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terça-feira, abril 16, 2024

Putin inicia escalada de repressão à esquerda e ao movimento democrático

Hoje nós, representantes de várias organizações de esquerda, dirigimo-nos a nossos companheiros de todo o mundo com um pedido de solidariedade. Este chamado, bem como sua resposta, são muito importantes para nós. Já não se trata de um caso mais de perseguição judicial a inocentes castigados pela legislação russa ou de mais uma vida humana destruída pelo Estado. Encontramos-nos hoje ante uma nova e vergonhosa campanha de repressão, sem precedentes na história recente da Rússia, que tem como objetivo atingir a esquerda russa como força organizada. Prisões, ameaças, agressões, ataques pelos meios de comunicação de massa e preparativos para proibir por via judicial grupos políticos inteiros, formam a estratégia geral do Governo, estratégia muito mais violenta e menos previsível que a que havíamos presenciado nos anos anteriores.

O movimento de protesto que começou em dezembro de 2011 alterou radicalmente aquela passividade política e social existente durante todos os anos de governo de Putin. Dezenas de milhares de jovens, adultos, empregados de escritórios e funcionários públicos, começaram a sair às ruas exigindo mudanças. Nos dias 10 e 24 de dezembro de 2011 e depois, no dia 4 de fevereiro deste ano, em Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades, houve manifestações que demonstraram um novo nível de politização, percebido por uma parte importante da sociedade. O modelo construído pela elite governante de “democracia dirigida” ruiu em questão de dias. A manipulação política deixou de funcionar ali onde começou a verdadeira política, nascida desde baixo. O movimento, cuja primeira demanda estava limitada a “eleições limpas”, começou rapidamente a transformar-se em um protesto contra todo o sistema político.

Depois das eleições de 4 de março, quando Vladimir Putin, usando uma combinação de pressão administrativa em grande escala sobre os eleitores, fraude em larga escala e uma retórica populista mentirosa, garantiu a si mesmo um novo mandato presidencial, pareceu a muitos que a mobilização já não estava na ordem do dia. Milhares de opositores, que ingênua e voluntariamente trabalharam como fiscais nas eleições acreditando poder impedir a fraude, ficaram decepcionados.

A próxima manifestação, da qual não se esperava grande êxito, foi realizada no centro de Moscou no dia 6 de maio, um dia antes da posse de Vladimir Putin. Mas neste dia, contra todo o ceticismo, vieram mais de sessenta mil manifestantes. Quando a marcha estava chegando ao ponto de concentração, a direção das forças policiais organizou uma grande provocação ordenando bloquear o acesso à praça pelos manifestantes. Cada um que tentava passar pelo cordão policial era agredido e preso sem piedade. A violência sem precedentes por parte da polícia provocou a resistência de parte dos manifestantes, que impediam as detenções e se negavam a deixar a praça enquanto não fossem todos liberados. O enfrentamento do dia 6 de maio estendeu-se por várias horas. Ao final, 650 pessoas foram detidas, e parte delas passou a noite nas delegacias.

No dia seguinte o cortejo presidencial passava por ruas vazias, que foram “limpadas” pela polícia de opositores e até de pedestres. O novo movimento de protesto na Rússia demonstrou sua força e o crescimento de seu grau de radicalização. Os acontecimentos do dia 6 de maio deram impulso ao movimento “Occupy” em Moscou, em que participaram milhares de jovens e que durante todo o mês de maio não abandonou o centro da cidade. Os grupos de esquerda, que até então se encontravam isolados quando comparados aos oradores e dirigentes liberais, começaram a jogar um papel central no movimento.

Os acontecimentos de maio deram ao governo o sinal de que o movimento estava escapando dos limites permitidos. Passadas as eleições, era a hora de arreganhar os dentes. Quase de imediato se iniciou um processo judicial chamado “Distúrbios em massa” e no dia 27 de maio se deu a 1ª detenção. A anarquista Aleksandra Dujanina, 18 anos, foi acusada de participar nas desordens e de fazer uso de violência contra as forças policiais. Nos dias posteriores, as detenções continuaram. Vários outros ativistas políticos (especialmente de esquerda) foram acusados, além de gente comum, cuja participação na manifestação do dia 6 de maio havia sido a primeira experiência política de rua em suas vidas.

Neste momento, as acusações atingem já a 19 pessoas, 12 das quais estão em prisão preventiva. Esta é a história de alguns deles:

· Vladimir Akimenkov, 25 anos. Comunista e ativista da organização “Frente de Esquerda”, foi detido no dia 10 de junho e ficará preso até o dia 6 de maio do ano que vem, quando o tribunal decidirá seu futuro. Vladimir tem problemas de visão de nascença, e na prisão piorou drasticamente. Neste momento tem apenas 10% de visão num olho, e 20% no outro. Apesar disso, este argumento não foi suficiente para que o juiz lhe concedesse liberdade ante o compromisso de não sair do país. Na última audiência, chegou ao cúmulo de dizer, cinicamente, que só a concederia em caso de completa cegueira.

· Mijail Kosenko, 36 anos. Ativista independente detido no dia 8 de junho. Kosenko sofre de transtornos psicológicos e pediu a substituição da cadeia por prisão domiciliar. Porém, foi considerado “perigoso para a sociedade” e podem enviá-lo a um tratamento forçado.

· Stepan Zimin, 20 anos. Anarquista e antifascista detido no dia 8 de junho. Ficará preso até o dia 6 de maio do ano que vem, podendo sua pena ser estendida depois disso. Stepan sustenta sua mãe solteira, mas este argumento não foi suficiente para que o juiz lhe concedesse a liberdade sob o compromisso de não sair da cidade.

· Nicolás Kavkazsky, 26 anos, socialista e advogado de ativistas do movimento GLBT. Detido no dia 25 de julho.

Os investigadores não tem sequer alguma prova evidente que demonstre a culpa de algum dos detidos. Mesmo assim eles seguem presos, e a eles se somam novos suspeitos. Assim, o último dos figurantes da causa “6 de maio”, o ativista liberal e cientista de 51 anos Sergey Kirov foi detido muito recentemente, no dia 18 de outubro. E há todos os motivos para acreditar que ele não será o último.

Se as prisões dos já quase 20 participantes da manifestação tinham como objetivo meter medo no movimento, a caça aos “organizadores dos distúrbios em massa” está orientada a atingir os dirigentes. Segundo a versão dos investigadores, as “desordens” foram resultado de uma “conspiração”, onde todos os detidos teriam recebido “tarefas especiais”. Dessa maneira, vemos que o caso não é simplesmente de prisões em série, mas o prelúdio para a preparação de um processo político em grande escala contra a oposição.

No dia 5 de outubro, um dos canais de maior audiência, NTV, transmitiu uma reportagem do gênero “jornalismo investigativo”, com acusações fantásticas contra a oposição e em especial contra o mais conhecido de seus líderes, Serguey Udaltsov. Neste amálgama ao melhor estilo Goebbels foram mostradas supostas relações entre Udaltsov e agentes de inteligência estrangeiros, e as atividades políticas encabeçadas por ele e sua organização “Frente de Esquerda”, foram mostradas como manobras de inimigos externos do país. Como prova principal, foi mostrada a gravação de uma conversa na qual participam Udaltsov, o ativista da Frente de Esquerda Leonid Razvojaev, o membro do Movimento de Esquerda Russo (RSD) Konstantin Lebedev e um dos conselheiros do presidente da Geórgia, Givi Targamadze. Nesta reunião, falou-se de uma transferência de dinheiro da parte da Geórgia para gerar “desestabilização” na Rússia. Apesar de que os rostos dos envolvidos mal apareçam no vídeo e que o áudio tenha sido claramente editado e adicionado ao vídeo posteriormente, apenas dois dias depois o Comitê de Investigações da Promotoria (órgão que joga um papel muito importante hoje em dia na organização da repressão) o utilizou para começar um processo judicial.

No dia 17 de outubro, foi detido Konstantin Lebedev. Serguey Udaltsov foi deixado em liberdade depois do interrogatório, sob o compromisso por escrito de não sair de Moscou. No dia 19 de outubro, o 3º participante do “novo caso”, também da Frente de Esquerda, Leonid Razvojaev tentava receber o status de refugiado político na sede da ONU em Kiev, Ucrânia. Logo que deixou o edifício, desconhecidos meteram-no violentamente num automóvel e levaram-no ao território russo, cruzando ilegalmente a fronteira ucraniana. Já na Rússia, num lugar não identificado, foi torturado e ameaçado (em relação à segurança de sua família) e obrigaram-no a assinar uma “declaração voluntária de culpa”, assim como uma “confissão”. Nestas, Razvojaev reconheceu suas relações com agentes de inteligência estrangeiros e preparativos de ações armadas, nas quais também foram envolvidos Konstantin Lebedev e Serguey Udaltsov. Depois disso, Razvojaev foi levado a Moscou e preso como acusado. Depois, durante encontro com defensores dos direitos humanos, Razvojaev comunicou que nega as acusações, assinadas sob pressão. Porém não se pretende interromper as investigações baseadas em tais “confissões“. A “lista Razvojaev”, com os nomes e sobrenomes de pessoas, também será objeto de investigação.

{module Propaganda 30 anos – MORAL}A repressão se amplia a cada dia. Assim, recentemente, o Comitê de Investigações informou que está sendo analisada a possibilidade de proibir a organização de Udaltsov, a Frente de Esquerda, por “extremismo”. Também exercem pressão sobre o movimento antifascista. Desse modo, com acusações inventadas, foram detidos e presos em Moscou os conhecidos ativistas Aleskei Sutuga, Aleksei Olesin, Igor Kharchenko, Irina Lipska e Alain Volikov. O militante socialista e antifascista Philip Dolbunov foi chamado várias vezes a interrogatório e ameaçado.

O fato de que a maioria das vítimas desta onda repressora sem precedentes tenha relação com o movimento de esquerda não é mera casualidade. Às vésperas das próximas medidas de "austeridade" na Rússia, ataques aos direitos trabalhistas e a reforma previdenciária, o Governo Putin-Medvedev teme mais que tudo a possível unificação do movimento democrático existente com o provável protesto social.

A onda repressora de hoje é um importantíssimo teste para o novo movimento de protesto na Rússia: ou seguimos de pé ou nos espera um novo período de apatia das massas e medo. Justamente por isso, ante a repressão policial sem precedentes, é importante a solidariedade de nossos companheiros de luta da Europa e de todo o mundo.

Dirigimos-nos a vocês com o pedido de realizar nos dias de 29 novembro a 2 dezembro manifestações, piquetes e outro tipo de ações em frente às representações diplomáticas da federação Russa em seus países, com a exigência de imediata libertação daqueles ilegalmente presos, pela interrupção dos vergonhosos processos judiciais e a preparação de novos “Processos de Moscou”, baseados em torturas e invenções. Também pedimos utilizar o máximo possível os nomes concretos das pessoas envolvidas presentes deste chamado. Isso é importante para cada um daqueles que neste momento se encontra atrás das grades.

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