qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Entrevista a Thomas Laurent, jornalista independente membro dos Coletes Amarelos de Bourdeaux, França

Como surgiu?

Quando Emmanuel Macron chegou ao poder, anunciou a eliminação de impostos para as maiores empresas e os franceses mais ricos. Ao mesmo tempo, anunciou um aumento no preço do combustível que afetou aqueles que dependem completamente de seu carro. Depois de 30 anos e em nome das doutrinas liberais da União Europeia, os diferentes governos buscaram destruir os serviços públicos. Resultado: nos campos, nas pequenas cidades e periferias não existem nem hospitais, nem correios, nem escolas, nem, estações, nem ônibus.

Estes são os habitantes que se mobilizaram espontaneamente. São os que ocupam maciçamente as rotatórias, os pedágios e as estradas, e desfilam nas ruas de todas as cidades da França. O colete amarelo rapidamente se tornou o emblema do movimento, uma vez que é obrigatório ter um em cada carro.

Quem são?

É importante notar que o movimento dos Coletes Amarelos não se formou de um sindicato ou de um partido. Por isso os Coletes Amarelos não são um grupo nem uma organização, mas um movimento.

As pessoas que votaram pela extrema direita ou pela extrema esquerda se encontraram nas mesmas reivindicações e se distanciaram daquilo que as dividia para se concentrar em sua luta comum: a injustiça fiscal e social.

Isso faz parte da força do movimento: que abrange uma parte muito grande da população francesa, para além de suas opiniões políticas. Essas pessoas não serão mais as mesmas, elas foram profundamente renovadas. A força deste movimento foi reunir uma população dividida em torno de interesses comuns e que, em sua natureza, são progressistas e humanistas.

Quais são as principais reivindicações do movimento hoje?

As reivindicações mudaram de questões econômicas para outras essencialmente políticas. O referendo de iniciativa popular é emblemático: os cidadãos poderão exigir uma votação nacional para decidir sobre esta ou aquela decisão do Estado.

Da mesma forma poderão revogar um político eleito se o considerarem incompetente. Resumindo: os Coletes Amarelos exigem que os cidadãos estejam muito mais envolvidos no governo do país, com uma democracia direta, participativa e descentralizada … Essas demandas às vezes me lembram a Comuna de Paris.

Como você vê a participação de organizações de direita nesse movimento?

Tanto as organizações, de direita como as de esquerda, foram excluídas dos Coletes Amarelos. Devemos entender a profunda rejeição deles ao sistema político francês, o que lhe confere originalidade e talvez um sabor pré-revolucionário ao seu combate. No entanto, penso que a identidade desse movimento é claramente à esquerda: justiça social, mais serviços públicos, erradicação da pobreza extrema e mais democracia …

Existe auto-organização dos trabalhadores no momento? Aparecem novas organizações?

Assembleias populares de Coletes Amarelos estão sendo estabelecidas em todo o país. Em 27 de janeiro, 75 delegações se reuniram em Commercy para uma “assembleia de assembleias populares” e elaboraram um chamado para todos os coletes amarelos. Embora ainda seja difícil julgar o impacto real sobre o movimento, essas assembleias são os primeiros sinais de uma organização política concreta.

Devemos entender a ruína sindical em que a França está localizada. Para passar suas políticas liberais, os sucessivos governos se dispuseram a enfraquecer os sindicatos. Estes últimos não representam mais do que uma pequena parte dos trabalhadores e têm uma má reputação. Tudo deve ser reconstruído e essas assembeias populares são um exemplo brilhante porque são feitas por fora do sistema.

Como você vê a atual situação do movimento?

A situação é atualmente estranha. Por um lado, a repressão policial sem precedentes que levou a milhares de prisões e centenas de feridos e as leis “liberticidas” (leis que agem com o propósito de destruir as liberdades de uma nação) afundam o país em uma incerteza que não era vista desde maio de 1968. Por outro lado, os coletes amarelos estão cada vez mais motivados e se mobilizam mais, marchando massivamente em todas as cidades da França todos os sábados. A convocação para uma greve geral indefinida em 5 de fevereiro deve ser seguida de perto. O movimento está se reinventando. Tenho a sensação de estar vendo a história acontecer.

Como você acha que isso vai continuar?

Muito sinceramente, não faço ideia! As coisas estão indo muito rápido no momento, há a sensação de que tudo pode entrar em colapso brutal ou, ao contrário, acelerar.Pelo contrário, acredito que este sistema está prestes a desfalecer. E enquanto o povo se organiza, demonstra ter uma grande inteligência coletiva que enche enormemente de esperança.

Você acha que Macron poderia se conformar com essas reivindicações ou poderia renunciar?

Macron é um ex-banqueiro de negócios. Ele tem uma visão ultra-liberal da economia, um grande desprezo pela classe e uma política interna tingida de autoritarismo. É apoiado por todo o sistema francês … A repressão policial sem precedentes ordenada por ele sobre os coletes amarelos demonstra nitidamente a sua determinação em permanecer no poder. Aproveita-se da parte da população francesa assustada pela instabilidade e violência e a fraqueza da oposição em preservar o poder.

Considera que a solidariedade internacional e a unidade das lutas em curso são importantes?

Mais que nunca! Os Coletes Amarelos devem ser apoiados da mesma forma que aos Kurdos de Rojava ou suas lutas na Argentina!O apoio de uma parte da esquerda argentina é muito significativo na França …

Thomas Laurent é jornalista da SPREAD Media

Tradução: Nea Vieira

 

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