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sexta-feira, abril 19, 2024

A grande greve das universidades públicas


Entrevista com Ioanna Louvrou, trabalhadora da Universidade de Atenas e do comitê que organizou a greve de três meses das universidades públicas gregas.



2014 tem tudo para ser um novo ano de grande turbulência na Grécia. O país que atravessa uma depressão desde 2008, com consequências drásticas para a sua população, assumiu em janeiro a presidência da União Europeia (UE), em meio a uma forte crise política e greves em vários setores, como a dos técnico-administrativos das universidades públicas, dos médicos dos centros de saúde e professores do ensino primário.



Os trabalhadores das universidades públicas entraram em greve após o anúncio de mais de 15 mil demissões de funcionários públicos feito pelo governo de Andoni Samaras (do partido da “Nova Democracia”, de centro-direita). Em alguns departamentos das universidades essa medida afetava mais da metade do pessoal, tornando-se inviável, na prática, o seu funcionamento. Houve mais de três meses de intensos combates envolvendo sete universidades públicas gregas, especialmente a de Atenas e a Universidade Politécnica. A luta se estendeu aos alunos e professores. Os médicos dos centros de atenção à saúde primária também entraram em greve, contra a introdução de uma taxa de 25 euros por consulta. Essas e outras medidas fazem parte das mais recentes "reformas" impostas pela Troika (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) ao governo grego (coalizão entre ND e o PASOK "socialista"), como condição para o desembolso da terceira parte do "resgate", pactuado entre a Grécia e a União Europeia.



Os números gregos são assustadores: desemprego de 27%, 57% na juventude, demissões em massa no setor público, privatização generalizada do patrimônio público, reduções salariais drásticas, forte rebaixamento das pensões e aposentadorias, fechamento da Televisão pública, salário mínimo de 3,35 € por hora, aumentos insuportáveis de impostos, etc. A dívida pública chega a 156% do PIB e as projeções mais otimistas estimam um novo retrocesso econômico de 4% para 2014. Mais e mais gregos são forçados a deixar o país e aqueles que ficam não têm alternativa. O número de famílias pobres sem recursos, nem mesmo para a calefação, é assombroso, e, em Atenas, há pessoas que passaram a viver nas ruas. Apesar dessa dura realidade, o primeiro-ministro Samaras assumiu a presidência da UE com um discurso hipócrita de que 2014 será “o ano da recuperação”. Na verdade, será um ano de mais miséria para o povo grego.



2014 será também um ano importante na arena política. Estão previstas para maio as eleições europeias e municipais. Em uma pesquisa divulgada em janeiro pelo jornal Ekathimerini, o SYRIZA (“Coligação da Esquerda Radical”, em grego) aparece em primeiro lugar, com 31,5% das intenções de voto. O segundo é o partido de centro-direita da Nova Democracia (com 28%), e em terceiro lugar se consolida o partido fascista Aurora Dourada (AD), com 10% das intenções de voto. O PASOK e o KKE (partido comunista stalinista) aparecem em quarto lugar, com 6,5% cada um. A crise política desencadeada pelo anúncio de novas medidas de austeridade pode, na opinião de muitos ativistas, obrigar o governo a antecipar as eleições. O líder do SYRIZA, Alexis Tsipras, acaba de se lançar como um candidato alternativo para a presidência do Parlamento Europeu pelo “Partido da Esquerda Europeia”, com um programa de "refundação" da União Europeia, uma utopia irrealizável que desarma os trabalhadores.



A Aurora Dourada, por sua vez, se afirma nas pesquisas como a escolha eleitoral de um setor significativo da população. Há estimativas de que a metade dos policiais gregos vota neste partido, refletindo sua inserção no aparato de repressão do Estado. Por enquanto, suas ações são dirigidas principalmente contra os imigrantes, mas já se percebe uma tendência crescente para atacar também os movimentos social e sindical. O assassinato do rapper e ativista de esquerda Physos por um membro da AD deixou claro o caráter fascista dessa organização. Muitos partidos de esquerda e sindicatos estão organizando a autodefesa para evitar ataques dos fascistas.



Publicamos a seguir trechos de uma entrevista com Ioanna Louvrou, bióloga que trabalha em um laboratório da Universidade de Atenas. Louvrou participou do comitê que dirigiu a luta na universidade e faz parte da direção do sindicato do pessoal administrativo da UA. É também militante da ANTARSYA (revolta, em grego), um grupo político de esquerda extrema não ligado ao SYRIZA por divergências com seu programa reformista. Conversamos sobre como a greve foi organizada, o papel intransigente do governo, a política conciliatória da burocracia sindical e o futuro político do país.



Página Roja: Por que você decidiu convocar uma greve?



Ioanna Louvrou: Como parte das reformas exigidas pela Troika, o governo Samaras anunciou que colocará na rua 15.000 funcionários em 2014. Na Universidade Politécnica, em alguns casos, isso vai significar o fechamento de departamentos inteiros. É insustentável. Dessa vez, não fui incluída nas demissões, mas com certeza estarei na lista do próximo ano. Esta é a razão da greve.



PR: A greve foi apenas do pessoal administrativo ou também dos alunos e professores?



IL: Tivemos a sorte de contar com o apoio dos estudantes. Se não fosse por isso a greve não teria sido a mesma. Os alunos nos deram força e trouxeram consigo seus métodos de luta: assembleias, ocupações, manifestações de rua, etc. Na Politécnica foi possível realizar piquetes para garantir que a universidade não abrisse suas portas e os estudantes foram fundamentais nisso. Esta instituição histórica, símbolo da luta contra a ditadura pela famosa ocupação estudantil de 1973, que resultou na morte de mais de 80 estudantes, é uma das mais afetadas pelos cortes e privatizações. Durante a greve, íamos para as assembleias de estudantes para explicar nossas demandas e organizar ações comuns. Na Universidade de Atenas, duas assembleias de professores apoiaram a greve, a de Filosofia e Letras e a de Ciências.



PR: Qual foi a atitude do governo?



IL: Após 10 semanas de greve, o governo chamou a direção do sindicato para negociar. O que acontece é que a direção estava na prática contra a greve. Não diziam isso abertamente, mas essa posição ficava clara quando eles agiam contra o que fora decidido nas assembleias. O governo negociou de forma arbitrária e antidemocrática. Tentou usar sua influência sobre os dirigentes sindicais para desorganizar a greve. Anunciou algumas medidas irrelevantes, mas em nenhum momento se dispôs a negociar a questão das demissões. A partir das assembleias, decidimos ampliar a comissão de negociação, mas os representantes do sindicato não levaram a decisão em conta e negociaram a portas fechadas com o governo.



PR: Qual é o setor majoritário na direção do sindicato do pessoal administrativo da Universidade de Atenas?



IL: Os cinco representantes do sindicato são do PASOK. Foi muito difícil enfrentá-los no dia a dia. Eles mentiam para a imprensa, não respeitavam as decisões da assembleia e, na verdade, representavam apenas um setor minoritário de professores. Mas tinham contatos com a reitoria, o ministro e a imprensa. O ministro pressionou o reitor para chamar a polícia e autorizar a sua entrada no campus, mas o reitor se recusou a fazê-lo. Não que o reitor estivesse a favor da greve, mas, pelo menos naquele momento, teve uma atitude democrática, o que levou o ministro a atacá-lo e a tentar intervir na universidade. Isso não acontecia desde a ditadura militar. Organizamos atos em defesa do reitor e da democracia. A pressão sobre nós era imensa.



PR: Como a greve foi organizada?



IL: Conseguimos realizar uma greve de três meses porque ela foi organizada pela base. O comando de greve, desde a primeira semana, estava aberto à participação de qualquer pessoa, por decisão da assembleia. Qualquer um podia participar. Muitas pessoas vinham para as assembleias e comitês de greve para prestar solidariedade à nossa luta. Estabelecer um canal de contato entre as pessoas e o comando de greve foi importante não só para organizar as ações do movimento, mas também porque podíamos sentir a solidariedade das pessoas, vimos que não estávamos sozinhos. Todas as informações que tínhamos e todas as decisões sobre a continuidade do movimento foram tomadas coletivamente.



PR: Como os partidos da direita atuaram na greve?



IL: O partido da direita estudantil fez uma mobilização com 100 pessoas em frente ao Probilia, o edifício central da universidade. Neste mesmo dia nossa assembleia reuniu cerca de 600 pessoas. Éramos muito mais fortes. Em uma assembleia de estudantes tivemos a oportunidade de conversar com os alunos que tinham sido convocados pela direita e, em geral, conseguíamos convencê-los das nossas ideias. Este grupo de estudantes, ligados à Nova Democracia, fez tudo o que foi possível para derrotar a greve a partir de seu interior, mas não conseguiram. Buscamos desde o início o diálogo com outros setores, para reforçar a solidariedade entre os trabalhadores que estavam lutando, e íamos para as assembleis para explicar as nossas demandas. Agora, o pessoal da saúde está em greve e os professores certamente entrarão nas próximas semanas. A atitude geral quando falávamos era de compreensão e solidariedade. Éramos muito aplaudidos. A TV tentou manipular e dizer que a sociedade estava contra a greve, pela reabertura da universidade, mas a nossa experiência mostrou o contrário. A reação foi quase sempre muito positiva frente à nossa luta. Uma das razões de tanto apoio social foi a forma como organizamos tudo, pela base. A direção do sindicato era contra a greve. Somos a prova viva de que é possível organizar uma greve democraticamente.



PR: Por que é tão difícil de unificar as lutas na Grécia?



IL: As pessoas estão dispostas a lutar, mas as direções sindicais, não. O governo tentou dividir os trabalhadores, mas conseguimos construir a nossa greve de forma unificada, com todas as universidades públicas. Por exemplo, os professores do ensino médio não se unificaram, e acabaram isolados. Se tivéssemos coordenado a luta dos professores dos institutos com os trabalhadores das universidades, o governo já teria caído. Foi a mesma coisa com os funcionários dos ministérios. Eles foram atacados, mas não reagiram, porque estavam divididos.



PR: O governo, afinal, aceitou as demandas dos trabalhadores?



IL: Não. Eles prometeram muito e não cumpriram nada, fizeram negociações secretas com a burocracia sindical. A nossa resposta a tudo isso foi aprofundar a organização de base, com assembleias e comitês de greve. Depois das negociações secretas, fizemos a maior assembleia da greve, com mais de 1.300 pessoas na Universidade de Atenas. A parte mais difícil da greve foram os ataques econômicos. Recebi em janeiro, por exemplo, menos de 50 euros do meu salário, porque o governo descontou os dias parados. Apesar disso, não hesitamos nem por um momento em organizar a luta para defender os nossos direitos. Estamos em um período de trégua com o governo, o mais provável é que voltemos a nos mobilizar muito em breve, porque os ataques continuam.



PR: As políticas de austeridade vão continuar em 2014. Em sua opinião, qual será o panorama do país com a possível vitória do SYRIZA nas eleições?



IL: Houve uma experiência interessante em 1992. Havia um governo de direita que privatizou parte do sistema de transporte público. Houve uma greve contra a privatização que foi heroica, uma das maiores. Os trabalhadores organizaram caixas de resistência para continuar na luta. O governo da Nova Democracia foi derrubado e o PASOK ganhou as eleições. Antes das eleições, os “socialistas” prometeram cancelar a privatização, mas depois de chegar ao poder, não o fizeram e os trabalhadores continuaram a greve. Os trabalhadores ficaram muito zangados com o PASOK e, no final, sua luta obrigou o novo governo a fazer o que tinha prometido: anular a privatização. A situação agora é muito diferente. A crise é muito profunda. A pressão do capital, do FMI, da UE é imensa. Mesmo que o SYRIZA vença as eleições, isso não será suficiente. Espero que eles vençam, não porque irão mudar a situação, mas para que a ND e o PASOK sejam derrotados.

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