qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Homenagem a Peter Fryer (1927-2006)

Jornalista socialista, pesquisador e cronista da revolução húngara

 

Ao dia 31 de outubro – aos 79 anos – morreu o jornalista revolucionário e escritor socialista inglês Peter Fryer, o qual se destacou, dentre outras coisas, por ter sido enviado especial à Revolução Húngara de 1956, testemunhando diretamente os acontecimentos da luta de classes – então desde as fileiras do Partido Comunista da Grã-Bretanha. Sua morte ocorreu – por uma descomunal coincidência – justamente no cinqüentenário desta grande revolução proletária. Peter Fryer, de origem social operária, nasceu em 18 de fevereiro de 1927. Foi contemplado com uma bolsa de estudos do Hymer's College, em 1938, onde se graduou. Inicialmente anarquista, Fryers aproximou-se definitivamente do Partido Comunista Britânico sob o impacto dos esforços do Exército Vermelho – que impôs a derrota militar à Alemanha nazista – durante a Segunda Guerra Mundial.

Fryer tinha se unido à Liga da Juventude Comunista, em 1942, e ao Partido Comunista, em 1945. Juntou-se à equipe do jornal Daily Worker – órgão oficial do PC – atuando principalmente como correspondente no parlamento inglês. Em outubro de 1956 foi enviado à Hungria para cobrir a insurreição. Os informes enviados, que incluíam a brutal repressão das tropas russas sobre as massas húngaras, foram censurados ou diretamente suprimidos pela direção stalinista do PC inglês. Foi expulso primeiro do jornal e depois do PC inglês, "por publicar na imprensa burguesa ataques ao partido comunista" – nas palavras de seus detratores. Seu livro, "A Tragédia da Hungria", foi escrito com base em vários daqueles artigos e foi publicado pouco tempo após o término da revolução, constituindo registro fundamental desta revolução política, operária e popular, contra a ditadura stalinista.

 

A denúncia do crime stalinista contra a Revolução Húngara

 

Os informes de Fryer contrapuseram-se frontalmente à linha oficial do PC, que caracterizava a insurreição húngara como se não passasse de uma contra-revolução, reacionária e fascista. Sobre a revolução que presenciou Fryer afirmou que "não era nem organizada, nem controlada por fascistas ou reacionários, mas pelo povo comum da Hungria: operários, camponeses, estudantes e soldados". Na verdade, Fryer relatou os fatos tal como os encontrou: nem mais, nem menos. Já tinha coberto os prelúdios embrionários da insurreição húngara para o jornal e, após o discurso secreto de Khrushchev em 1956, expôs algumas das abomináveis realidades do domínio de Stálin. Mas agora se viu diretamente confrontado nas ruas da Hungria com soviets "anti-soviéticos" – na verdade, anti-stalinistas -, e aos corpos de trabalhadores revolucionários ao chão, metralhados pelas mesmas autoridades que se reivindicavam "comunistas". Os dirigentes do jornal e do partido simplesmente recusaram-se a ratificar seus relatos.

 

A descrição de Fryer dos soviets "anti-soviéticos" húngaros – ressaltados por sua "notável semelhança, em muitos aspectos, aos conselhos de operários que surgiram na Rússia durante as revoluções de 1905 e – é vívida e rigorosa: "estes comitês, que se estenderam em cadeia por toda a Hungria, desde o começo se mostraram órgãos da insurreição – reunindo os delegados eleitos em fábricas, universidades, minas e unidades do exército e órgãos de auto-governo popular, que gozavam de ampla confiança do povo armado. Como tais, tinham tremenda autoridade, e não é exagero afirmar que até o ataque soviético de 4 de novembro o poder real do país estava em suas mãos". Fryer estava em Budapeste quando os russos lançaram – durante quatro dias e quatro noites ininterruptas – bombardeios que deixaram vastas zonas da cidade, sobretudo os bairros operários, praticamente em ruínas. Quando enviou suas informações, desmascarando o crime stalinista contra a revolução operária na Hungria, o jornal seqüestrou seus informes e, subseqüentemente, o Partido Comunista da Grã-Bretanha expulsou-o de suas fileiras.

 

Fryer, a imprensa operária e o movimento trotskista

 

Depois de romper com o stalinismo – junto a diversos intelectuais e historiadores ingleses, no mesmo período, tais como R. Williams, E. P. Thompson e E. Hobsbawn – uniu-se às então incipientes fileiras do movimento trotskista inglês. Em 1957 editou, junto a Gerry Healy, o jornal The Newsletter – publicado pelo grupo "The Club", transformado depois em Socialist Labour League (Liga Socialista dos Trabalhadores), publicação regular com alguma influência no movimento operário -, do qual se afastou em 1959. Depois de 1985, colaborou – mesmo sem chegar a se filiar – com o semanário político Worker's Press, editado pelo Worker's Revolutionary Party (Partido Revolucionário dos Trabalhadores). Colaborou com a publicação de Labour Review até seu rompimento com o dirigente trotskista britânico G. Healy.

 

Fryer, tornado editor de The Newsletter, promoveu conferências de base destinadas a sindicalistas perseguidos pelo patronato, pela direita trabalhista e pelos "comunistas" do PC. Contudo, Healy centralizou o controle do jornal The Newsletter – tornando-o órgão oficial da SLL, em 1959 -, rompendo desta forma com tais experiências de base, sua natureza suprapartidária bem como com sua estreita relação com a nascente "New Left" (a Nova Esquerda britânica), movimento político-intelectual surgido após as rupturas anti-stalinistas provocadas pelos acontecimentos de 1959 – a invasão soviética à Hungria e a ofensiva anglo-israelense ao Egito – e socialmente alentado pela Campanha pelo Desarmamento Nuclear: galvanizador político-social da esquerda que orbitava fora das zonas de influência trabalhistas e "comunistas". Fryer, após a centralização do jornal, demite-se de seu comitê editorial.

 

A partir de então passa a se dedicar à mais rigorosa pesquisa historiográfica, no interior da tradição marxista britânica, versando sobre diversos temas acerca das várias relações e formas de opressão social e política no Reino Unido e no mundo. Entre seus principais livros se encontram "Oldest Ally", 1962 (traduzido ao castelhano como "Portugal de Salazar"); "Staying Power: The History of Black People in Britain", 1984 e "Rhythms of Resistance", 2000.

 

A obra revolucionária e o jornalismo socialista de Fryer

 

Em seu livro "A Tragédia da Hungria", consta o parágrafo: "'Na República Popular Húngara', diz a Constituição de 1949, 'todo o poder pertence à classe trabalhadora'. Por pouco tempo, neste outono, essa afirmação foi uma realidade. O povo teve o poder e não o abandonou senão depois de uma luta terrivelmente tenaz. A cada dia passado, desde que cessou a luta, vêm à luz notícias que confirmam a principal afirmativa deste livro: que a agitação na Hungria foi o movimento de um povo contra a tirania, a pobreza, a ocupação e a tutela estrangeiras. A revolução foi derrotada, ou melhor, afogada em sangue e enterrada entre escombros e mentiras – mas o movimento continua, tenaz, desesperado, aparentemente inexorável. O proletário industrial da Hungria está demonstrando diariamente, para o mundo inteiro, seu inabalável desafio a um governo fantoche, sustentado por armas estrangeiras, que tem a audácia de se chamar a si mesmo 'governo operário e camponês'. O governo ameaça com demissões, adula, embuste e suborna com ofertas de alimentos, mas os trabalhadores provam que eles são os verdadeiros senhores. Os trabalhadores das minas estão prontos a inundá-las, enquanto os operários das fábricas se recusam a voltar ao trabalho. Preferem a fome e a ruína à submissão. Este é um povo cujo espírito de luta será muito difícil de quebrar."

Após a implosão do WRP – partido trotskista inglês – durante a greve mineira de 1984-5 e a desaparição de Healy do cenário político, Peter Fryer retornou à práxis revolucionária, e recomeçou a escrever uma coluna regular no Worker's Press. Foi então que demonstrou o auge de suas qualidades jornalísticas. Era extremamente rigoroso em termos da qualidade da escrita, além de talentoso polemista. Se em seus textos mostrava-se um crítico intransigente a favor da excelência das matérias a publicar, pessoalmente nunca deixou de encorajar entusiasticamente que cada trabalhador sempre escrevesse, por seus próprios punhos, os relatos da vida e da luta operária – em todas suas nuances.

 

Exímio jornalista revolucionário, Fryer era um escritor afinado com a concepção leninista de imprensa – em especial a importância fundamental atribuída ao jornal revolucionário, enquanto organizador coletivo, e o papel imprescindível de seus correspondentes operários no seu interior -, tendo sempre se preocupado em alcançar uma ampla audiência política, de base operária e popular. Neste sentido, ministrou diversas oficinas – sempre para a base de trabalhadores, militantes e escritores socialistas – sobre como escrever para as multidões e, como resultado desta experiência, escreveu um livro que se tornou referência obrigatória a este respeito, sob o título "Lucid,Vigorous and Brief: advice to new writers" ("Lúcido, Vigoroso e Breve: dicas para novos escritores"). A orelha do livro dá bem a dimensão do conteúdo da obra e, em síntese, do caráter do próprio escritor: "Quer saber quando usar um travessão ou uma vírgula? A orientação de Fryer para uma escrita clara é particularmente eficaz para alfinetar a pompa e evitar a pretensão. Inclui capítulos em temas tais quais 'como escrever uma sentença', 'como escrever um parágrafo', 'como escrever um artigo', 'como escrever uma notícia' e as características indispensáveis a um escritor cuidadoso. Conhecido como experiente jornalista socialista, o estilo do Fryer e suas dicas são úteis para qualquer um que precisa escrever para ser compreendido, particularmente no que se refere à prática do jornalismo e da reportagem".

 

"No Brasil, Peter falou aos mineiros em inglês, idioma dos donos e gerentes das minas"

 

Peter Fryer já era um jornalista e escritor trotskista experiente e consagrado em 1986, quando esteve no Brasil, e depois em viagem por outros países da América Latina, para conhecer as seções da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) de Argentina, Bolívia, Peru e Colômbia. Fryer viajou ao Brasil a partir de um relacionamento estabelecido, naquele momento, pela corrente do WRP inglês e a LIT-QI.

A partir dos relatos dessa viagem, ele produziu o livro "Crocodiles in the Streets: a report on Latin America" ("Crocodilos nas Ruas: um relato sobre a América Latina") – ironia que traduz como a maioria dos europeus e norte-americanos imagina os países da região.

 

O internacionalismo proletário e os possíveis laços com o movimento trotskista na América Latina, bem como seus interesses pessoais – sua filha casara-se com um brasileiro -, levaram-no a realizar a viagem.

 

Convidamos Fryer a conhecer algumas cidades de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Seu interesse não eram as "exóticas paisagens tropicais" do Brasil, mas sim a genuína intenção de conhecer a experiência e organização do movimento operário brasileiro, em particular os setores mais explorados e lutadores e – em especial – as frentes de trabalho da então Convergência Socialista (principal corrente formadora do PSTU) neste movimento.

 

O jornalista esteve com os trabalhadores das minas de ouro da cidade de Nova Lima (MG), exploradas por uma multinacional de origem sul-africana. Ali Fryer falou, emocionado, para uma assembléia de mineiros. A mesma categoria havia protagonizado uma grande greve nos anos anteriores, na terra natal de Fryer, medindo forças com o governo de Margaret Tatcher. Ele discursou em apoio aos mineiros em inglês, idioma usado pelos donos e gerentes das minas. Uma experiência inédita para os trabalhadores.

 

Ele também foi ao Rio de Janeiro – conhecendo tanto os bancários da capital, quanto os trabalhadores da Baixada Fluminense – e passou também por São Paulo. Na Baixada Fluminense, visitou sua filha que morava no Brasil, casada com um trabalhador fluminense, o qual só nessa viagem pôde conhecer pessoalmente.

 


Como gostava de dizer Nahuel Moreno – dirigente trotskista e fundador da LIT-QI -, é um "tipo humano" que irá deixar saudades.

 

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