qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Entrevista a Camille, do movimento coletes amarelos

Entrevistamos em Buenos Aires, Argentina, a Camille (26), jovem universitária da cidade de Bordeaux, França. Parte do movimento dos “Coletes Amarelos”.

Por: Martín Borya

Martín: Como surge o movimento dos “Coletes Amarelos” (“Gilets Jaunes”)?

Camille: Na França, há algum tempo, vem acontecendo diferentes lutas, estudantis e de trabalhadores. Também se realizaram encontros e fóruns de debate onde se discute o futuro da França. Macron anunciou o aumento dos combustíveis e foi algo que caiu muito mal. Primeiro tentamos realizar um plebiscito para juntar assinaturas contrárias, mas não teve sucesso, em parte porque a imprensa não falava disso. Muitos não sabiam que o plebiscito existia. Em seguida o governo retirou os impostos aos ricos e isso acabou por detonar a indignação. As coisas foram se acumulando, e as pessoas disseram “basta! Temos que fazer alguma coisa”. Em setembro começaram as manifestações dos “Gilets Jaunes”.

M: Qual é a composição do movimento?

C: Agora tem muitos estudantes, muitos trabalhadores, tem de tudo. Por isso é um pouco espetacular. É muito popular.

M: E como se organizam e convocam as ações?

C: Pelo Facebook, criam eventos convocando as manifestações. Não existem os que organizam sempre. Toda semana tem manifestação nos sábados, as pessoas já sabem e procuram os eventos.

M: Como se preparam para as manifestações, para resistir à repressão?

C: Para a imprensa, as pessoas se preparam para ir à “luta”, mas para as pessoas, é preparação para se proteger da repressão da polícia. Antes da manifestação, nos reunimos com amigos, conversamos e sabemos que como houve repressão na semana passada, haverá de novo. A polícia prende os que têm coisas ou estão com máscara. Existem advogados que querem defender o direito das pessoas que se manifestam, mas há muita repressão e a polícia prende muitas pessoas.

M: Quais são as principais demandas do movimento dos CA?

C: É um problema, existem muitas reivindicações, mas não tem representante. “Macron demissão”!”por um lado, “ Não ao aumento dos combustíveis!” por outro, não há um programa unificado. Também existem setores reclamando por aumento da aposentadoria mínima. Os setores de esquerda pedem para abrir as fronteiras e melhores condições para os imigrantes. Por outro lado, a direita, culpa os imigrantes pela crise e pedem o fechamento das fronteiras. A direita quer salvar o capitalismo, essa é a minha opinião.

M: Existe um protagonismo da luta das mulheres no movimento dos CA?

C: Tem mulheres e homens lutando contra a violência às mulheres, debatemos muito sobre os casos de denúncia de violência, inclusive nas redes como Twitter. Mas até agora essa pauta não foi incorporada pelo movimento dos C.A

M: Você comentava que participavam muitos trabalhadores. Eles vão soltos ou organizados de alguma forma?

C: Participam com os sindicatos. Mas existem muitos que participam de forma individual. É um problema para Macron, não tem com quem dialogar. Cada vez que diz “vamos fazer isso” alguns dizem “ Ah, está bem” e muitos dizem “Não!” É por isso que acredito que Macron não tem saída para resolver o tema, tem que renunciar.

M: Como as mulheres participam das mobilizações?

C: São muitas mulheres participando. Geralmente não são as que enfrentam a repressão. Mas a ideia de que a mulher fica em casa cuidando dos seus filhos é algo da época dos nossos avós. Algumas mulheres ainda fazem isso, e existe machismo também, recebemos menos que os homens e existe a violência. Mas hoje, tem muito mais gente que quer a igualdade e isso se vê na luta. As mulheres participam muito.

M: Como você acha que as demandas podem ser conquistadas?

C: Penso que as manifestações vão continuar e as pessoas vão seguir nas ruas. Pode ver que de quando o movimento começou até agora, vemos muito mais pessoas nas ruas. É muita pressão e as pessoas querem que o governo caia. Essa é a voz da população. Para mim, a democracia é um regime antigo, esgotado. Devemos buscar outro sistema, devemos mudar, não podemos continuar no capitalismo. Temos que buscar um novo sistema. O capitalismo não funciona. Este movimento vai muito contra a sociedade de consumo e contra a destruição do meio ambiente também.

M: Qual sistema você acredita que deve ser construído?

C: Para mim é muito difícil, o que se conseguiu na União Soviética (URSS), tinha coisas muito boas, as ideias muito boas também, mas terminou mal. É uma pergunta difícil, mas deve-se buscar como fazer. Dentro dos “Coletes Amarelos” tem muitos que querem um sistema de leis por referendo, algo assim como um tipo de democracia direta. Algo parecido com a antiga Grécia. Para mim é bom, mas é muito difícil de conseguir. Não é somente transformar o sistema político, mas também os meios e tem muitos empresários donos dos meios e isso não é normal. Não sei como faremos, mas temos que tentar.

M: Qual é sua opinião sobre a violência e esse debate sobre manifestação pacífica vs violenta?

C: Para mim, para fazer uma revolução… não gosto da violência, mas é obrigatório… para fazer uma revolução, para mudar as coisas. Vemos nas revoluções do mundo, são com violência. É possível dialogar e devemos conversar muito. Mas quando vem a polícia com seus paus, o gás lacrimogêneo e suas armas, o que devemos que fazer? Existem jornalistas que só filmam os enfrentamentos e falam de violência, mas o que realmente acontece é que a polícia provoca para reprimir.

M: A imprensa informou que já houve um assassinado pela repressão. O que você pensa sobre ter chegado a esse ponto?

C: Acho que não é normal. Mas penso que os policiais são humanos e que eles têm medo. E não é bom dar uma arma a alguém que tem medo. Não gosto da polícia, reprimem crianças, idosos por igual. Mas não deve ser fácil pra eles. Tem muitos policiais que pensam o mesmo que os Coletes Amarelos, porque ganham pouco dinheiro, estão contra o aumento do combustível, etc. Os superiores não permitem que os que tenham dúvidas saiam para reprimir.

M: Vemos muitas lutas em vários países da Europa e do mundo por coisas similares. Qual é sua opinião sobre a luta ser internacional?

C: É muito importante. Devemos dizer adeus ao capitalismo e o capitalismo está em todo o mundo, seria muito difícil que um só país saia disso se o resto dos países continue. Pela economia, para mim não pode ser em um só país, e sim em todos os países. É importante que seja um movimento internacional.

M: Qual a sua opinião sobre os líderes políticos na França? Sobre Le Pen e também da esquerda em relação ao movimento dos CA?

C: Para mim o movimento CA não é um tema dominado pela política, mas sim pelo social. Por exemplo: Marine Le Pen mostra a “violência” das manifestações e diz “olha! Aí estão todos os violentos que chegam à polícia e são estrangeiros, árabes, negros. Porque a fronteira está aberta!” Quer culpar os estrangeiros pela crise. E é difícil porque o custo de vida vai aumentando e os salários não. Não pode ser contra diretamente porque todo mundo está mobilizado. Então diz que “entende” porque as pessoas se mobilizam, que Macron é um mau presidente, mas ao mesmo tempo tenta dividir o movimento, diz que existem “pessoas perigosas” nas manifestações. Então Marine Le Pen quer se aproveitar do movimento.

Tem um líder de esquerda, Mélenchon, que diz que temos que tirar o Macron, continuar na luta e continuar nas ruas. Ele propõe um novo sistema, não conheço em profundidade, mas ele coloca que a democracia não serve mais. Existem também, outros partidos de esquerda participando.

M: Para onde vai o movimento?

C: É difícil responder. Hoje dá pra ver que o movimento vai crescer, que tem mais gente participando. A perspectiva é que Macron responda a todas as demandas ou que renuncie. Justamente esses dias, o movimento aguarda uma resposta de Macron. Ele já tinha feito um discurso e caiu muito mal. Não vejo outra saída, ou responde positivamente ou renuncia, não acho que possa impor uma ditadura ou algo parecido. Penso que as pessoas na França cuidam das suas liberdades, defende suas liberdades.

Tradução: Vitor Jambo

 

 

 

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