qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

Diante da capitulação do Syriza e a chantagem da UE

Não há saída sem a imediata suspensão do pagamento da dívidaO governo Tsipras tinha duas opções diante do ultimato da União Europeia (UE):

manter seu compromisso com o povo grego e anular o Memorando ou capitular ao imperialismo europeu, que lhe exigia uma rendição total. Infelizmente, Alexis Tsipras capitulou.
 
Antes de iniciar as reuniões, Yanis Varoufakis, Ministro das Finanças grego, declarou que já não teria mais negociações com a Troika e que “não assinariam uma prorrogação do Memorando nem com uma arma na cabeça”. Tsipras, por sua vez, disse que a Grécia já não era uma colônia e que seu governo não ia aceitar ultimatos nem chantagens. No entanto, apostava tudo na “negociação entre sócios”. Nada mais ilusório.
 
Ao iniciar as negociações, toda Grécia seguiu os informativos pela televisão, como se fosse um final da Copa do Mundo de Futebol. E é que nessa partida se disputava bem mais que gols: estava em jogo o emprego, a previdência, a educação e a moradia; em fim, uma vida digna para o povo grego. Razão pela qual tanta gente depositou sua confiança no Syriza, que lhe prometeu a ruptura com o Memorando e o fim da austeridade. Milhares de pessoas manifestaram-se em apoio ao governo e as pesquisas davam-lhe um respaldo de 85%.
 
Mas havia um segundo time, que jogava ao mesmo tempo e no mesmo campo: o da UE contra os trabalhadores de toda Europa. Para o imperialismo europeu, o conteúdo mais profundo da “negociação” estava além da renovação do segundo resgate grego. A “negociação” afetava também em cheio aos trabalhadores portugueses e aos do Estado Espanhol, aos irlandeses e aos dos países bálticos, aos franceses e os italianos, aos trabalhadores e povos de toda Europa. Se os gregos venciam, vencíamos todos. Por isso o governo grego devia ser rendido e humilhado e assim devia ficar em evidência perante o mundo.
 
Nas discussões do Eurogrupo (o órgão que reúne aos ministros de Finanças da zona euro) a “negociação” era meramente política: que o povo grego se tivesse declarado soberano e artífice de seu próprio destino era uma enorme espinha na garganta dos chefes da UE e deveria retirá-la o quanto antes. Era um mau exemplo que tinha que ser extirpado sem demora.
 
Não obstante, pese todas as expectativas que despertou o Syriza, ao entrar na “negociação” sem colocar a redução do montante da dívida e o fim do Memorando como condições para discutir, entregou a partida antes de começar a jogar: uma vez retirada da mesa a essência do problema que paralisava o povo grego, só restava discutir as condições do pagamento, fazer arranjos semânticos e tratar de evitar uma humilhação completa.
 
A partir deste ponto, para o capital financeiro europeu tratava-se de converter a Grécia em um exemplo humilhante não só para os países devedores senão também para os trabalhadores italianos e belgas, que no final do ano passado realizaram greve geral contra as políticas de ajuste.
 
Para os chefes da UE tratava-se de reafirmar que a política de ajuste é “indiscutível”; deixar claro que sobre este assunto todos cerram fileiras sob a direção do capitalismo alemão. Todos estão juntos nisso, incluídos imperialismos de terceira como o espanhol ou a burguesia dos países dominados como Portugal ou do Leste Europeu. Todos compartilham um objetivo supremo: trocar o padrão de exploração da classe trabalhadora europeia, mais ainda na periferia.
 
Por isso, tinham que impor a Tsipras e por extensão ao povo grego, uma derrota humilhante. Por trás da Grécia se escondem a manutenção do ajuste estrutural, as contrarreformas que percorrem toda Europa.
 
Não se pode servir a dois amos ao mesmo tempo
 
Desde nossa modéstia, quando chegou o ultimato alemão a Grécia, escrevemos: “o Syriza está prisioneiro de uma contradição insolúvel: deseja conciliar a oposição às condições do resgate e, ao mesmo tempo, manter-se a todo custo no Euro e respeitar os tratados da UE, bem como os acordos com a burguesia grega… Mas não é possível deter a catástrofe social grega se a condição é manter-se no euro. Se não tinha clareza, Berlim e Paris já se encarregaram do esclarecer: o Syriza tem de escolher entre uma coisa ou a outra”.
 
A encenação da “negociação” converteu-se em um teatro onde se misturaram a farsa e a tragédia, pois o governo do Syriza aceitou a pedra angular sobre a que se apoiam as medidas de austeridade: primeiro é salvar aos bancos e permanecer a todo custo na Zona do Euro.
 
O problema é que isto é incompatível com as medidas necessárias para deter a ruína social. Não se pode ao mesmo tempo salvar aos bancos e anular o Memorando. Tsipras optou pelo primeiro.
 
A direção do Syriza, que qualificou aos governos imperialistas europeus como “sócios”, achava que subindo o tom de suas declarações recolheria, no entanto, algumas migalhas. Segundo Tsipras, os “sócios” não poderiam permanecer indiferentes diante da crise humanitária que atormenta o povo grego.
 
Mas Tsipras não entendeu que não só estava negociando um arranjo para as medidas de emergência que tomou ao chegar ao governo (e que não poderá aplicar com o acordo que assinou). Não entendeu que o que realmente se discutia no Eurogrupo era se a Grécia (e por extensão, todos os países “resgatados” e submetidos) era soberana e se os trabalhadores da Europa podiam levantar-se e revogar os ditames de seus governos.
 
Rebatizar à Troika como “instituições”, ao Memorando como “acordo”, e aos agiotas como “sócios”, da mesma forma que chamar peixe de carne, não muda a situação”, disse sobre o acordo Manolis Glezos, euro-deputado do Syriza e herói da Resistência à ocupação nazista. Nem tampouco muda o sentido do voto do povo grego nas eleições de 25 de janeiro. Tsipras foi eleito para anular o Memorando do segundo resgate, forçar a suspensão da dívida e pôr fim ao regime de austeridade. Mas assinou tudo ao contrário. Como em uma simulação do teatro clássico grego, os atores tiraram as máscaras, só que desta vez não o fizeram ao final da peça, senão no início.
 
O governo Tsipras optou pelo resgate dos bancos
 
Enquanto se finalizava o “acordo”, o economista britânico Michael Roberts escrevia em seu blog: “uma das cruéis ironias do acordo de última hora entre o Eurogrupo e o governo grego para prorrogar o atual programa de “ajuda” supervisionado pela Troika é que não constitui em absoluto uma ajuda”. E tem toda a razão: o “resgate” que agora se prorroga foi, por hora, o resgate dos bancos alemães, franceses e norte-americanos, que assim puderam transferir seus títulos de dívida grega aos Estados da UE, ao BCE e ao FMI.
 
O acordo assinado pelo governo Syriza-Anel mantém a mesma lógica dos resgates anteriores, só que agora para manter à tona em primeiro lugar aos bancos gregos. O acordo prolonga por quatro meses o segundo resgate, que se extingue em 28 de fevereiro. Prolongá-lo quer dizer cumprir com todas as condições draconianas impostas pelos agiotas. E sobre essa base, começar a negociar um terceiro resgate, sobre as mesmas premissas. A isto se referia Tsipras ao dizer que “as dificuldades, as dificuldades para valer… estão por vir”.
 
A mudança dos trechos finais dos empréstimos da Troika, o governo Tsipras entrega a soberania nacional, renuncia a aplicar o “programa mínimo de Salônica”[1] e rompe com as medidas de emergência que ele mesmo adotou depois da vitória eleitoral.
 
Mas para onde vai essa “ajuda” da Troika?
 
O drama de todo este assunto é que o governo grego nem vai cheirar o dinheiro da “ajuda” da Troika a Grécia. Tsipras não vai dispor de um euro adicional para gastar. É um dinheiro de ida e volta que retorna de novo aos credores e que serve para manter em movimento a engrenagem infernal de uma dívida cada dia maior e mais impagável. Um dos elementos da chantagem da Troika é a ameaça de deixar sem liquidez à banca grega, que tem que refinanciar 11 bilhões que lhe emprestou o BCE a troca de dívida em curto prazo que o governo Tsipras não pode recomprar.
 
Como denuncia o economista e deputado pelo Syriza, Costa Lapavitsas: “os fundos serão utilizados exclusivamente para as necessidades dos bancos e estarão fora do controle grego”. E agrega: “ao comprometer-se a garantir superávits primários “apropriados” (o “superávit primário” é a diferença entre as entradas e despesas do governo antes do pagamento dos juros), o governo do Syriza mantém as mesmas bases do resgate de novembro de 2012″. A Troika manterá um estreito controle sobre todas as decisões importantes do governo.
 
A agonia não terminou com a extensão do resgate
 
Em junho o governo grego deve pagar 6,7 bilhões ao BCE e 5,3 bilhões ao FMI. E no final de abril, a Troika deve “revisar” o acordo alcançado para assegurar que as reformas e medidas às que se comprometeu Tsipras estão realmente em curso. Sem isso não continuarão refinanciando nem ao governo nem aos bancos gregos.
 
Para liberar esses fundos (que nunca chegarão aos cofres gregos), Tsipras se comprometeu a dar continuidade às medidas do Memorando, tal como lhe exigem Berlim e Bruxelas com o respaldo da burguesia grega.

O programa do Syriza da Conferência de Salônica foi votado em base à mais que provável possibilidade de progresso eleitoral, diante da falência do governo de Antonis Samarás (do partido da Nova Democracia). O “programa mínimo de Salônica” foi um claro retrocesso com respeito ao programa votado no congresso anterior, que defendia expressamente a anulação unilateral do memorando por meio de uma votação do parlamento grego. Em seu lugar, propunha que os gregos estavam diante da disjuntiva de uma “negociação europeia por um governo do Syriza ou a aceitação dos termos dos credores da Grécia pelo governo de Samarás”. Nesta conjuntura, o governo do Syriza se definiria pelos seguintes pontos:
 
– Cancelar a maior parte do valor nominal da dívida pública para que seja sustentável (…). Incluir uma “cláusula de crescimento” no pagamento da parte restante da dívida, de modo que seja financiada em base ao crescimento e não ao orçamento;
 
– Incluir um período significativo de moratória no serviço da dívida para dedicar fundos ao crescimento;
 
– Excluir o investimento público das restrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento;
 
– A questão do empréstimo forçado pela ocupação nazista do Banco da Grécia (…) se converterá na posição oficial do país assim que cheguemos ao poder;
 
– Estamos comprometidos com o povo grego para um Plano Nacional de Reconstrução que substituirá ao Memorando já em nossos primeiros dias no poder, antes e com independência do resultado da negociação;
 
Os trabalhadores gregos votaram expressamente por estas propostas, mas nenhuma delas nem sequer chegou a entrar em negociação. Quando o ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble disse: “a suspensão da dívida não faz parte da agenda”, Tsipras se negou a levar adiante os compromissos que tinha assumido e acabou assinando um acordo que mantém o pagamento integral da dívida; que se compromete a não tomar nenhuma medida que implique aumentar a despesa pública sem que a Troika aprove; que coloca em questão todo o plano de emergência aprovado; que aceita manter os objetivos de superávit primário para garantir os pagamentos da dívida. Em última análise, utilizando as mesmas palavras do programa do Syriza, o resultado da negociação foi “a aceitação dos termos dos credores da Grécia”, igual ao que teria feito o governo de Samarás.
 
Fora as garras da UE da Grécia! Pela suspensão imediata do pagamento da dívida!
 
Nós de Corriente Roja não duvidamos em propor que, apesar de que considerávamos as medidas de emergências anunciadas pelo governo Tsipras como insuficientes, tinha que as defender com unhas e dentes diante das investidas da UE e das potências imperialistas europeias.
 
Diante do ultimato alemão, o Syriza deve aplicar seu programa de redução da dívida e moratória. E embora o Syriza não propusesse em nenhum momento a possibilidade da saída do euro, deveria assumir esta opção como a única forma possível de aplicar seu programa de emergência ante a catástrofe social.
 
Se o imperialismo europeu contestasse com o bloqueio ao financiamento dos bancos gregos, a resposta imediata deveria ser sua nacionalização e o controle da movimentação de capitais para evitar sua fuga.
 
Mas a opção da direção de Tsipras é preservar a propriedade desses bancos falidos, que sobrevivem como parasitas dos grandes tubarões que saqueiam o país. Para romper com os ditames do imperialismo europeu representado pela UE e o BCE, o governo deve romper seus compromissos com a burguesia grega, com o partido Gregos Independentes (ANEL) no governo e com a Nova Democracia, alçada por Tsipras à presidência da República, na figura de Prokopis Pavlopoulos, como símbolo de seu compromisso com a ordem vigente.
 
Com Manolis Glezos: a esquerda grega deve ser mobilizada para revogar os acordos
 
Fazemos nossas as palavras de Manolis Glezos em sua proclamação “Antes que seja demasiado tarde”. A esquerda, começando pela esquerda do Syriza, deve se mobilizar e mobilizar aos trabalhadores e o povo grego para tomar as ruas e exigir do governo Tsipras a suspensão imediata do pagamento da dívida e a aplicação imediata e sem demora de todas as medidas de emergência que aprovou o governo.
 
Ou isso ou “comportar-se como se Grécia fosse um país colonial e os gregos os párias da Europa”, como dizia Tsipras na campanha eleitoral.

Tradução: Rosangela Botelho
 
Fonte: http://corrienteroja.net/



[1] Devolver o salário mínimo aos 751 euros em que se encontrava antes dos ajustes, cupons de alimentação; facilitar o pagamento das dívidas, estabelecendo limites sobre o que deve ser pago, a criação de 300.000 postos de trabalho (fonte: http://www.expansion.com/2015/01/27);

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