado por via marítima e fluvial) estava controlado pelos armadores transnacionais e as enormes receitas por fretes girados na íntegra ao exterior; ELMA e a Frota Fluvial do Estado totalmente fechadas. Apenas 7.000 trabalhadores argentinos conseguiram manter seu emprego regular. Durante a década de 90 foram transferidos ao exterior mais de 50 bilhões de dólares sob forma de frete e serviços sem nenhuma compensação para o país.
Fonte: Avanzada Socialista nº 13, 12 de outubro de 2011.

Tradução: Mariana Caetano.

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