sáb abr 20, 2024
sábado, abril 20, 2024

"Hoje 20% dos pobres são trabalhadores"

Entrevista a João Teixeira Lopes, sociólogo e deputado do Bloco de Esquerda eleito pelo distrito do Porto, sobre a pobreza em Portugal. Ele comenta as conclusões de um estudo sobre a pobreza no Porto, onde calcula-se que existam cerca de 500 mil pobres, o que corresponde a 30% da população, e avança propostas para combatê-la em todo o País, como aumentos salariais, combate à precariedade e renacionalizações de empresas estratégicas, como a Galp. «A GALP é estratégica e deveria estar nas mãos do Estado, apesar de este ter uma golden share, que serve mais para aumentar os lucros de Américo Amorim que outra coisa», disse Teixeira Lopes. Para o deputado, o Estado tem transferido para instituições particulares funções que deveriam ser suas, como assegurar creches, jardins-de-infância, lares de idosos, etc.

 

Quais foram as conclusões do Livro Negro de Pobreza no Distrito do Porto?

 

As conclusões apontam para um nível de pobreza muito maior que aquele que era suposto existir, pelo menos de acordo com o discurso oficial. Basta pensar que, segundo as nossas contas, existem cerca de 500.000 pobres no distrito, o que corresponde a quase 30% da população. E aqui há um problema, é que as estatísticas não são neutras.

 

O facto de não haver estatísticas territorializadas, mas apenas a nível nacional e sempre com muito atraso, nunca permite a cada momento saber exactamente o número de pobres. É preciso ir buscar vários indicadores (poder de compra concelhio, rendimento disponível das famílias…) e, a partir desses indicadores, fazer uma estimativa, o que dá bastante mais trabalho. Mas digamos que há da parte do Estado claramente uma tentativa de tornar opacos esses indicadores e assim dificultar a medida da pobreza.

 

Outra conclusão prende-se com o facto de o Estado prestar uma “subsidariedade” como forma de desresponsabilizar-se das suas funções, isto é, transmite para as IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] aquilo que deveriam ser as suas funções, mas, ainda por cima, fá-lo de forma lacunar e deficitária.

 

Hoje acontece que boa parte das IPSS não têm contratos de associação com a Segurança Social suficientes para assegurar creches, jardins-de-infância, amas, centros de dia, lares de idosos e, principalmente, o apoio domiciliário. Estes dois últimos são os mais deficitários, há filas de espera imensas, o que faz com que o privado lucre com essa situação. Às vezes mesmo as pessoas com grandes dificuldades acabam por colocar as suas crianças no privado.

 

Calcula-se que o distrito do Porto representa 25 % da pobreza do país. Relativamente ao resto de Portugal é possível identificar as zonas negras de pobreza?

 

Para além do distrito do Porto, as zonas negras são claramente o Alentejo, os Açores e alguns concelhos da Madeira. Depois há bolsas de pobreza, mas não tão generalizadas, dentro da Área Metropolitana de Lisboa e nalguns concelhos do interior profundo, por exemplo no distrito de Castelo Branco.

 

Há realmente um aumento da pobreza nos últimos anos. A partir de quando?

 

Claríssimo, em particular desde o início da governação das direitas com Durão Barroso. Quando estamos a falar de aumento, estamos a falar do agravamento de uma situação que já era muito má. Segundo todos os estudos, houve redução da pobreza na década de 70, após o 25 de Abril e na década de 90, quando os fundos comunitários e a situação internacional conseguiram fazer aumentar o poder de compra.

 

Fora esses períodos a pobreza tem-se mantido inalterada. Depois de 1995, durante o governo Guterres, há uma pequena redução devido à introdução do rendimento mínimo e praticamente não há nenhum tipo de alteração estrutural desde então. O aumento da pobreza mantém-se desde o governo Durão Barroso até agora.

 

A que se deve o aumento da pobreza?

 

O modelo económico é a principal causa segundo o estudo feito por Bruto da Costa. Esse estudo demonstra também que 52,5% das famílias portuguesas já estiveram pelo menos uma vez em situação de pobreza, o que não tem comparação com nenhum país da União Europeia a 27.

 

Deve-se claramente aos baixos salários, ao desemprego, à precarização associada aos baixos salários e à fraquíssima redistribuição da riqueza, isto é, um dos aspectos que mais se nota é que as políticas sociais em Portugal são claramente pouco eficazes. As transferências sociais não conseguem reduzir a pobreza como noutros países acontece. Não só a despesa social em % do PIB é fraca e claramente abaixo da média da União Europeia, como por outro lado é ineficaz.

 

Sabe-se agora que a pobreza já não envolve só as pessoas desempregadas ou marginalizadas. Há dados que mostram que pessoas que têm emprego recorrem a instituições de solidariedade social para obter alimentos.

 

Há dois tipos de pessoas nessa situação: pessoas com baixos salários que até podem ter situação estável, mas que ganham muito pouco ou têm situações de endividamento, e um novo tipo de pobreza que são sectores médios da sociedade a entrarem na pobreza. Basta ver a quantidade de casas que vai a leilão porque as pessoas não conseguem pagar os empréstimos.

 

A seguir à II Guerra Mundial ter trabalho significava fugir à pobreza. Hoje, 20% dos pobres são trabalhadores. Isto mostra bem como o capitalismo tem alargado a sua mais-valia à custa dos mecanismos tradicionais

 

Estima-se que 400.000 pessoas vivem na pobreza absoluta em Portugal. Que soluções o Bloco de Esquerda deve apontar para resolver este problema?

 

Essas 400 000 pessoas são pessoas que passam fome ou têm carências alimentares. A pobreza absoluta aumentou mais que a pobreza relativa, aquela em que se encontram todos os que auferem menos de 400 euros por mês. O fosso em Portugal entre ricos e pobres é o maior da União Europeia e apresenta níveis superiores aos dos Estados Unidos.

 

Há uma medida assistencialista que é fundamental que seja imediatamente tomada, que é o Estado assegurar uma rede de distribuição de alimentos. Tem que ser o Estado por uma razão simples: se não for os alimentos não chegam às pessoas. As instituições de solidariedade muitas vezes perdem-se em burocracias, os excedentes da União Europeia estão a falhar ou já não há excedentes. Por exemplo, o Banco Alimentar do Porto tem 170 instituições em lista de espera. As medidas de fundo são aquelas que dizem respeito à macroeconomia, ou seja, da distribuição da riqueza.

 

Teria de haver uma taxação muito maior dos impostos nos escalões mais elevados, o fim do sigilo bancário e dos off-shores, o imposto sobre as grandes fortunas e outra política de salários. Portugal mantém uma estrutura de qualificação da população activa extremamente débil e continua a competir pelos baixos salários com as economias asiáticas. Aliás, o novo Código do Trabalho reforça isso. É urgente que haja aumentos de salários, juntamente com uma qualificação séria da população activa. O ataque à precariedade também é fundamental, porque é daí que vêm os baixos salários, pois há um enorme exército de reserva disponível. Também deveria haver uma política de renacionalizações.

 

O caso da GALP?

 

Evidentemente. A GALP é estratégica e deveria estar nas mãos do Estado, apesar de este ter uma golden share, que serve mais para aumentar os lucros de Américo Amorim que outra coisa. Eu acho que estamos a chegar a um momento em que, apesar da hegemonia do capitalismo selvagem, as contradições são tão evidentes, que passamos a ter a coragem de defender medidas que agora não são ideológicas, são uma necessidade.

 

Há um leque de visibilidade tal entre a concretização dessas medidas e a melhoria do nível de vida das pessoas, que faz com que essas medidas ganhem de novo consistência. Hoje está na ordem do dia a reentrada do Estado de onde ele nunca deveria ter saído. É fundamental que a água, a energia e os transportes não estejam em mãos privadas.

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