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sexta-feira, abril 19, 2024

Mobilizações operárias e passos rumo a um “Terceiro Campo”


No início de outubro, o governo egípcio, fantoche do regime militar, aprovou o “Projeto de Lei de regulação de protestos”. Com ele, usando a desculpa das manifestação pró-Morsi, os militares tentam silenciar o crescente mal-estar social e criar condições para impor, em Dezembro, um projeto de Constituição que atenda aos seus interesses.



O manifesto da Plataforma de Organizações, criada para lutar pela imediata revogação do decreto afirma: “O novo projeto não só impõe restrições opressivas sobre o direito de protestar, como também, impõe outras restrições ao direito de reunião, greve e manifestação. Ao fazê-lo, impõe de forma absoluta e sufocante, obstáculos de todo tipo para reuniões pacíficas, que é um dos direitos mais importantes que milhares de vítimas conquistaram com seu sangue sob Mubarak, sob o Conselho Supremo das Forças Armadas e também, sob a Irmandade” (madamasr.com). O projeto, afirma o Manifesto é “uma encarnação ainda mais opressiva do que a que a Irmandade Muçulmana tentou e não conseguiu aprovar em Abril de 2013”, quando começava o descontentamento popular contra seu governo.



A tentativa do regime de conquistar o que Morsi não conseguiu, está abrindo rachaduras no governo e entre os setores políticos que o apoiam. Assim, o porta-voz do movimento Tamarrod, que impulsionou as mobilizações que resultaram na queda de Morsi e logo deu apoio ao governo de Mansour, afirma que “se trata de um golpe de Estado contra as revoluções de 25 de janeiro e 30 de junho”.



Os trabalhadores egípcios se mobilizam

 

A situação dos trabalhadores vem piorando brutalmente nos últimos meses. Em um país de 80 milhões de habitantes, 77 milhões vivem com menos de 1 dólar por dia, A inflação duplicou em 8 meses, o que é um brutal confisco de salários já muito rebaixados. Com um desemprego de 30% e enquanto fecham várias empresas, o regime militar e seu governo tentam cortar as liberdades arrancadas com queda de Mubarak e Morsi, para impor mais sacrifícios à classe trabalhadora e “reativar” a economia.



Mas algo parece mover-se além da tentativa da Irmandade de reconquistar o governo. No mesmo dia em que o Conselho de Ministros aprovava sua lei anti-greve, os trabalhadores da principal fábrica textil do Egito, Misr, com 23 mil trabalhadores na cidade de Mahala al-Kobra, ocuparam a fábrica cobrando o pagamento extra atrasado e depois de três dias de luta, a empresa se viu obrigada a ceder. Os operários de Mahala tem grande tradição de luta: em 2006, protagonizaram uma forte greve contra o governo e em 2008 foram a vanguarda operária na luta contra Mubarak.



Mesmo assim, os trabalhadores desempregados, concentrados em frente ao Ministério do Trabalho, para reivindicar o seguro-desemprego prometido, foram duramente reprimidos. Um deles declarou: “isto se opõe à revolução, que defende a igualdade”. Embora ainda tenham ilusões com o governo, os trabalhadores vêm de grandes mobilizações que derrubaram governos e não facilitam as coisas para o governo militar.



O ministro do Trabalho do novo governo, Abu Eita, um ex-sindicalista e membro do Partido Nasserista, não só se deparou com a mobilização dos desempregados, mas também com o ministério ocupado. Em 30 de setembro, dezenas de ativistas dos sindicatos independentes, despedidos pela patronal, ocuparam o ministério exigindo serem readmitidos.



Uma constituição ao gosto dos militares

 

Enquanto escrevíamos esse artigo, uma ampla frente política, integrando desde Al Baradei até as organizações de esquerda, convocava uma manifestação contra o projeto da nova Constituição que os militares encomendaram a uma comissão de “sábios” e que pretendem aprovar em dezembro. A comissão se dividiu entre os 10 membros controlados estritamente pelos militares e um grupo mais amplo de 50 que propõe reformas mais profundas. Mas qualquer Constituição que saia do regime militar será a continuidade de uma ditadura contra os trabalhadores, como foi com Morsi, atado aos interesses do grande capital e do imperialismo. A mobilização chama ao rechaço do projeto de Constituição e contra a legitimação do regime, o que poderia provocar uma crise política.

 

O prestígio do exército entre uma maioria da população pelo golpe de Estado que derrubou Morsi e sequestrou o protagonismo das mobilizações de massa é, todavia, o principal obstáculo do processo revolucionário. Agora querem institucionalizar seu regime, reduzir as liberdades conquistadas e impedir que a experiência com o governo fantoche, que governará para a grande burguesia e o imperialismo, impulsione uma nova onda lutas. Nesta linha, o ministro do trabalho disse aos trabalhadores que “não é hora de greve, mas sim de trabalhar”.


Um terceiro campo frente aos militares e à Irmandade

No entanto, ao se manter a resistência operária, se pode abrir o caminho para que se desenvolva um terceiro campo, independente e combativo frente aos militares e à Irmandade. Essa possibilidade está colocada a partir da Frente pelo Caminho Revolucionário criada por organizações de esquerda que estiveram à frente das mobilizações que expulsaram Mubarak, como o Movimento 6 de Abril, a organização Socialistas Revolucionários, sindicalistas que controem os sindicatos independentes como o Fatma Ramadan, intelectuais e ativistas sem partido.


A Frente foi formada como um “terceiro campo”, isto é, contra as mobilizações da Irmandade pela volta de Morsi, mas igualmente contra o apoio ao novo governo fantoche dos militares. Em sua página já conta com 11 mil adesões, o que significa um bom começo em uma situação tão polarizada.



Mohamed Shatta, um dos líderes do terceiro campo, resume os objetivos do movimento: “Se falássemos sobre a revolução em 25 de janeiro de 2011, teríamos algumas esperanças. Após a eleição presidencial, vimos que Mohamed Morsi não podia realizar as esperanças e exigências da revolução. Ainda estamos contra o governo dos militares. Ambos regimes não podem satisfazer as necessidades da revolução. O terceiro campo está aqui para continuar a revolução e exigimos que todos os culpados paguem pelos crimes cometidos pelos militares e pela Irmandade Muçulmana. Queremos unir o povo sob um princípio. Estamos tentando defender nossos direitos e o papel do Egito. Que agora está controlado pelo exército, não por Adly Mansour (presidente interino).”

 

Tradução: Beatriz Yoshida

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