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quinta-feira, abril 25, 2024

Repensar a política…

Francisco Louçã, numa série de crónicas no Esquerda.net, pensou a política em torno do recente referendo sobre o aborto. Afirmou ele: “A esquerda deve ou não promover uma política unitária? (.) No caso do referendo, esta política era testada de uma forma particularmente intensa. No referendo, vota-se ‘Sim’ ou ‘Não’, e grande parte do campo do ‘Sim’ tinha como objectivo – e não podia ser outro – envolver todos os que partilhassem esse voto”.

 

Qualquer pessoa de bom senso concordaria com a necessidade de uma política e campanha unitárias para fazer triunfar o “Sim” neste referendo. Afinal de contas, 33 anos após o 25 de Abril e uma revolução, havia contas a ajustar com a direita e todo uma parte do país conservador, que teimava em mantê-lo na cauda da Europa no que se refere a esta importante reivindicação democrática. Assim, movimentos unitários, acções de campanha, comícios com militantes de todos os partidos de esquerda e até membros do PSD (como a deputada Assunção Esteves), católicos e quem mais estivesse de acordo com a despenalização do aborto, seriam correctos e bem vindos.

 

Agora, Francisco Louçã não tem razão quando afirma que a campanha devia “envolver todos os que partilhassem esse voto”. O Bloco de Esquerda, incorrectamente na nossa opinião, chegou a defender uma campanha pelo “Sim” com todos, incluindo “o governo e apesar do governo”. Aliás, não se ignora que nenhum panfleto da campanha, do Bloco ou de movimentos unitários, e mesmo em discursos públicos nunca houvesse uma devida (necessária e indispensável) diferenciação face ao governo PS e, em particular, ao ministro Correia de Campos e ao primeiro-ministro José Sócrates.

 

Na verdade, a esquerda não deve contribuir para branquear um governo que utilizou o seu “Sim” a esta lei para ganhar fôlego para prosseguir a sua ofensiva contra as mulheres e o povo trabalhador em geral (encerramento de SAPs, centros de saúde, maternidades e escolas, aumento da idade de reforma, precarização do trabalho, etc.), que as lutas sociais estavam ainda há pouco tempo a questionar seriamente (manifestação de 30.000 professores em 5 de Outubro e 100.000 manifestantes em 12 do mesmo mês).

 

Com efeito, a conjuntura aberta com as mobilizações da Função Pública no ano passado deu a possibilidade de partirmos para mobilizações nacionais de outra envergadura. Isso se a CGTP assim o tivesse querido, bem como o PCP e o BE. Todos preferiram, acriticamente e com a suspensão das lutas e da campanha contra o governo, centrarem-se numa unidade com todos pelo “Sim” incluindo o governo. Desta forma temos uma importante vitória sobre a temática do aborto, mas que não invalidaria a continuação (se assim a esquerda não-governamental o quisesse) do combate simultâneo ao governo Sócrates.

 

E não o dizemos por questões de princípio, que não traria mal nenhum ao mundo nem prejudicaria o voto no “Sim”, mas por uma necessidade inultrapassável de enfraquecer o governo para enfraquecer a sua ofensiva contra o mundo do trabalho, em vez de contribuir, como aconteceu, por indirectamente fortalecê-lo com a também sua vitória no referendo. Sócrates utilizou o “Sim” pelo aborto em Portugal, tal como Zapatero o fez com a legalização do casamento entre homossexuais em Espanha, por exemplo, para cobrir com um manto de “esquerda” as suas políticas de direita de feroz ofensiva neo-liberal sobre as conquistas e os direitos dos trabalhadores europeus.

 

A esquerda que se constrói a pensar sempre em eleições, votos e mandatos e, em consequência, secundariza as lutas sociais e a demarcação clara com os governos capitalistas de turno, não almeja mais do que ser uma força eleitoral, sem contribuir efectivamente para as urgentes alterações sistémicas que tanta falta fazem às nossas sociedades. Por alguma razão, no dia a seguir ao referendo, a população de Vendas Novas estava na rua massivamente em protesto contra o encerramento do SAP local por ordem de Correia de Campos e de José Sócrates. Em simultâneo, no jornal Público saía uma nota em que se considerava Louçã, na campanha do referendo, como um aliado do primeiro-ministro.

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