sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Um dia vivendo uma situação revolucionária

Lenin sintetizava a descrição de uma situação revolucionária afirmando que “os de cima não podem continuar vivendo como antes e os de baixo já não o querem”. É esta a sensação quando se chega a Atenas, na Grécia.


No hotel, pergunto ao funcionário se os pontos turísticos estariam abertos à visitação, devido à greve dos funcionários do Ministério da Cultura. Sua resposta foi um “não sei” seguido de vários protestos aos políticos, “que haviam ficado com o dinheiro do país”, enquanto o povo passa fome. E esta não é apenas uma forma de se expressar, é uma realidade. Pode-se dizer que a Grécia é o mais latino-americano dos países da Europa. Nas ruas do centro de Atenas a população convive com uma pobreza própria das grandes cidades brasileiras, como São Paulo ou Rio de Janeiro. Mulheres e homens, idosos e mais jovens, alguns com seus filhos, pedem esmola em todos os cantos; ambulantes abordam os passantes para vender de tudo um pouco; moradores de rua embaixo de marquises, envoltos em cobertores para aguentar o frio. Esta é uma pequena a mostra do que o capitalismo pode fazer com a população de um país para proteger seus lucros.
 
O Elefsis precisa viver

E, enquanto a taxa de lucros não voltar ao que era antes de modo que novos investimentos com “garantia de retorno” sejam feitos, mais setores da população serão adicionados a esta situação de miséria. Inclusive setores tradicionais da classe operária, como os trabalhadores em estaleiros, que já foi um dos mais dinâmicos da indústria grega. A estes, resta lutar para impedir isso.  É o que pude presenciar no segundo dia de minha estadia. Pela manhã do dia 14 observo pessoas se concentrando na Praça Klafthmonos, algumas carregando faixas ainda enroladas enquanto outra segurava um megafone. Aproximo-me e pergunto se iriam fazer algum protesto. Fico sabendo que vão marchar até o Ministério da Economia. São trabalhadores do estaleiro Elefsis Shipyards e estão há 18 meses sem receber salário. Vivem como podem, com a ajuda de parentes e comendo em igrejas.

Enquanto conversávamos, uma passeata aproxima-se. Também são trabalhadores do estaleiro que vêm de outro ponto. Juntam-se todos e ocupam a Avenida Stadium, em direção ao Ministério, que alcançamos após algumas quadras. Este fica na Praça Syntagma, palco das principais manifestações contra o governo, em posição oposta ao prédio do Parlamento grego, facilmente identificável, tantas foram as vezes que já o vi pela TV.

O Ministério está instalado num prédio de escritórios e sua entrada – já guardada por vários membros da polícia de choque – tem as paredes manchadas e vários vidros das janelas de andares inferiores quebrados. São centenas de trabalhadores que ocupam a rua na principal praça da cidade, mas, apesar do trânsito caótico, não se ouve buzinas de protesto devido ao bloqueio da avenida. Todos parecem compreender o que se passa, pois, provavelmente, já estiveram ali antes em algum protesto. Motivos não faltam. Segundo o governo, a taxa de desemprego foi de 26% no quarto trimestre de 2012. Há um ano, era de 20,7%. A juventude é a mais atingida, com 57,8% de desemprego na faixa etária de 15-24 anos, e, principalmente, as mulheres jovens, cuja taxa é de 65% nesta mesma faixa etária. Atualmente há mais de 1,2 milhão de desempregados, e isto porque trabalhadores como os da Elefsis, mesmo sem receber há 18 meses, não são considerados desempregados e nem, provavelmente, os trabalhadores informais e precários.

Os trabalhadores ouvem rápidos discursos e aguardam as negociações dos dirigentes sindicais com representantes do governo. Suas faixas estendidas em frente ao Ministério dizem “A luta é nosso dever”, “O Elefsis precisa viver”. Estão lá para exigir que o governo mantenha as encomendas de navios para a Marinha, uma das formas de se manter “vivo” o estaleiro, que se encontra totalmente parado por falta de pedidos. Na volta dos dirigentes, após cerca de uma hora, novos discursos, alguns exaltados, que não entendo, são feitos. Mas se nota pela expressão dos trabalhadores que as notícias não são nada boas. De vez em quando algum deles reclama e, após alguns minutos, a concentração é desfeita e todos voltam para suas casas.
 
{module Protesto na Grécia}
 
OXI

O trânsito volta ao normal e aproveito para visitar a famosa Acrópole. Na volta, resolvo passar pela Praça Syntagma, mesmo não sendo caminho para o hotel. Encontro várias ruas bloqueadas pela polícia e um grupo de cinco pessoas segurando uma grande faixa em frente ao Parlamento. Explicam-me que são estudantes e protestam contra novos cortes e fechamentos de cursos nas Universidades, impostos pelo governo através de uma nova reforma universitária, a Lei Athena. As ruas bloqueadas prenunciavam mais um protesto, desta vez de estudantes.

Estes chegam aos milhares, pela mesma avenida que de manhã fora ocupada pelos operários dos estaleiros. Entre as faixas, diversos cartazes com a palavra OXI (NÃO) informam o que pensam os estudantes da nova lei.

Param em frente ao ministério da Economia por alguns minutos e um “ritual” é iniciado. Estudantes mais afoitos começam a jogar frutas – laranjas, bananas – nas paredes e janelas do prédio. As janelas quebradas e as manchas estão explicadas. Às vezes a pontaria é “ruim” e algumas frutas acabam atingindo os policiais que aguardam, impassíveis, no pátio interno do Ministério.

A passeata continua em volta da Praça até o Parlamento, principal alvo do protesto, todo cercado com alambrados. Mais policiais ficam de prontidão. Na rua ao lado, uma tropa aguarda. Muitas palavras de ordem e cantos animam a manifestação, que se organiza em colunas e ocupa toda a frente do Parlamento. Alguns minutos de tensão ocorrem quando os estudantes derrubam parte das grades. Todos se preparam para o confronto. Os policiais posicionam-se para avançar, os estudantes começam a se proteger com lenços contra as bombas de gás, alguns usam máscaras. Vários fotógrafos, que se postam entre os dois grupos, também colocam máscaras. Porém, o protesto é pacífico, não há disposição para o confronto e, aos poucos, as coisas voltam ao “normal”.

Depois de algum tempo, voltam em passeata até o Instituto Politécnico – uma das instituições de ensino superior mais afetada pela reforma – carregando um caixão de Kaplanos, o presidente do país.

Esta é a “normalidade” vivida pelo povo grego frente ao ataque promovido pelo governo, em aliança com a Troika, desde o início do aprofundamento da crise econômica na Europa: uma “normalidade” revolucionária. Porém, esta não é uma situação eterna. A América Latina já a viveu na década de 80, com a crise da dívida externa e no início dos anos 2000, com a crise do neoliberalismo. Em todos os casos a situação se reverteu e governos burgueses de frente popular ou nacionalistas estabilizaram a situação ou, pelo menos, a mantêm sob controle. Hoje, vivemos uma “normalidade” democrática burguesa na maioria dos países da América Latina. Foi necessário tempo, que a burguesia soube aproveitar, e a cumplicidade das direções reformistas da classe operária.

Na Grécia este filme se repete, principalmente a “segunda parte”. Não é preciso muito para uma ofensiva final contra o governo. As direções do movimento de massas – centrais sindicais reformistas, principalmente, e partidos, entre eles o forte Partido Comunista – necessitariam apenas unificar as lutas, montar um calendário comum, criar uma coordenação nacional que aponte para o objetivo de derrotar os planos do governo e da Troika com uma greve geral por tempo indeterminado. Existem todas as condições objetivas e a vontade das massas para isso, mas não das direções. Estas preferem construir manifestações e calendários separados, fazendo com que após cada luta os trabalhadores, a juventude e o povo voltem para casa sem nada nas mãos, dando o tempo que a burguesia necessita para transformar esta “normalidade” em outra favorável a ela. O diagnóstico de Trotsky aplica-se à perfeição por aqui: a crise da humanidade é sua crise de direção revolucionária.

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