qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Como combater o fascismo?

Recuperamos um artigo publicado após o assassinato de Carlos Palomino nas mãos de um militar fascista, onde tentamos responder à pergunta: como combater o fascismo?

O assassinato em Madri de Carlos Javier Palomino desencadeou uma resposta justa e retumbante. Durante uma semana, entre 11 (data do assassinato) e 17 de novembro de 2007 (concentração na Praça da Porta do Sol) aconteceram centenas de reuniões, concentrações, manifestações… um turbilhão que colocou à prova as diferentes políticas e alternativas diante do fascismo.

Por: Ángel Luis Parras

A xenofobia e o racismo, as bandeiras do fascismo.

Tornou-se comum na esquerda rotular qualquer política de direita ou repressiva como fascista e estender essa denominação a todo governo ou partido que a apoie. O uso desse termo para definir qualquer coisa não ajuda a identificar realmente o fascismo e também não ajuda a combatê-lo colocar toda a “extrema direita” no mesmo saco, sem analisar as diferenças dentro dela.

Uma parte dos grupos fascistas, aqueles que levantam bandeiras da Espanha com “pollo”[1] – se concentram no Valle de los Caídos e fazem da parafernália franquista, o motivo central de suas aparições – representam a decadência e a marginalidade, refletidas no decrépito Blas Piñar, ou o descerebrado [Ricardo Sáenz de] Inestrillas. Pelo contrário, hoje o real perigo do fascismo provém de grupos como Democracia Nacional ou o MSR (Movimento Social Republicano), que não exibem a simbologia franquista e até mesmo se autodenominam democráticos.

Estes grupos procuram acumular forças, levantando slogans com os quais conquistaram a simpatia dos trabalhadores mais castigados e os setores mais pobres. Seus lemas giram em torno do nacionalismo espanhol, à “invasão dos imigrantes” e “os espanhóis primeiro”.

Com esses slogans, eles se dirigem aos bairros e cidades operárias e utilizam a democracia burguesa (com manifestações, listas eleitorais…) para divulgar suas propostas, organizar e ganhar base social. As eleições municipais passadas foram um aviso, com várias candidaturas que obtiveram resultados nada desprezíveis e vereadores em alguns lugares da Catalunha e em Madri.

Contra o apoliticismo de muitos “antifascistas”, o verdadeiro combate contra o fascismo ocorre no terreno da ação política, lutando para impedir que os fascistas entrem nos bairros operários. A resposta às agressões que tiraram a vida de imigrantes como Lucrecia ou garotos como Carlos, faz parte da batalha para tornar os bairros e povoados operários bastiões contra o fascismo.

A ilegalização é uma bandeira da esquerda?

Com honrosas exceções, como Corriente Roja, a ilegalização e as proibições converteram-se na grande bandeira do movimento antifascista. Mas uma coisa, absolutamente necessária, é denunciar a hipocrisia do Estado, que faz uma Lei de Partidos que deixa de fora as organizações que tem apoio democrático de milhares de cidadãos, enquanto protege a impunidade dos bandos fascistas… E outra, bem diferente, é assumir como sua a fórmula da ilegalização, tão apreciada pelo governo e o regime.

Quem se surpreendeu quando Eduardo Zaplana[2] aderiu à exigência de ilegalização da Democracia Nacional e exigiu do Procurador Geral do Estado que “impedisse a marcha da Falange para celebrar o 20-N”? Mas o que é “normal” em Zaplana ou no Governo Zapatero deveria ser inadmissível na boca da esquerda e dos antifascistas. Em um país onde uma Lei de Partidos reacionária proscreve opções políticas, e prepara a ilegalização da ANV e as manifestações são proibidas pela arbitrariedade de juízes franquistas, só nos faltava ouvir a esquerda anticapitalista clamar ao Estado para tornar os partidos ilegais.

Só um verdadeiro tolo pode esquecer que à medida que a crise social se aprofunde e avance a resposta operária e juvenil, toda a máquina repressiva nas mãos do Estado inevitavelmente se voltará contra a classe operária, começando pela vanguarda jovem. É bom lembrar como, em nome da paz e da liberdade, nos venderam uma Lei antiterrorista que nem sequer serviu para barrar aos bandos fascistas, mas se converteu num chicote contra piquetes operários nas greves e contra dirigentes sindicais como Cándido e Morala[3], bem como num açoite contra os lutadores bascos.

Os grupos fascistas não precisam da legalidade para seus crimes, porque o seu “ambiente natural” são os esgotos do Estado. A ilegalidade da Democracia Nacional serviria apenas para dar uma bandeira democrática e, ainda pior, daria argumentos àqueles que, em nome da “luta contra os extremos e contra a violência”, proponham ilegalizar a ANV (Ação Nacionalista Vasca) e quem quer que venha atrás. Zaplana não apenas reivindicou a ilegalidade da Democracia Nacional, mas a das organizações antifascistas.

Contramanifestações ou como em Vallecas?

Para o chamado movimento antifascista, a grande arma de luta contra o fascismo são as contramanifestações destinadas a estourar as manifestações fascistas. Com essa lógica convocaram-se as ações de 11 de Novembro (na qual morreu Carlos) e a do dia 17 na Praça da Porta do Sol. Ficamos muito felizes que o resultado da segunda fosse tão diferente da primeira, mas não se deve esconder que a lógica política de ambas era a mesma.

Essas convocações são a aposta, mais ou menos consciente e consequente, pelo embate direto com os fascistas de uma minoria radical, antifascista, conscientizada, etc., que, diante do atraso da classe operária e do conjunto da juventude, se autoconclama como salvadora.

Mas a manifestação mais numerosa, a mais cheia de jovens, de trabalhadores e imigrantes foi a de Vallecas, convocada com um critério político oposto ao das contramanifestações. A manifestação surge de uma Associação de Vizinhos (Alto del Arenal) que busca o apoio de outras Associações, grupos sociais e partidos do bairro.

Com base nisso recorremos, entre uns e outros, empresas, garagens de ônibus, canteiros de obras, escolas… Foi o chamado a um bairro operário para ser aquele a se levantar contra a brutalidade fascista. Em Vallecas não são proibidos os cartazes: venham todos aqueles que querem expressar sua solidariedade a Carlos e sua família e repudiar o crime fascista! É no contexto da mobilização que tem sentido as medidas necessárias de autodefesa contra os fascistas: não como algo isolado do movimento, mas como parte dele.

Hoje, quando a crise econômica e a polarização política aumentam o descontentamento com o governo, mas sem ver saídas à esquerda, o desenvolvimento dos preconceitos xenófobos e racistas nos bairros operários ameaça se espalhar e criar o terreno fértil aos grupos fascistas. Errar na caracterização do fascismo e como combatê-lo pode ser uma tragédia. Presenciamos dois métodos e duas políticas para enfrentar o fascismo. O exemplo de Vallecas mostrou como combater as agressões fascistas sem substituir os trabalhadores e os jovens, mas apelando para eles e com eles, tecendo pacientemente laços de solidariedade de classe para fechar as portas à xenofobia e ao racismo e fazer dos bairros operários bastiões contra o fascismo.

De qual vingança falamos?

A indignação, a justa fúria interior que é sentida quando acontece um assassinato fascista como o de Carlos, quase inevitavelmente leva muitos ativistas, especialmente os mais jovens, a exigir vingança! Seja o que for que os guardiões da moral digam, o sentimento de vingança é legítimo e os trabalhadores e os jovens temos toda a solvência moral diante daqueles que observam com indiferença ou passividade as misérias deste mundo.

O problema é que, na confusão que geram inicialmente estes atentados fascistas, aparecem os ideólogos pseudoanarquistas da “propaganda da ação”. As reuniões e assembleias quase perdem seu caráter coletivo e se tornam em uma gritaria onde esses profetas da ação fazem valer sua voz contra os “medrosos”, os “covardes” e os “políticos”: Menos conversa! Devemos vingar o sangue derramado! gritavam alguns “antiautoritários”, desses que proíbem cartazes e bandeiras – que não sejam as deles – nas manifestações ou que se dedicam a arrebentar manifestações como a convocada pelo Sindicato de Estudantes porque este “não pertence ao movimento antifascista”.

A “única resposta” para este setor é a confronto direto, isto é, a “caça do nazista” e as “contramanifestações”, uma atividade que, parafraseando o velho Trotsky, “requer uma concentração de energia para o “grande momento”, tal superestimação do sentido do heroísmo individual e tal “hermetismo conspirativo”, que se não logicamente, pelo menos psicologicamente, exclui totalmente o trabalho de agitação e organização entre as massas”.

Para este setor, a vingança está nas ações de uma minoria localizada por fora da imensa maioria dos jovens e da classe operária. Suas ações, quanto mais impactantes, mais poderão seguramente semear alguma desordem nas fileiras inimigas, mas essa desordem circunstancial é infinitamente menor que a confusão e divisão que gera nas próprias fileiras.

Por outro lado, se um grupo bem equipado é capaz de dar um golpe exemplar nos fascistas, por que tanto esforço para organizar a ação das massas? Por que tantas reuniões, assembleias ou frentes unitárias? Cada ação dessa natureza pode, sem dúvida, liberar a adrenalina daqueles que a desenvolvem, mas limita o interesse das massas pela sua auto-organização e autoeducação e acaba tornando-as mais resignadas a sua impotência e esperando que um herói vingador e libertador chegue um dia e cumprirá sua missão.

Quando eles assassinaram Carlos, utilizamos nossa raiva e nossa fúria procurando pelas associações de bairro, estudantes, trabalhadores da construção civil, nos centros industriais e garagens, procurando os imigrantes dos bairros operários… e tentando contagiar a todos de nossa raiva e indignação para, juntos, mobilizar e barrar os bandos fascistas. A autodefesa, absolutamente necessária, deve fazer parte da organização e da luta das massas, que devem senti-la como sua.

Na luta social, paciência e impaciência não são traços psicológicos pessoais, mas de classe. O sistema capitalista e seu regime monárquico podre nos devem tanto que nossos desejos de vingança não se aplacam com a cabeça ou a pele de qualquer fascista descerebrado. Nosso desejo de vingança é tão grande que apenas destruindo todo o sistema poderemos satisfazê-lo. Essa fatura não é outra senão a revolução e, essa só poderemos cobrá-la se fizermos juntos com a nossa classe, com a juventude operária e estudantil, com os trabalhadores imigrantes e nativos.

[1] Frango como é chamada a Águia de São João (Águila de San Juan), símbolo que foi incluído na bandeira do Estado Espanhol durante o franquismo..

[2] Ex-ministro de governo do PP (Partido Popular) e agora acusado por corrupção durante seu mandato como Presidente da Generalitat de Valencia (1995-2002), ndt;

[3] Juan Martínez Morala e Candido Gonzáles, dirigentes de Corrente Sindical de Esquerda, presos e depois condenados a 03 anos de prisão em regime aberto, por participar das mobilizações dos trabalhadores do estaleiro Naval de Gijón, ndt;

Tradução: Rosangela Botelho

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