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quinta-feira, abril 25, 2024

Magreb e Oriente Próximo: a realidade do imperialismo francês

“Simpatia”, “solidariedade”, quantos bons sentimentos na “esquerda” francesa, agora que o Magreb e o Oriente Próximo são o teatro de processos revolucionários operários e populares sem precedentes desde a “descolonização”.

 Mas para além das declarações de boas intenções, o que existe de apoio real aos trabalhadores e aos jovens? Absolutamente nada. Nem uma unitária campanha de apoio, nem a denúncia de nosso imperialismo, que, no entanto, ocupa um lugar bem especial. Por sua atitude, aquela “esquerda” capitula novamente diante dos interesses da burguesia.
 
Historicamente, o imperialismo francês mantém nesses países relações estreitas, por meio das quais soube defender seus interesses após o processo de “descolonização”. Possui ali um papel de primeiro plano, particularmente por completar o imperialismo dominante, que concentra sua ação no Oriente Médio financiando amplamente seus aliados encarregados da pax americana, Israel e Egito à frente.
 
Uma presença histórica
 
O Magreb e o Oriente Médio são um dos terrenos de caça privilegiados do império francês, pelos quais ele já teve que enfrentar os outros imperialismos e as populações locais. O objetivo, desde o fim do século XIX, é estabelecer um vasto território contínuo na África do Norte: por meio de violência e banhos de sangue, como na Argélia, onde um terço da população desapareceu entre 1830 e 1872; por ameaças, como na Tunísia, onde a influência italiana foi questionada pelo protetorado de 1881; ou por negociações, como em Marrocos, onde já se teve que aceitar parte das exigências alemãs para se estabelecer o protetorado francês em 1912.
 
O Oriente Médio não foi esquecido. Se o controle do canal de Suez e, portanto, do comércio marítimo escapou ao imperialismo francês em proveito dos britânicos em 1882, o Tratado de Versailles (1919) lhe permitiu expandir sua esfera de influência às antigas colônias alemãs (Síria e Líbano). A emancipação parcial dessas colônias se fez sob a pressão das burguesias nacionais entre 1945 e 1962, em plena Guerra Fria. Embora se trate aqui de uma derrota para o imperialismo francês, este consegue se manter em posição de força. É difícil renunciar a dois séculos de história colonial, sobretudo com tais interesses econômicos e políticos em jogo. O projeto de União para o Mediterrâneo lançado por Sarkozy em 2008 é mostra disso.
 
“Terceiro mundo” ou semicolônia?
 
Países em via de desenvolvimento, países emergentes, países menos avançados, terceiro mundo, mesmo quarto mundo… Tantos conceitos criados pelas ideologias burguesas para mascarar uma realidade: aquela da sobrevivência de um regime de ocupação semicolonial, ou mesmo colonial na imensa maioria dos Estados ditos “descolonizados”. Tentam nos explicar que a adoção da liberalização dos mercados, da divisão internacional do trabalho e da sacrossanta propriedade privada lhes permitirá alcançar, um dia, os países “desenvolvidos”. Uma fábula atraente, como se pudesse ocultar o cinismo da realidade: o capitalismo organiza a pilhagem econômica e a submissão política desses países. E por uma única razão: a taxa de lucro.
 
As diferentes vias do imperialismo
 
No Magreb a França ocupa uma posição econômica de primeiro plano. As trocas comerciais entre a França e a União do Magreb árabe representaram 43 bilhões de euros em 2008, dos quais 15 bilhões com a Argélia, 10,5 bilhões com o Marrocos e a Tunísia, 6 bilhões com a Líbia e menos de 1 bilhão com a Mauritânia. A França é o primeiro parceiro comercial do Magreb que, por sua vez, é seu mais importante cliente fora da OCDE. Saem da França entre 15% e 20% das importações da Argélia, do Marrocos e da Tunísia. E são para a França que vão entre 20% e 30% de suas exportações.
 
Os investimentos diretos no estrangeiro (IDE), ou seja, os movimentos de capital realizados com o objetivo de criar, desenvolver ou manter uma filial no estrangeiro e/ou de exercer controle sobre a gestão de uma empresa estrangeira encontram-se em clara expansão desde 2000: as empresas francesas investiram uma média anual de 1,5 bilhão de euros, dos quais 1 bilhão no Marrocos.
 
No Líbano elas se constituem no primeiro investidor, com 319 milhões de euros em 2008, sobretudo em telecomunicações e mercado imobiliário. A França é um financiador essencial para o Líbano: em 2007, 1 bilhão de euros foram emprestados para a reconstrução. Vinte e cinco mil empresas francesas mantém comércio com o Magreb, das PME (Pequenas e médias empresas) aos pesos pesados do CAC40[1]. Há em torno de 2500 filiais francesas ou empresas locais, o que significa várias centenas de milhares de empregos em todos os setores de atividade: turismo, telecomunicações, BTP (Construção e Obras Públicas), bancos, energia, etc. Alguns exemplos: Renault e Peugeot dominam o mercado automobilístico. Primeiro lugar na Argélia já há 3 anos, a Renault vende no país mais de 50 mil veículos por ano. A empresa prevê a construção de uma importante fábrica em Tanger, assim como em Alger, para uma capacidade total de 450 mil veículos por ano. O offshoring, ou seja, a descentralização dos serviços (centrais de atendimento, desenvolvimento de projetos, contabilidade ou compras), representa 32 mil empregos no Marrocos, 16 mil no Egito e 8 mil na Tunísia.
 
O setor encontra-se em pleno crescimento graças aos baixos custos de produção e à proximidade geográfica. No setor bancário, os pesos pesados franceses se diferenciam: BNP, Crédit agricole, Banque populaire, Caisse d’épargne (Caixa de Poupança), Société générale, Crédit mutuel. Juntos, controlam algo como 2500 agências por meio de filiais e participações indiretas e chegam a controlar 50 bilhões de dólares em crédito. Como último exemplo, os recursos minerais, que aguçam os apetites da Total ou GDF-Suez: petróleo e gás na Argélia e na Líbia, mas também fosfato, ferro e cobre. Em suma, o Magreb constitui uma retaguarda para os capitalistas franceses na África.
 
Assim, a SFR[2] adquiriu, via Marrocos Telecom, empresa da qual detém 53% das ações, empresas nacionais no Gabão, em Burkina Faso, na Mauritânia e no Mali. Neste último país, a concorrência é forte com outro desafiante, a Orange![3] Menos visível, mas da mesma forma eficaz, a defesa da língua e do sistema educativo francês permitem a preservação de vínculos “privilegiados”. Assim, a Argélia é a primeira beneficiária dos créditos de cooperação, particularmente no ensino: acompanhamento da reforma LMD[4], desenvolvimento de mestrados profissionais, criação de polos de excelência (“Escola Superior Algeriana de Negócios”, em 2005), apoio à língua francesa na universidade, etc.
 
Já na Líbia, se a presença do imperialismo francês é “modesta”, ela cresce rapidamente. Ocupando a sexta posição no ranking de fornecedores da Líbia, suas exportações a este país aumentaram, em 2009 e 2010, de 52% e 33%, respectivamente. No Egito, a situação é bem diferente. Os negócios do imperialismo francês ali somam 17,1 bilhões de dólares, ou seja, a soma das transações britânicas e italianas com o país! No total, a presença do imperialismo francês no Magreb e no Egito atinge os 50 bilhões de dólares, o que pode ser comparado ao seu peso na Irlanda (52 bilhões) ou na Grécia (59 bilhões).
 
Os mercadores de canhões
 
O setor bélico não fica atrás. A França é o quarto exportador mundial. Para o setor da indústria militar, o Magreb e o Oriente Médio são essenciais. Entre 2001 e 2008, o Egito importou 12,3 bilhões de dólares em material militar, Israel 7,1 bilhões, Síria 6,5 bilhões e Argélia 4,9 bilhões. Tudo somado: 31 bilhões de dólares. Desnecessário dizer que Nexter, Dassault, EADS, DCNS ou ainda Safran estão nos negócios. E podem contar com o talento comercial de nossos sucessivos governos para a venda do material! Um exemplo, entre outros, é a Líbia, à qual a França vendeu uma centena de Mirages, baterias de mísseis terra-ar, lança-mísseis, etc. Dois bilhões de euros em contratos estavam em discussão nos últimos meses para a compra de helicópteros, um sistema de vigilância por radar e reposições de material de toda sorte.
 
Lembremo-nos, porém, que são vendidos apenas materiais ultrapassados, embora tais materiais continuem matando os trabalhadores e a juventude de uma maneira tão eficaz! Não há nenhuma moral a se procurar aqui, trata-se apenas de lucro. Para garantir que este “mútuo entendimento” continue, a França multiplicou os acordos de cooperação policial e militar. Trata-se de vender o “know-how” francês, ajudando a reforçar o aparelho repressivo: missões de especialistas, formação de elites, cooperação em matéria de luta contra o terrorismo ou a imigração clandestina. Sempre intervindo militarmente, se necessário, para preservar os interesses econômicos e políticos de sua burguesia: Costa do Marfim, Mauritânia, Nigéria, Líbano ou ainda Afeganistão.
 
Pela derrota do imperialismo francês
 
“O conteúdo fundamental da política do proletariado internacional é a luta contra o imperialismo e sua guerra. O princípio fundamental desta luta é: ‘O inimigo principal está em nosso próprio país’ ou ‘A derrota do nosso próprio governo (imperialista) é o menor mal’. […] Os operários de um país imperialista não podem, no entanto, ajudar um país anti-imperialista por intermédio de seu governo, quaisquer que sejam, em um determinado momento, as relações diplomáticas e militares entre os dois países.
 
Se os governos se encontram em aliança temporária, e no fundo incerta, o proletariado do país imperialista permanece em oposição de classe a seu governo e fornece apoio ao ‘aliado’ não imperialista deste por seus próprios métodos, ou seja, pelos métodos da luta de classe internacional (agitação em favor do país colonial, não somente contra seus inimigos, mas também contra seus aliados pérfidos: boicote e greve em certos casos, renúncia ao boicote e à greve em outros, etc.)”.[5]
 
Nosso primeiro dever de militante revolucionário é combater nosso próprio imperialismo. É por isso que o GSI impulsionou desde há um ano uma campanha unitária pela retirada das tropas francesas da África e do Afeganistão, pelo redirecionamento dos orçamentos militares para a educação, a saúde e as aposentadorias. Os trabalhadores e a juventude da Tunísia, do Egito, da Líbia e de outros lugares nos abrem o caminho: organizemo-nos, mobilizemo-nos e juntos imponhamos a derrota ao imperialismo francês!
 
Fonte: L’Internationaliste nº 107, março 2011
 
Tradução: Leandro Galastri
 

[1] Índice da Bolsa de Valores de Paris que mede periodicamente as 40 empresas cujas ações possuem o maior valor no mercado.

[2] Sociedade Francesa de Radiotelefonia, empresa operadora de telefonia celular.

[3] Outra grande empresa francesa de operação de telefonia celular.

[4] Réforme “Licence-Master-Doctorat”, uma reforma do ensino superior francês para adequá-lo aos novos padrões neoliberais europeus.

[5] Léon Trotsky, Programa de Transição, 1938.

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