sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A situação na Grã-Bretanha

Os Democratas Liberais[1] sentiram uma dramática mudança na sua situação com o resultado das eleições locais realizadas em 5 de maio, onde foram punidos nas urnas com a perda de 11% dos votos.

 A punição foi consequência de sua ajuda no ataque às matrículas escolares, aos empregos e aos serviços públicos devido à sua participação no governo de coalizão.
 
O Partido Trabalhista foi o maior beneficiado por este voto de protesto, mas ele também está levando a cabo o desmantelamento dos serviços públicos dos Conselhos[2] que dirigem. Seus líderes estão de acordo com a redução do déficit através de cortes.
 
Mas na Escócia o Partido Trabalhista também foi punido, no pior resultado em 80 anos, pois os eleitores despejaram seus votos no nacionalista SNP [3], contra os “Dems Libs” e o Partido Conservador, ou Tory (líder da coalizão governamental). O programa do SNP incluiu: nenhuma mensalidade escolar, nenhuma cobrança por remédios e tratamentos pelo NHS (Serviço Nacional de saúde), assistência social aos idosos, merenda escolar gratuita para crianças de 5 a 8 anos, contra a privatização dos Correios e contra a construção de submarinos nucleares na Escócia. Este é um programa à esquerda do Partido Trabalhista, mas não é um programa anticortes.  
 
O novo governo do SNP, da mesma forma que os Conselhos trabalhistas, está começando a efetuar duros cortes nos serviços públicos e dos Conselhos que dirige na Escócia, a partir do corte do Orçamento aprovado em abril com o apoio dos trabalhistas. É o velho tartan[4] dos Tories com uma cara de esquerda, pró-negócios e financiado por grandes empresas.
 
Na Grã-Bretanha, todos os partidos socialistas e de esquerda receberam votos de trabalhadores que queriam registrar seu protesto contra o governo de coalizão. Mas eles também votaram em partidos que tentarão realizar cortes devastadores nos serviços locais e públicos.
 
Os resultados das eleições são um reflexo da bronca contra os cortes, vista nas manifestações estudantis, nos protestos contínuos contra os cortes dos Conselhos, na crescente ação grevista e na manifestação de 500 mil em Londres, organizada pelo movimento sindical.
 
Esta situação está criando a possibilidade de novas alianças de esquerda, à medida que os trabalhadores buscam a unidade contra os cortes e são forçados a enfrentar o Partido Trabalhista em sua luta contra o governo.
 
No período eleitoral registrou-se a queda da receita familiar pelo quarto ano consecutivo, a primeira vez desde 1870, que sucedeu uma grande crise econômica. Aquela aconteceu com a potência colonial mundial, mas agora, como acontece com outros países na Europa, a Grã-Bretanha está sofrendo declínio e decadência. A economia praticamente não se recupera, com os setores de construção, manufatura e serviços estagnados ou em queda. O desemprego deverá crescer e adquirir um caráter permanente, somado a uma previsão de aumento da inflação para mais de 5% este ano.
 
Os efeitos dos cortes
 
O efeito dos cortes está começando a ser sentida na Grã-Bretanha, onde os jovens e as minorias são os mais afetados, ao lado dos serviços para os idosos, para as famílias e muito mais. Alguns hospitais estão muito perto de ser entregues ao setor privado, pois são incapazes de manter os pagamentos às PFI [5] (para os hospitais que foram construídos pelo setor privado e alugados para o setor público por valores elevados durante 25 ou 30 anos). 
 
A fraude inventada pelo governo trabalhista e continuada pelo governo de coalizão para colocar os serviços públicos, como as ferrovias, sob o controle privado com o aporte do dinheiro público, ameaça envolver todos os serviços públicos. É por isso que ocorrerão confrontos crescentes este ano. O capitalismo está tentando sobreviver revertendo a relação de forças entre exploradores e explorados. Eles vêm tentando isso há 60 anos e agora embarcam em uma estratégia de alto risco para destruir as conquistas do período do pós-guerra.
 
A experiência
 
Esta noção de ataque histórico não foi perdida por trabalhadores e estudantes conscientes que percebem que “já passamos por isso antes”. As lições do período do pós-guerra estão penetrando no movimento. Há um movimento crescente contra os cortes nos serviços públicos, incluindo as greves planejadas pelos sindicatos dos professores e dos trabalhadores do serviço público e outras ações contra os cortes nos salários e aposentadorias e as perdas de empregos.
 
Não existe uma simples repetição do passado, mas a culminação de 70 anos de resistência. Enquanto muitos concordam que o capitalismo está tentando nos levar de volta aos anos 30, a situação da classe trabalhadora é mais parecida à dos anos 20, quando ocorreu a última greve geral na Inglaterra, em 1926, derrotada 3 anos antes da grande crise. Hoje, esses confrontos profundos estão começando depois de uma crise mundial. O capitalismo não conseguirá se estabilizar, porque a única saída para o capitalismo britânico e europeu, em um mundo de turbulência, com os problemas financeiros e econômicos da União Europeia e a ascensão das revoluções árabes, é um ataque sem precedentes ao setor público, aos empregos e aos direitos sociais ganhos em décadas de luta.
 
Nas discussões com os trabalhadores durante as eleições sempre se encontrava alguém em suas famílias – e muitas vezes muitos – que já tivesse sido diretamente atingido pelos cortes. Os mais atingidos são os imigrantes, que tentam sobreviver sob um governo e uma imprensa que tentam transformá-los em bodes expiatórios e, assim, desviar a atenção das verdadeiras causas da crise.
 
Riqueza de um lado, miséria do outro
 
A situação encaixa-se na análise feita por Marx dos processos fundamentais de polarização na sociedade; a imensa acumulação de riqueza no topo e a miséria crescente na base. 
 
Curiosamente, algumas palavras desapareceram do vocabulário burguês, como “globalização”, tão usada na década de 90 como uma embalagem para o suposto abrandamento das relações capitalistas e da exploração, enquanto o que realmente ocorria era o aguçamento de contradições e a rápida aceleração do parasitismo e da decadência que caracterizou o ciclo de expansão e queda.
 
A “globalização” também encobriu outra coisa que tentava emergir, não o fim do socialismo e da história, mas o contexto internacional crescente da luta de classes. Cada luta séria dos trabalhadores (e dos estudantes) encontra paralelismos em todo o mundo. Este ponto fundamental da luta de classes é largamente ignorado pelos dirigentes sindicais britânicos e por muitos outros. 
À medida que os trabalhadores passem a compreender melhor sua origem e seu objetivo, essas conexões serão feitas. A Grã-Bretanha tem uma das maiores tradições operárias. Estamos em um período onde a luta de Marx e Engels na Grã-Bretanha viverá novamente na consciência dos trabalhadores, incluindo sua luta pela liderança e construção da I Internacional, que reuniu trabalhadores com tradições tão diferentes na Europa, na luta pelo socialismo.
 
Na procura das tradições de nossa classe, os trabalhadores descobrirão que eles foram a principal força na conquista dos direitos à saúde, educação e emprego e que nunca foi dado nada pela classe dominante britânica que não tenha sido arrancado à força. Estas foram conquistas da luta revolucionária em todo o mundo naquela época.
 
O problema da direção
 
Houve muitos motivos, naquele momento, para que a luta pela derrubada do capitalismo não tivesse continuidade, mas o central foi o fato de que não havia uma forte direção da Quarta Internacional que pudesse unir o movimento revolucionário com as lutas operárias na Inglaterra. Hoje, a tarefa de construção desta direção está posta de forma direta na Grã-Bretanha, na Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, mas também em toda a Europa, com o desenvolvimento de conexões profundas com a classe trabalhadora e o movimento de massas da Revolução árabe.
 
As eleições locais na Grã-Bretanha refletiram a ira dos trabalhadores contra o governo, mas as questões mais profundas estão apenas começando a surgir. E surgirão quando as frentes únicas de luta desenvolverem-se entre os diversos setores de trabalhadores, sindicatos e comunidades e estes, por sua vez, possam constituir uma frente única de todos os explorados, ao mesmo tempo em que seja construído um partido da Liga Internacional dos Trabalhadores capaz de dirigir os trabalhadores rumo à tomada do poder.



[1] O Partido Democrata-Liberal nasceu em 1988 da fusão da maioria do Partido Liberal com o Partido Social-democrata (uma ruptura do trabalhismo). Atualmente é o componente minoritário da coalizão de governo junto com o Partido Conservador.

[2] A Inglaterra tem um sistema complexo de governos locais, baseados em Conselhos com funções executivas e legislativas (em apenas doze cidades existem prefeitos). Os Conselhos são eleitos em níveis municipais, distritais e em bairros, sendo que este arranjo varia em cada cidade e região. Na Grande Londres, por exemplo, existem 32 Conselhos distritais e o Conselho da “City of London” (região central). Além dos serviços públicos nacionais, existem alguns serviços oferecidos pelos Conselhos.

[3] SNP: Scottish National Party (Partido Nacional Escocês).

[4] Tartan: o tradicional tecido xadrez usado pelos escoceses em suas vestimentas típicas.

[5] PFI: Private Finance Iniciative, semelhante às Parcerias Público-Privadas (PPP) no Brasil e em Portugal.
Tradução: Marcos Margarido

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