sex abr 19, 2024
sexta-feira, abril 19, 2024

Rebelde contra a tortura é morto por Israel

Lafi Awad ainda não tinha 10 anos quando começou a fazer parte dos protestos. Os protestos começaram em 2004, quando se tornou claro que o muro que Israel estava construindo na Cisjordânia dividiria sua aldeia natal de Budrus. Sua família estava entre os palestinos cujas oliveiras foram destinadas à destruição, pois Israel confiscou grande parte das terras da aldeia.

Por: Budour Youssef Hassan*

Lafi pertencia a uma geração que foi politizada pela construção do muro por Israel. Ele sentiu uma necessidade urgente de tomar medidas contra a desapropriação que estava causando.

Ele resistiu à ocupação israelense atirando pedras. Sua determinação de continuar resistindo custou-lhe a vida.

“Quando ele pediu para se juntar a nós nos confrontos com os soldados israelenses, nós não o levamos a sério”, disse Awad Ahmad, o melhor amigo de Lafi, três anos mais velho. “Eu disse a ele que ele era muito jovem e pequeno para protestar. Mas ele insistiu e fomos todos surpreendidos com a sua coragem. Ele era destemido para sua idade”.

Os confrontos com as forças israelenses em Budrus muitas vezes eram ferozes. Soldados israelenses pesadamente armados costumavam disparar diretamente nos jovens moradores. Em 2013, Samir Awad, outro bom amigo de Lafi, foi morto durante um dos confrontos.

Novos confrontos eram esperados para sexta-feira, 13 de novembro, mas ninguém previu que algo excepcional ocorreria. Como haveria um casamento programado na aldeia, os moradores tinham tacitamente concordado em manter as coisas calmas.

Ahmad pediu para Lafi não se envolver em confrontos naquele dia.

“Mas ele me disse: ‘Eu estou indo pela última vez'”, disse Ahmad. “De fato, ele provou ser sua última vez.”

Arrastado pelo chão

Depois de ir para a parte de Budrus cercada pelo muro de Israel, Lafi e alguns outros jovens começaram a atirar pedras nos soldados israelenses. Ele logo foi baleado na perna por uma bala de borracha. Lafi tentou fugir, mas foi agarrado pelos soldados, que o arrastaram pelo chão.

Como ele tentou resistir à prisão, os soldados dispararam mais dois tiros à queima-roupa, de acordo com seu primo Samar Awad. Ele morreu antes de sua família chegar ao local. Ele tinha 20 anos.

“Ele sempre disse a seus amigos que ele não queria ser preso outra vez”, disse Samar.

“Ele estava preparado para sacrificar sua vida se fosse pego, porque ele passou um tempo muito difícil na prisão”, acrescentou.

Em 2013, Lafi foi preso por sua participação na explosão de câmeras de vigilância instaladas no muro de Israel.

Junto com seu amigo Ahmad e dois outros jovens, ele tinha planejado destruir o equipamento com um cilindro de gás. Colocar o plano em prática provou ser um desafio; um cilindro de gás custa cerca de 200 shekels (US$ 50).

“Todos nós trabalhamos em empregos de baixa remuneração, de modo que era uma fortuna”, disse Ahmad.

Para obter o dinheiro juntos, os quatro levaram uma existência frugal, sem cigarros. Finalmente, cada um conseguiu contribuir com 50 Shekels.

“Mesmo que nós quatro sejamos afiliados ao Fatah, nós não agimos em nome de qualquer partido ou facção na aldeia”, disse Ahmad. “Nós não esperamos por ordens nem recebemos dinheiro de ninguém.”

A operação teve êxito. Mas todos os quatro foram presos pelas forças israelenses dois meses depois.

Lafi foi condenado a 16 meses de prisão. No entanto, ele ficou detido por 17 meses, o que o impediu de assistir ao casamento de seu irmão.

No início, ele foi mantido no Complexo Russo, um conhecido centro de detenção em Jerusalém. Devido às restrições israelenses ao movimento de palestinos, ele nunca tinha visitado Jerusalém antes.

Ele foi torturado física e mentalmente. Durante o interrogatório, os guardas impediram-no de dormir. Em uma ocasião, ele protestou contra sua tortura quebrando um prato de comida trazido a ele por um guarda da prisão.

Bolha de energia

“Em sua cela na prisão, Lafi permaneceu um rebelde e ainda tentou quebrar uma câmera de vigilância”, disse Iyad Awad, primo de Lafi, ao The Electronic Intifada. “Lafi odiava a sensação de estar sob vigilância e controle. Ele era uma bolha de energia que dificilmente ficava parado.”

O amigo de Lafi, Ahmad, disse: “A pior coisa de ser preso é continuar pensando sobre a sua família e todos os que estão fora. Se você aguentar isso, você não gostaria de repeti-la. É por isso que Lafi foi tão inflexível para não ser preso novamente, mesmo que o preço a pagar fosse sua vida.”

Lafi era o quarto de oito filhos. Entre seus seis irmãos e uma irmã, ele foi o mais dedicado na resistência à ocupação israelense.

“Eu costumava implorar-lhe para não ir a protestos porque temia por ele”, disse a mãe de Lafi, Randa. “Ele costumava dizer-me que estava indo trabalhar, apenas para eu descobrir mais tarde que ele estava em uma marcha ou um protesto.”

No entanto, ele também foi dedicado à sua família.

“Quando era criança, ele sempre me ajudou a limpar a casa e lavar os pratos”, disse Randa. “Ele fez coisas que a maioria dos meninos em nossa aldeia nunca faria. Quando cheguei em casa depois de uma visita à Jordânia há alguns meses, eu encontrei a casa perfeitamente limpa e arrumada. Descobri que Lafi tinha feito tudo.”

Lafi teve um comportamento semelhante em relação à sua aldeia. Ele frequentemente organizava a limpeza de Budrus, o que lhe valeu uma grande admiração dos vizinhos. Ele passou por uma série de empregos, incluindo períodos de trabalho na construção civil e em um posto de gasolina.

“Lafi não está morto”, disse seu amigo Ahmad. “Ele permanece vivo dentro de todos nós. Posso vê-lo correr por aí. Eu posso ouvir sua voz me chamando.”

Apesar de sua determinação para evitar ser preso novamente, Lafi decidiu continuar a resistência à ocupação. Como muitos outros palestinos, ele ficou especialmente indignado com o assassinato de Hadil Hashlamoun em setembro. A jovem de 18 anos de idade foi deixada sangrando em uma calçada após ser baleada por soldados israelenses em Hebron.

Lafi ficou furioso, também, pela forma como Israel tratava um tio seu, que tinha sido diagnosticado com câncer de pulmão. Israel inicialmente impediu seu tio de viajar a Jerusalém para a quimioterapia.

“A resistência é a coisa mais racional a fazer sob a ocupação”, disse Mustafa Awad, outro primo de Lafi. “Como você pode não resistir quando você vê seu tio ser impedido de fazer tratamento para seu câncer de pulmão em Jerusalém? Como você pode não resistir quando você vê seus amigos sendo mortos na frente de seus olhos e quando seus melhores amigos são presos um após o outro? ”

*Budour Youssef Hassan é um escritor e advogado palestino na Jerusalém ocupada.

Blog: budourhassan.wordpress.com Twitter: @Budour48

Fonte: The Electronic Intifada

Tradução: Marcos Margarido

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares