qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A crise grega e a União Europeia

O rebaixamento da nota de qualificação internacional da dívida pública grega em dezembro passado foi o sinal para o desencadeamento de uma grande onda especulativa, que deixou a Grécia em estado de choque e desatou o pânico no seio da União Européia (UE).

O problema era que Grécia devia refinanciar 53 bilhões de euros da dívida em 2010, mas já não podia fazê-lo e ia entrar em falência. No início de 2009 foi a Irlanda quem esteve a ponto de entrar em “default”, ainda que conseguissem finalmente evitá-la. Agora chegou a vez da Grécia, mas não puderam conter a crise e o “resgate” se fez inevitável. A Grécia abriu assim, 11 anos após a implantação do euro, a primeira grande crise da zona do euro e se converteu na ponta do iceberg da profunda crise que perturba a UE.
 
A Grécia vive o final abrupto de uma etapa de crescimento apoiada em um enorme endividamento público e privado e nas subvenções européias. Uma etapa na qual os grandes beneficiários têm sido os bancos alemães, franceses e britânicos, que financiaram o endividamento, e as grandes multinacionais alemãs (e francesas) que se apossaram do mercado grego, a custa de criar um enorme déficit comercial (superior aos 10% de seu PIB). Foram estas empresas as que enriqueceram com o desenvolvimento da rede telefônica e energética do país ou monopolizaram a renovação das frotas de táxis e trens gregos, recorrendo a subornos generalizados, como no caso da alemã Siemens. Neste período, a economia grega tem sido fortemente desnacionalizada, com a companhia telefônica OTE controlada pela Deutsche Telecom, as linhas aéreas nacionais privatizadas e até os portos vendidos à empresa chinesa Cosco. Os bancos e os grandes empresários gregos uniram-se, com entusiasmo, a uma festa que agravou a desigualdade social em um dos países europeus onde esta era mais acentuada (80 grandes armadores possuam um patrimônio equivalente a todo o PIB grego).
 
Mas com a explosão da crise financeira mundial tudo veio abaixo, deixando o país desarmado diante do capital financeiro europeu, enquanto os pilares da economia grega, o turismo, a indústria naval e a construção civil, entravam em uma profunda queda e os bancos gregos – cuja dívida rebaixou as agências de qualificação à categoria de “bônus lixo” (dinheiro podre) – apareciam, ademais, envolvidos em negócios escusos nos países do Leste, a ponto da bancarrota.
 
A Grécia encontra-se afundada em uma profunda recessão. Em 2009 o PIB retrocedeu um 2% e incorreu em um déficit público de 12,8%, que elevou a dívida pública grega até os 115% do PIB (para este ano prevêem o 125%). O pagamento de juros já representa 15% da arrecadação pública. Os 60% desta dívida estão em mãos dos bancos alemães, franceses e britânicos, que são credores de uma dívida total que duplica o PIB grego. O desemprego reconhecido está na casa dos 10% e avança em ritmo acelerado.
 
A reação da União Européia
 
A crise grega colocou a UE em uma situação limite. Quando a Hungria, Romênia ou Letônia (que são membros da UE, mas não da zona euro) estavam a ponto de suspender os pagamentos, a UE encarregou o “salvamento” ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem a UE trabalha lado a lado nos “planos de ajuste” que estão levando a devastação a estes países. Mas a Grécia é um país da zona do euro e a entrega do “resgate” ao FMI representaria não só um enorme descrédito da UE, senão a intromissão dos EUA (através do FMI) no controle do Banco Central Europeu (BCE) e nas finanças públicas européias.
 
O capitalismo alemão (cujos bancos são os principais ameaçados pela quebra grega) sabe que está obrigado a intervir, e que vai ter que fazê-lo burlando as normas que ele mesmo impôs. Normas que proíbe os países da UE e o BCE em “resgatar” um país membro da quebra, salvo por razão de “desastres naturais ou circunstâncias que escapem ao controle dos Países”. Contudo, têm imposto condições draconianas para a “ajuda”: só o concederá “ajuda” se a Grécia cumprir um brutal programa de ajuste imposto pela EU, e se a Grécia lhe entregar o controle de sua economia. Chama a atenção o escândalo montado pela mídia sobre a falsificação das contas gregas (orquestrada pelo banco norte-americano Goldman Sachs, a troco de embolsar 300 de milhões de euros), quando eram perfeitamente conhecedores dos fatos e quando foram muitos países, incluídos a Alemanha e a França, os que recorreram à “contabilidade criativa”, ou seja, falsificada, no momento do acesso ao euro.
 
O plano de choque grego
 
O governo “socialista” de Yorgos Papandreu, que há dois meses prometia subir o salário dos empregados públicos que ganhavam menos, se converteu agora no “vice-rei” do capitalismo alemão e francês. O plano de choque imposto pela UE e assumido como seu pelo governo grego, representa um empobrecimento brutal do país e vai provocar uma profunda depressão da economia grega.
 
A chave do plano é o corte de 4 pontos do déficit público grego em 2010, para chegar a um déficit de 2,8% em 2012. Para consegui-lo, propõem-se reduzir os salários dos empregados públicos entre 5 e 20%, mais ainda no caso dos professores do ensino fundamental e universitário. Ao que se somam uma redução da folha de pagamento, através da substituição de somente dois empregados públicos a cada 10 que se aposentarem. Para se ter a dimensão da medida é preciso levar em conta que os empregados públicos representam 20% da população assalariada grega.
 
O governo propõe, também, um incremento da idade média de aposentadoria dos atuais 60 anos para 63 e elevar a idade de aposentadoria das mulheres de 60 para 65.  Soma-se a isto uma fortíssima redução dos subsídios sociais e cortes brutais nos investimentos para os hospitais públicos e, inclusive reduz-se a despesa militar. Há um grande aumento dos impostos (moradia, gasolinas, fumo, álcool, incremento geral do imposto sobre a renda e o aumento do IVA[1] de 19 para 20%), enquanto declaram uma anistia fiscal e reduções de impostos aos empresários. As medidas completam-se com a privatização do que ainda restou do patrimônio público grego.
 
O alemão Jürgen Stark, economista chefe do BCE, expressou-o sem rodeios: “Isto é o mínimo absoluto que tem que ser colocado em prática imediatamente e serão necessárias mais medidas à luz da deterioração significativa da situação”.
 
A Grécia está sofrendo um ultimato: ou aceita nossas condições de “resgate” ou é expulsa do euro. O “plano de ajuste” da UE significa devastar o país e sangrá-lo em benefício do capital financeiro. Sua saída do euro, no marco do reconhecimento da dívida e do capitalismo, significaria igualmente chegar à mesma ruína, só que de modo mais brusco, à maneira argentina: através de uma enorme desvalorização da moeda, o aumento da dívida pela própria desvalorização, a suspensão dos pagamentos, o empobrecimento súbito do país, um acelerado retrocesso econômico e uma grande inflação importada.
 
Convertem a Grécia em um protetorado
 
A crise grega está mostrando cruamente que quem manda na UE é a Alemanha e França, que a UE é, antes de tudo, um instrumento do capital financeiro alemão e francês e que este está convertendo a Grécia em um protetorado econômico, no qual todas as medidas econômicas são impostas e controladas de fora pelas duas principais potências européias. Esta submissão de um povo orgulhoso como o grego, chegou à humilhação quando no mesmo dia em que Papandreu se encontrou com o presidente francês Sarkozy e encenava sua vassalagem, ambos anunciavam a compra pela Grécia de 20 aviões Eurofighter da Alemanha e de seis fragatas da França.
 
Mas a vassalagem da Grécia não é algo casual. Longe de ser um caso isolado, abre o caminho à periferia da UE. Em realidade, a “governança econômica européia” da que falam, não é outra coisa que isso.
 
A crise da União Européia
 
A UE tem um problema de fundo insolúvel, e é o que a diferencia dos EUA. A UE não é (nem nunca será) um país único, com um governo e orçamentos únicos e regras comuns. Ao contrário, é um bloco imperialista de países, dominado por seus dois imperialismos centrais, Alemanha e França (rivais entre si), no qual se agrupam imperialismos de segunda e terceira ordem, junto a países, como os do Leste Europeu, que são semicolônias econômicas das grandes potências européias, em particular da Alemanha.
 
A criação da União Monetária Européia não se deu sobre a base de um País unificado, senão sobre o estabelecimento do domínio financeiro direto do capitalismo alemão-francês, através do BCE, sobre um conjunto de países tremendamente díspares, que renunciaram a emitir moeda e a ter uma política monetária própria. Isto permitiu uma poderosa expansão e fortalecimento do capitalismo alemão e francês, que aproveitaram a época das “vacas gordas” para estender e afiançar seu domínio comercial e industrial sobre o mercado europeu. Mas agora, com a crise, mudam de curso e os enormes fundos emprestados pelos bancos alemães e franceses correm perigo e desprotegem os mercados de exportação de suas multinacionais.
 
No entanto, o problema não é a Grécia, que representa 2,7% da economia da UE. Wolfgang Münchau, diretor associado do Finantial Times, em um recente artigo (“Por que me preocupa mais Espanha do que a Grécia”), diz: “Pode ser que a Alemanha se mostre arredia a resgatar a Grécia por todo tipo de razões, mas Alemanha o fará. Mas não é concebível que Alemanha possa resgatar a Espanha. Alemanha e França juntas não podem resgatar a Espanha. Espanha é demasiado grande”. E a questão não é sequer a Espanha, porque sua quebra arrastaria Portugal, Itália, Irlanda ou a própria Bélgica. O contágio significaria o colapso do euro, da zona do euro e da própria UE e abriria uma crise de dimensões desconhecidas.
 
A aguda crise dos países da periferia européia ocorre no meio de uma onda depressiva que afeta igualmente de cheio aos imperialismos centrais europeus. O retrocesso do PIB alemão em 2009 foi de 4,9% e o da França de 2.2%. Nos casos da Itália e Grã-Bretanha atingiu 4,8%. Para este ano, a UE prevê um crescimento raquítico (“crescimento” com crescente desemprego) sobre o que pende – advertem – o perigo de uma “recaída”, como consequência da suspensão de ajudas governamentais. A dívida pública da Alemanha, França e Grã-Bretanha atingirá ou superará 80% de seu PIB em 2010. Para não falar da Itália (ou Irlanda), que chegará a 120%, como a Grécia. Com o ônus a cada vez mais insuportável dos juros que isso representa. As emissões da dívida pública previstas para 2010 da França, Alemanha e Itália são enormes, da ordem de 25% de seu PIB.
 
Apoiar os trabalhadores e o povo grego
Romper com a UE e construir a Europa dos trabalhadores e dos povos
 
A crise grega aparece como uma declaração formal de guerra social do grande capital europeu e coloca a Europa em uma situação nova. Para salvar-se precisam atacar frontalmente as conquistas da classe trabalhadora, incluída a dos países centrais, e empobrecer e submeter a “vassalagemos países da periferia, como a Grécia. Seu objetivo último é impor-nos um retrocesso de décadas.

Situações como a da Letônia, país membro da UE “resgatado” conjuntamente pelo FMI e a UE, mostram até onde podem chegar suas pretensões: A economia da Letônia, submetida a um “programa estratégico de desvalorização interna”, retrocedeu em dois anos a mais de 25% (18,3% em 2009), o que é equiparável à destruição de um país em consequência de uma guerra ou uma catástrofe natural de enormes proporções.
 
Há setores da esquerda que propõe a “democratização” da UE e exige dela uma política “social e ecológica”. Isto, que parece ser um programa “realista”, é na realidade uma armadilha reacionária. A UE é um instrumento do grande capital europeu contra os trabalhadores europeus e contra os povos do mundo, uma invenção antidemocrática que não admite reforma. Ainda que não seja compartilhado pela maioria da esquerda, o período aberto na Europa vai obrigar a retomar a via revolucionária. Porque não vamos poder fazer diante da brutal ofensiva capitalista e assegurar a verdadeira unidade européia, sem tomar medidas de expropriação do capital e sem nos unirmos em uma Europa dos trabalhadores e os povos.
 
A dura realidade é que Grécia só pode fazer frente à situação catastrófica que lhe ameaça declarando o não reconhecimento da dívida que lhe afoga, rompendo com a UE e adotando medidas drásticas como a expropriação dos bancos, a nacionalização das empresas estratégicas sob controle dos trabalhadores, a escala móvel de horas de trabalho para que todos trabalhem e o estabelecimento do monopólio do comércio exterior. Com plena consciência de que seus problemas não poderão ter soluções isoladas, senão com o apoio da classe trabalhadora européia e no avanço para os Estados Unidos Socialistas da Europa.
 
Estamos diante do início de uma grande ofensiva de longo alcance. Mas isso não vai ser fácil aos capitalistas. A combatividade dos trabalhadores e do povo grego, vanguarda da luta européia, com suas duas greves gerais nos dias 10 e 24 de fevereiro, mostraram que não será fácil lhes enganar. Diferente do último ano e meio de passividade, há mostras de que as mobilizações de resistência vão tomando um impulso sustentado, como se expressa nas greves da Itália (Cerdeña, FIAT-Sicília), na dos empregados da British Airways, Lufthansa ou nos trabalhadores das refinarias Total na França, ou na mudança que parece apontar no Estado espanhol.
 
É no curso deste longo e complicado processo que agora se abre que deveremos ir construindo a nova direção revolucionária que a classe trabalhadora européia necessita.
 

[1] Imposto de Valor Agregado – imposto cobrado em todo processo de vendas de produtos (transferência de bens e serviços) que acaba sendo financiado pelo consumidor final.
 

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