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quinta-feira, março 28, 2024

Estado Espanhol | Duas políticas opostas contra a violência machista

Estamos às portas de um novo 25N*, dia internacional contra a violência de gênero e os setores mais oprimidos da sociedade continuam sendo protagonistas das lutas que estão ocorrendo em todo o mundo, contra a corrupção dos governos e em defesa de seus direitos.

Por: Xulia Mirón
Nos últimos anos, datas tão significativas quanto 8 de março e 25 de novembro, enchem as ruas para denunciar a situação de desigualdade e violência sofrida pelas mulheres todos os dias; a conscientização da população faz com que se convoque minutos de silêncio diante das instituições toda vez que ocorre um assassinato, onde todos os partidos se manifestam, desde o Partido socialista Operário Espanhol (PSOE), que se considera feminista, até o mais afastado possível das teorias do feminismo como o Partido Popular (PP).
Mas tudo isso é enterrado na lama quando os partidos que governam aplicam cortes e privatizam todos os serviços públicos. Onde estão as verdadeiras políticas de igualdade, para que esse flagelo social que é a violência contra mulheres e pessoas LGBTI seja erradicado? Essa hipocrisia “politicamente correta” está dando asas a um setor da sociedade, que se agrupa em torno do discurso fascista e duramente reacionário do Vox.
A violência contra os oprimidos não para
O mundo está em turbulência na atualidade, grandes mobilizações em todo o mundo estão levando a demissões de ministros/as; até governos caem, porque a crise atinge os setores mais empobrecidos. Enquanto isso, as pessoas mais oprimidas denunciam a homofobia, o racismo, ao estupros, as agressões, os assassinatos e também essa violência estrutural que os governos burgueses mantêm a partir das instituições e as oprimem com suas políticas neoliberais, para continuar mantendo a sociedade patriarcal e o sistema capitalista.
Na América Latina, há uma sucessão de levantes populares em que, como no recente golpe de Estado na Bolívia, as forças de repressão usam assédio, abuso sexual, assassinatos etc. para defender a “ordem social” estabelecida.
Se formos ao Oriente Médio, o governo da Turquia, amigo e colaborador da União Europeia, retém pessoas sírias, em condições desumanas, em suas fronteiras em troca de algumas moedas; esse governo tão “democrático” proibiu as manifestações do 8 de março e a do movimento LGTBI “para proteger a saúde pública e a moral”, o que causou grandes confrontos com a polícia, e agora com a permissão dos EUA, está atacando a população curda da Síria, que havia atingido cotas significativas de igualdade de gênero.
Não deixemos de mencionar os países europeus, onde um relatório da Anistia Internacional denuncia a situação real dos países nórdicos, que se colocam como um exemplo de igualdade. O relatório fala do fato de que, apesar de ter algumas das leis mais progressistas sobre igualdade, os estereótipos de gênero persistem e, em muitos casos, as vítimas não denunciam porque o processo é longo e, às vezes, os infratores e agressores ficam impunes. A justiça, como em muitos outros lugares, geralmente ignora e nega os fatos, tolerando essas ações, demonstrando que não é um problema exclusivamente legal, mas estrutural ao próprio sistema.
Leis reais de igualdade ou letra morta
No estado espanhol, nada de novo no horizonte. Embora o governo de Zapatero tenha sido um dos primeiros a aprovar leis de igualdade, hoje estamos como anos atrás ou piores. As sentenças “la manada” e outras do estilo demonstram mais uma vez que é inútil aprovar leis se as políticas aplicadas são neoliberais.
Os fatos provam isso. A cada 25N, os partidos políticos do arco parlamentar saem nas conversas televisivas, fornecendo dados das mortes, agressões, ataques homofóbicos etc., demonstrando que eles lidam bem com os dados, mas no dia seguinte continuam aplicando as mesmas políticas. E não se acaba realmente com o que produz esse flagelo social, a violência contra os oprimidos, a desigualdade social intrínseca ao sistema capitalista e à sociedade patriarcal.
Em quarenta anos de democracia, muitos direitos foram conquistados após uma luta dura, como liberdades públicas, divórcio, direito à sindicalização, “descriminalização” do aborto, saúde e educação pública, direitos do movimento LGBTI,… No entanto, eles estão sendo aniquilados pelos governos, abrindo a porta para um retorno ao passado e tendo que ouvir coisas como que as mulheres precisam voltar a “aprender a costurar”.
Cortes e privatização de serviços públicos
De que servem os minutos de silêncio se temos falta de recursos na justiça, onde mais de 30 capitais provinciais não possuem tribunais especializados em violência, quando há um congestionamento nos processos devido à falta de pessoal? E, acima de tudo, onde está a imparcialidade da justiça com os juízes e juízas que emitem sentenças nas quais as vítimas precisam provar os fatos, com evidentes preconceitos machistas, sexistas e homofóbicos?
Qual é a utilidade do Observatório da Igualdade com um governo “progressista”, se realmente um setor tão importante como a Atenção Primária à Saúde, que é o primeiro nível para a detecção de possíveis maus-tratos, está no mínimo, desmantelando-se especialmente na zona rural? Os suicídios aumentam, mas fazem cortes no setor da saúde mental. De que servem esses minutos de silêncio? As vítimas e seus parentes querem fatos, não promessas eleitorais.
Na época de Zapatero, falava-se em promover o quarto pilar, atenção aos idosos e dependentes. Onde ficou isso? “Em águas de borrajas”¹. Essa lei ficou em ponto morto, as pessoas morrem antes de receber qualquer coisa do Estado, e são as famílias, especialmente as mulheres, que continuam cuidando delas. Essa lei serviu apenas para empresas privadas do setor aumentarem seus lucros à custa de um serviço precário e da insegurança de seus trabalhadores.
De fato, todos os partidos governantes agiram da mesma maneira diante da última crise: cortes e privatizações para resgatar bancos, empresas e seguradoras. Aprovaram reformas trabalhistas cortando salários para que as empresas continuassem a ganhar, aqui no Estado espanhol reformaram a Constituição no artigo 135 para pagar suas dívidas, que não são nossas. Falar em parlamentos, prefeituras, minutos de silêncio às portas das instituições sobre violência é hipocrisia quando sua política é fazer tudo o que promove a desigualdade social e a violência.
A violência do sistema
Analisar as raízes dessa violência como uma questão moral não deixa espaço para a análise da história e suas contradições, porque a história demonstra dia a dia com fatos, que essa violência não é sofrida apenas no ambiente familiar. Sofre em nossas relações sociais, seja no trabalho assalariado (por raça, por sexo), na rua, quando nos tratam como objetos sexuais, ou nos estigmatizam com estereótipos, em todas as áreas da vida; É por isso que não podemos separar um do outro.
Mas essa violência econômica, estrutural não é exercida abstratamente por uma entidade que está acima do bem e do mal, como se fosse um deus; essa violência é exercida através do Estado que detém o monopólio do poder político por meio de suas leis e da administração da justiça a serviço da defesa da propriedade privada e, portanto, da exploração e opressão. Qualquer desafio a esse monopólio da violência é considerado crime e atenta contra as leis e a ordem capitalista e, portanto, é perseguido, punido e aniquilado.
As leis aprovadas pelos governos têm um objetivo: administrar os interesses da burguesia. Confiar na legislação como garantia de “proteção” ou “liberdade” é acreditar em “fadas madrinhas”. O Estado, que legisla de acordo com os interesses do momento, pode fazê-lo ocasionalmente, e sempre sob pressão social, em favor dos direitos dos oprimidos, mas, por esse motivo, torna formais as leis que aprovam; porque eles governam para empresários/as e opressores.
No Estado espanhol, esse “estado” tem nome e sobrenome, o regime de 78, que herdou em suas instituições, começando pelo aparato judicial, o flagelo do “nacional catolicismo” de Franco, do qual o Vox se tornou  porta-voz, com referências mais ou menos explícitas às palavras das fascistas espanholas. “Não precisa ser uma garota cheia de livros que não sabe falar sobre outra coisa … não precisa ser uma intelectual”, aconselhava Pilar Primo de Rivera, fundadora da Seção Feminina da Falange. E a deputada de Vox no parlamento de Madri tomou a palavra quando disse que “aprender costura fortalece as mulheres”.
Acabar com esta pecha social, governar como até agora?
O acordo do PSOE com Unidas Podemos faz uma declaração de princípios de “políticas feministas”. Como já se viu, se suas raízes verdadeiras não forem atacadas, dentro de quatro anos, ou quando forem as eleições, elas voltarão a prometer outras coisas mais. Isso é o que significa governar como antes.
Se realmente se quer acabar com essa pecha social, não se podem fazer políticas econômicas e sociais que incentivem cortes e desigualdades, subsidiando escolas que segregam por sexo, privatizando a saúde, mantendo a dependência sem conteúdo, etc.
A luta pela diversidade, pela igualdade, pelo respeito às minorias… é parte da luta contra a violência geral desse sistema e da sociedade patriarcal. É por isso que dizemos que é necessário um programa que rompa barreiras e mova as consciências lutando por uma sociedade mais humana, como disse Marx. Com o fim da propriedade privada, vão estar colocadas as bases para começar a construir uma verdadeira sociedade onde as opressões comecem a dar passos em sua total libertação por uma sociedade socialista.
O triunfo da revolução proletária deve criar a base material para a socialização do trabalho doméstico e lançar as bases para a completa igualdade econômica e social da mulher. Essa reconstrução socialista da sociedade, que coloca todas as relações humanas em novas bases, não pode ser realizada imediata e automaticamente.
Durante o período da transição para o socialismo, a luta para erradicar todas as formas de opressão herdadas da sociedade de classes continuará. Por exemplo, a divisão social do trabalho entre tarefas femininas e masculinas deve ser eliminada de todas as esferas de atividade, da vida cotidiana até  os locais de trabalho. Será necessário tomar decisões sobre a distribuição de recursos, desenvolver um plano econômico que reflita as necessidades sociais das mulheres e permita a socialização das tarefas domésticas o mais rápido possível.
Nossa estratégia de classe, nossa luta contra a opressão das mulheres, nossa resposta de como mobilizá-las junto à classe trabalhadora tem três aspectos: nossas demandas políticas, nossos métodos de luta e nossa independência de classe.
* artigo escrito para o 25 de novembro de 2019
¹ A expressão “ficar em água de borrajas” se utiliza quando se tem esperança em algo e esta é subitamente diluída, acabando em nada. Como por exemplo “acabar em pizza”. Ndt.
Tradução: Nea Vieira

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