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sexta-feira, abril 19, 2024

Sentimento antiausteridade torna Corbyn líder

Mas o Trabalhismo pode derrotar a austeridade?

A vitória esmagadora com 59,5% (mais do que Tony Blair recebeu em 1994) e 251.417 votos para Jeremy Corbyn na eleição interna do Partido Trabalhista (Labour Party) deveu-se a uma profunda oposição à austeridade, às políticas de direita da ala de Tony Blair e ao status quoEla representa um enorme mandato para combater os ataques do capitalismo à classe operária. Os membros do Partido Trabalhista, apoiadores individuais e sindicalizados compuseram um total de mais de 400.000 eleitores.
O Daily Mirror, que é pró-trabalhista, apoiou a campanha de Andy Burnham, bem como algumas lideranças sindicais. Algumas regionais e líderes sindicais foram forçados a mudar do apoio a Burnham para Corbyn, devido a pressão exercida pela base. Muitas reuniões realizadas por Corbyn em todo o país atingiram mais de 1.000 pessoas entusiasmadas para construir um novo Partido Trabalhista e muitos queriam: um partido que lutasse contra a austeridade e não implementá-la; que não apoiasse a guerra contra outros países ou imigrantes, e que se opusesse às leis antissindicais, apoiasse a estatização e os serviços públicos.
Após Corbyn tornar-se líder, outros 40.000 filiaram-se ao Partido Trabalhista, aumentando a adesão para 352.000. E, certamente, alguns deles estão dando seu primeiro passo político para lutar pelos seus direitos.
Mas o Partido Trabalhista é um partido dominado por políticas burguesas e pela ala direita, mas, devido à possibilidade da afiliação individual e através dos sindicatos (trata-se de afiliação em massa dos sindicalizados), os trabalhadores também estão presentes. O Partido Trabalhista foi construído pelos sindicatos e pela classe trabalhadora, mas a partir de 1914 e ao longo de muitas décadas ele degenerou no “Novo Trabalhismo” (New Labour) e tornou-se, portanto, um partido burguês-operário, dominada pela direita e pela burocracia sindical.
Sob os líderes pró Tony Blair, o Partido Trabalhista viu sua afiliação partidária cair drasticamente, bem como seus votos em eleições gerais. Então, eles introduziram o sistema de apoiadores individuais à taxa anual de £ 3. Estes apoiadores e a tradicional afiliação via sindicatos permitiram a participação muitos trabalhadores e jovens na campanha de Corbyn.
O tamanho de sua vitória torna uma rebelião da direita contra o novo líder muito difícil e alguns dos principais comentaristas de direita do Partido Trabalhista estão aconselhando a oposição a não ir embora, mas a participar da liderança e esperar por sua chance.
Por que essa luta acontece no Partido Trabalhista? Porque não existe uma alternativa, como o Syriza (Grécia) ou Podemos (Espanha) que se firmaram a partir da destruição dos partidos social-democratas europeus. Nem o TUSC (Coalizão Sindical e Socialista) ou o Left Unity (União da esquerda) são vistos como uma alternativa de massas.
Aqueles que votaram em Corbyn querem algo mais. A ampla oposição aos Tories (Partido Conservador), aos Lib-Dem (Partido Liberal Democrata) e à política de Ed Miliband (líder anterior do Partido Trabalhista, derrotado nas últimas eleições gerais na Inglaterra) de fazer com que a classe trabalhadora e o povo paguem pela crise do capitalismo começou a encontrar uma voz nacional e mostra que se o Partido Trabalhista tivesse um programa antiausteridade ele teria conseguido, provavelmente, vencer a última eleição geral.
Corbyn é minoria na liderança do Partido Trabalhista
Corbyn teve o apoio minoritário de apenas 20 entre os 232 parlamentares do Partido Trabalhista Parlamentar [a bancada parlamentar do partido]. Seu gabinete sombra [1] de 31 parlamentares tem apenas três de seus apoiadores. Os demais apoiaram Burham (9), Cooper (9) e Kendall (1), não declararam seus votos – mas alguns participaram do Gabinete sombra de Miliband – além de dois Lordes e um membro do Conselho Privado (Privy Council) também foram escolhidos.
Assim, Corbyn aceita o Conselho Privado, uma tradição da classe dominante de 1659, quando a monarquia foi restaurada. O "Honorabilíssimo Conselho Privadode Sua Majestade" é um órgão não eleito de conselheiros da rainha. Seus membros são políticos veteranos, principalmente membros (atuais ou antigos) da Câmara dos Comuns ou da Câmara dos Lordes [2], e inclui também líderes da igreja, militares e policiais.
O Partido Trabalhista Parlamentar e o gabinete sombra trabalhista não reflete o sentimento pró-Corbyn na base. Este sentimento mostra que é possível organizar uma luta e vencer a ala pró-austeridade de Tony Blair. É um golpe contra a ala direita do partido, porque a vitória do Corbyn é o reflexo eleitoral do desejo dos trabalhadores e da juventude de lutar contra a austeridade.
Se um candidato de direita tivesse vencido, o Partido Trabalhista teria perdido ainda mais credibilidade. Assim, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que a ala direita foi derrotada, é a sua salvação. E, portanto, Jeremy Corbyn salvou o Partido Trabalhista de uma queda ainda maior.
O Partido Trabalhista está sob o controle dos parlamentares trabalhistas e da burocracia sindical, e tem ligações profundas com o sistema financeiro. Corbyn é o novo líder de um partido que ele não controla. As políticas pró-austeridade são aplicadas em todas as cidades onde o Partido Trabalhista governa. Mesmo onde conselheiros trabalhistas mudaram seu voto e disseram apoiar Corbyn, o Conselho Municipal [2] aprovou cortes no orçamento público ao longo dos últimos quatro anos.
Para corresponder às reivindicações de seus eleitores, Corbyn teria que lutar contra os parlamentares e suas políticas pró-austeridade no Partido Trabalhista. Se não o fizer, o apoio recebido terá sido em vão.
A crise mundial continua
O jornal The Economist adverte os Conservadores contra sua complacência e diz: "O populismo e o descontentamento que o levaram à liderança não só vai diminuir … Não há nada para comemorar sobre a vitória de Corbyn. Para a Grã Bretanha, é um grave infortúnio". (edição eletrônica de 19 de setembro)
E continua:" Só no túnel do tempo da fraternidade da esquerda radical do Sr. Corbyn um programa de reestatização e o incentivo a um maior ativismo sindical poderiam ser a solução para a desigualdade". Mas, neste ataque, eles reconhecem que a desigualdade tem aumentado rapidamente.
De forma alarmante para os capitalistas o Economist também diz: "No entanto, o líder da oposição está a apenas um evento desastroso do governo Tory para chegar ao poder”. [3]
O que faz o Economist tão alarmista? São os problemas internos no Partido Conservador (Tory), que vive profundas divisões: propostas de Osborne para mais cortes de orçamento das cidades (foram conselhos conservadores nas cidades que dirigiram a rejeição a novos cortes, que vão fechar mais serviços públicos); fim de crédito para a população de baixa renda (alguns parlamentares conservadores acham que tal brutalidade contra os trabalhadores pouco remunerados vai provocar a ira de seu eleitorado) e o referendo sobre a UE (há uma divisão no Partido Conservador entre favoráveis e contrários à permanência na União Europeia).
Mas sua preocupação é também devido a outros fatores: a economia mundial não se recuperou do golpe de 2008; a queda nas bolsas de valores da China e do mundo; o banco central dos EUA congelou sua taxa de juros preocupado com a fragilidade da economia mundial; os efeitos da estagnação da economia em grande parte da Europa.
Andy Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra, sugeriu que os juros do Reino Unido devem ser cortados novamente, apesar de toda o alarde sobre a recuperação econômica de Cameron (o atual primeiro ministro conservador). Ele disse: "Os recentes acontecimentos constituem a última etapa do que poderia ser chamado de uma trilogia da crise em três partes. A primeira parte da trilogia foi a crise ‘anglo-saxônica’ [refere-se aos EUA e Inglaterra] de 2008-09. A segunda foi a crise da “zona do euro’ de 2011-12. E agora estamos entrando nas fases iniciais de terceira parte da trilogia, a crise do 'mercado emergente', a partir de 2015". Os problemas econômicos do Brasil e da Rússia aprofundam-se rapidamente.
Este panorama mostra o simples fato de que, apesar da desigualdade produzir terremotos políticos, a UE e o capitalismo  britânico vão por uma via de mão única: impor mais desigualdade, que vai levá-los também a piorar o próprio sistema que defendem. A crise do capitalismo mundial só pode trazer mais guerras, mais convulsões e mais revoluções. O capitalismo britânico pode continuar punindo os trabalhadores, mas não vai resolver os seus problemas mais profundos.
Vivemos em um mundo de guerras e revoluções. Os milhões que são forçados a caminhar pela Europa são um produto da brutalidade do capitalismo, que só pode ser explicada pela forma como a crise mundial conduz, incluindo a Grã Bretanha, a guerras contra as nações menores e os povos do planeta.
Continuar a luta contra a austeridade
O capitalismo britânico está tão dominado pelas transnacionais que até cortes de insignificantes subsídios para soluções verdes são realizados, o que arrasta nosso futuro para as mãos de projetos energéticos nucleares e do fracking (produção de petróleo do xisto, através de rupturas do solo).
Embora rebeliões de diferentes setores da população possam se dar contra muitos desses projetos, a austeridade e o capitalismo só podem ser derrotados pela classe operária e pela revolução.
Jeremy Corbyn não é nem marxista, nem revolucionário, mas apenas o fato do novo líder do Partido Trabalhista opor-se à austeridade é uma ameaça ao capitalismo. Sua posição pode ajudar a desencadear renovadas lutas da classe trabalhadora.
Os partidários de Corbyn querem transformar o Partido Trabalhista em um partido operário combativo, mas essa luta não pode ser dirigida por reformistas. Muitos membros querem um novo Partido Trabalhista, mas este partido é controlado e financiado pela sua ala direita (incluindo-se a burocracia sindical) e o sistema financeiro.
Como o governo Tory não vai recuar, o voto em Corbyn é o primeiro sinal das lutas das massas que estão por vir. Estas ocorrerão contra o desejo dos líderes sindicais, da direita do Partido Trabalhista e de muitos no gabinete de Corbyn.
O desejo de lutar contra o capitalismo vai levar a conclusões revolucionárias e ao desejo de construir um partido revolucionário, mas o Partido Trabalhista não pode se transformar nele. E os recuos de Corbyn e sua acomodação à política dos parlamentares trabalhistas pró-austeridade mostram que ele não vai liderar esta luta.
A conferência do Partido Trabalhista
A força da pressão da base será testada na conferência do Partido Trabalhista, de 27 a 30 de setembro. Um dos temas em debate é sobre a capacidade nuclear e a manutenção do submarino nuclear Trident. O vice-líder trabalhista, Tom Watson, e o secretário sombra de Relações Exteriores, Hilary Benn, apoiam sua manutenção [4]. Corbyn tem que travar uma luta contra o Trident na conferência.
Tem havido uma enorme pressão da imprensa, incluindo o Guardian para fazer Corbyn seguir uma linha patriótica, pela Rainha, Deus e a Pátria [5]. Dizem que ele não deve falar apenas em nome sua tendência política, mas de todos no Partido Trabalhista.
Infelizmente, essa pressão tem causado um recuo em sua oposição à UE e à OTAN. Ele diz que apenas uma invasão aprovada pela ONU pode ser apoiada. A ONU, no entanto, em 1990, autorizou a invasão e anexação do Iraque e também concordou em aplicar sanções financeiras e comerciais ao Iraque, o que criou uma crise humanitária no país, mas não apoiou o movimento de resistência a Saddam Hussein. No início de 1990, os capacetes azuis da ONU eram vistos como um exército de ocupação pelos bósnios, e não como uma força de paz e tentou bloquear a ajuda e envio de armas ao povo da Bósnia, que eles precisavam para sobreviver e se defender. Ela também aprovou a ação militar no Congo. É uma arma do imperialismo.
Até onde Corbyn irá para contra o capitalismo deve-se à pressão da juventude e dos ativistas sindicais organizados para levar a classe trabalhadora a tomar as ruas para desafiar as leis antissindicais; opor-se aos ataques aos benefícios e serviços públicos; e exigir que os refugiados sejam bem-vindos na Grã Bretanha.
Corbyn precisa ganhar o Partido Trabalhista e a conferência para apoiar e exigir que os refugiados sejam bem-vindos e que todos os imigrantes tenham o direito de ficar e de trabalhar.
Para lutar contra a direita do gabinete sombra, Corbyn tem que defender a mobilização da classe trabalhadora. Políticas de austeridade nos conselhos trabalhistas municipais devem ser combatidas e deve ser dado todo apoio às mobilizações dos trabalhadores: greves, piquetes e ocupações. Isto é, como Lenin dizia, as palavras têm que se transformar em fatos. Existem, portanto, muitos combates que devem ser dados conferência do Partido Trabalhista
A Liga Socialista Internacional (International Socialist League) defende a construção de um amplo movimento antiausteridade contra o governo central e todos os conselhos municipais e, ao mesmo tempo, defende a construção de um partido revolucionário, porque nenhum outro partido pode derrotar a austeridade.
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Notas:
[1] – Na Grã Bretanha, o principal partido de oposição no parlamento forma um gabinete paralelo, chamado gabinete sombra, que elabora políticas de governo e faz debates com seus pares do gabinete oficial em sessões parlamentares.
[2] –  A Câmara dos Lordes, não eleita, constitui a câmara alta do Parlamento, semelhante ao Senado, mas com funções diferentes. Lorde (do inglês lord) é um título de nobreza, correspondendo originalmente a um título de autoridade feudal. Cabe à Rainha conceder o título de Lorde.
[3] – As cidades são governadas por um Conselho Municipal, eleito proporcionalmente aos votos conseguidos por cada partido. Os conselheiros do partido majoritário aplicam a política de seu partido onde governam. Portanto, costuma-se falar de “conselho trabalhista” onde o Partido Trabalhista obtém maioria, o mesmo para o “conselho conservador”. Apenas nas grandes cidades há a figura do prefeito, como em Londres ou Liverpool.
[4] – O jornal refere-se aqui principalmente a uma condução errada da política econômica, que poderia levar, por exemplo, a uma queda abrupta das ações na Bolsa de Londres.
[5] – A base militar do Trident está localizada na Escócia, e foi um dos principais pontos de debate no referendo sobre a independência da Escócia, realizado em 2014. Os favoráveis à independência são contra a manutenção dessa base em território escocês.
[6] – Pela Rainha, Deus e a Pátria (For the Queen, God and Country) são os valores sagrados da monarquia, sintetizados no hino nacional britânico: God save the Queen.

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