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quinta-feira, março 28, 2024

GNR e tropas estrangeiras fora de Timor!

Nota da redação: Timor-Leste ocupa a parte oriental da ilha de Timor, localizada entre a Indonésia e a Austrália. Até 1975, foi uma colónia portuguesa. Após a saída dos portugueses,  o território foi controlado pela Indonésia. Em 30 de agosto de 1999, a esmagadora maioria dos timorenses votou pela separação da Indonésia. A GNR é a Guarda Nacional Republicana, força policial portuguesa. A seguir, a declaração da FER/Ruptura (Frente de Esquerda Revolucionária – seçsobre o envio de tropas da GNR a Timor.

GNR vai a Timor ajudar o governo a reprimir a população

Nos dias 28 e 29 de Abril, cerca de 2 mil pessoas saíram às ruas de Díli em solidariedade aos 591 soldados (cerca de 1/3 do total do contingente) que tinham sido expulsos das Falintil, as Forças Armadas de Timor-leste. O afastamento fora determinado pelo primeiro-ministro Mari Alkatiri devido aos protestos por maus-tratos e discriminação no critério de promoções feitos por estes militares. Aos soldados afastados juntaram-se grupos de jovens manifestantes, que, segundo as informações veiculadas pela imprensa, entraram em confronto com a polícia, atacaram edifícios e queimaram dezenas de casas. A manifestação foi violentamente reprimida por ordem de Alkatiri, deixando um saldo de cinco mortos e 80 feridos.

Na liderança de outro foco de descontentamento nas Forças de Segurança, com pelo menos vinte amotinados entrincheirados em Aileu, a 47 quilómetros de Díli, o major Alfredo Reinado, ex-comandante da Polícia Militar timorense, qualificou a repressão aos militares contestatários (também chamados de “peticionários”) de massacre. Vários ataques estão sendo atribuídos ao grupo dirigido por Reinado, ameaçando instalações militares e, inclusive, a residência de Taur Matan Ruak, o comandante das Falintil. Em Taci Tolo, a Oeste de Díli, o ataque dos homens dirigidos pelo major Reinado ao quartel-general das Falintil teria se saldado, segundo informações do próprio major, com 11 mortos.

Simultaneamente, tem havido actos de revolta aparentemente sem qualquer ligação directa com os “peticionários” ou com Reinado: centenas de jovens atacaram as instalações oficiais na localidade de Gleno, a 40 quilómetros ao Sul de Díli, e mantiveram cercados o secretário de Estado para a Coordenação da Região III (Díli, Ermera e Aileu) e dois polícias. Reforços policiais e representantes do Governo foram obrigados a deslocar-se a Gleno para negociar a saída do edifício do governante e dos polícias.

O mais recente episódio de violência ocorreu a 25 de Maio, quando um grupo de soldados das Falintil cercou e disparou contra o quartel-general da Polícia Nacional, do qual suspeitava-se ter feito uma aliança com os “peticionários”, com os quais estaria organizando emboscadas contra as forças das Falintil. Um cessar-fogo foi obtido a partir da intervenção da polícia da ONU (45 homens) e conselheiros militares, mas o militares das Falintil abriram fogo sobre o cortejo de policiais desarmados evacuados do quartel, deixando um saldo de 9 morto e 27 feridos. Diante da violência generalizada, a parte da população de Díli não viu alternativa senão fugir.

A razão destes factos

Ao completar, a 20 de Maio, quatro anos de independência política, a situação social de Timor não evoluiu em relação à pesada herança da ocupação indonésia, entre 1975 e 1999. Pelo contrário, o quadro de miséria só tem vindo a agravar-se. As disputas no interior das Forças de Seguranças, os actos de rebelião dos jovens e dos soldados testemunham, sobretudo, a acumulação de frustrações no seio da população deste país de 1 milhão de habitantes, o mais pobre do Sudeste Asiático. Metade da população está desempregada, e a renda média por pessoa é inferior a 1 euro por dia.

O crescimento económico de Timor foi de 2,3% em 2005, muito abaixo das necessidades de um país que teve a sua infra-estrutura praticamente destruída pelo exército indonésio em retirada. Ao mesmo tempo, o início da exploração das jazidas mais importantes de petróleo e gás natural, no Golfo de Timor, foi retardado pelas negociações turbulentas com a Austrália, que controlava, desde 1975, mais de 80% desses recursos. Apesar disso, as receitas do petróleo renderam já ao Estado cerca de 500 milhões de euros, soma esta que não se reverteu em benefícios à população.

Reacção do governo timorense

Reconhecendo-se incapazes de controlar os vários focos de rebelião, o presidente Xanana Gusmão e o primeiro-ministro Alkatiri pediram o envio de ajuda internacional. Tropas australianas (1300 soldados) já desembarcaram no país, e está prevista para breve a chegada de guarnições da Malásia e da Nova Zelândia. Portugal já definiu o envio de 120 polícias da GNR até 23 de Junho, com a missão de “manutenção da ordem e formação das forças policiais locais”. Já chegou a Timor o enviado especial da ONU para assumir o papel de mediador, inclusive para tentar conciliar as divergências entre Xanana e Alkatiri, que a situação de crise acabou por revelar.

O que vão fazer as tropas estrangeiras em Timor?

Timor é um dos exemplos mais gritantes do resultado obtido pela política de intervenção humanitária da ONU e do imperialismo. Após sete anos do desembarque das forças da ONU no país, a maioria da população vive na miséria, enquanto a minúscula elite timorense que controla o poder enriquece-se com as migalhas deixadas pela Austrália, em troca de explorar o petróleo e o gás que pertencem a Timor, e pela famosa “comunidade internacional”, igualmente interessada em rapinar as riquezas do país.

Quando o desespero da população e dos soldados ameaçados de desemprego transforma-se em revolta ? desordenada, caótica, não ideológica e muitas vezes espontânea ?, transparecem as contradições na cúpula do poder, civil e militar, empenhado em apoderar-se do quinhão mais lucrativo da riqueza do país. Em comum, essa elite tem a necessidade de “pacificar” Timor, isto é, reprimir as revoltas e os revoltosos, os jovens desempregados e sem perspectivas, para que possa continuar a construção capitalista da economia timorense, a sua consolidação enquanto um país colonial.

As tropas da GNR, e as demais, só foram chamadas a Timor por uma razão: reprimir a população e os sublevados. Não há mais invasor indonésio a combater para ajudar o povo de Timor na sua luta de libertação. Xanana Gusmão e Mari Alkatiri deixaram de ser guerrilheiros da luta de libertação para transformar-se em gestores capitalistas de um país do Terceiro Mundo. O primeiro-ministro José Sócrates mente quando diz que as tropas portugueses vão a Timor defender a população: elas vão a Timor ajudar o governo a impor a paz dos cemitérios. A sua missão integra o plano imperialista (da ONU, dos EUA e da União Europeia) de controlar e domesticar este país para que possa continuar sendo o dócil fornecedor, a baixo custo, de energia fóssil.

GNR  e tropas estrangeiras fora de Timor! 

É por isso que devemos ser contra o envio da GNR a Timor e exigir, como no caso do Afeganistão, a sua imediata retirada. É por isso que foi vergonhoso o papel de todos os partidos, em especial do PS e do PC, ao apoiarem esta iniciativa do governo Sócrates. Foi também errada a posição do Bloco de Esquerda, que procurou manter uma posição equidistante, apresentando reservas à medida, mas sem condená-la frontalmente. “Todos os partidos portugueses apoiam, o BE mantém reservas”, sintetizou o jornal Público. Francisco Louçã teria dito, segundo este jornal, que se mantinha a necessidade de “cuidado e reserva” do partido em relação ao envio da GNR. Teria dito, ainda, que: “Importa saber o contexto à volta do acordo bilateral, visto que não se trata de uma invasão de um país vizinho, mas de uma crise institucional e uma crise política” (?) “O que as forças portuguesas nunca podem ser é um instrumento para o agravamento desta crise”. Louçã teria dito também não estar esclarecido sobre a missão para a qual foi solicitada a presença da GNR, sobre “o que é que significa manutenção de ordem”.

A cautela do Bloco em condenar taxativamente a missão da GNR pode ser interpretada como uma tentativa de evitar o confronto com a opinião de uma parte significativa da população portuguesa, que apoia a decisão do governo, acreditando que as tropas da GNR vão a Timor ajudar o povo timorense. Mas é preciso dizer a verdade à população, e não ceder a pressões que, apesar de bem intencionadas, acabam por reforçar esta manobra populista do governo. A cautela do Bloco acaba por proporcionar uma quase unanimidade à iniciativa de enviar tropas da GNR a Timor. É preciso mudar de rumo e condenar abertamente esta missão, enquadrando-a como uma manobra imperialista e anti-democrática contra a população desse país.

Comissão Nacional do Ruptura/FER
Lisboa, 28 de Maio de 2006

 

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