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quinta-feira, março 28, 2024

Buenaventura Durruti: “Nosso campo de luta é a revolução”

Reproduzimos a continuação a passagem dedicada a Durruti do capítulo sobre o anarquismo do livro Uma Revolução Silenciada

A capitulação dos dirigentes da CNT, sua inclusão no governo de Largo Caballero, não foi feita sem uma forte oposição nas fileiras do anarquismo. O drama para milhares de militantes anarquistas foi expresso em sua oposição aos decretos governamentais de dissolução das milícias e especialmente nos Acontecimentos de Maio de 1937. Enquanto García Oliver, Federica Montseny e companhia estavam no governo, milhares de militantes anarquistas foram perseguidos e presos. A morte de Camilo Berneri nos acontecimentos de Maio de 37 simbolizou como poucos o drama de muitos dos melhores lutadores da revolução.

Por: Ángel Luis Parras

Mas o homem que melhor representou o heroísmo da classe operária, sua perseverança revolucionária, seu espírito de sacrifício e a firme convicção de que a guerra e a revolução eram um binômio indissolúvel, foi Buenaventura Durruti.

Durruti passou a vida entre as prisões e as lutas operárias. Sua figura foi objeto de calúnias grosseiras e vis, como as do cineasta Vicente Aranda, que em seu filme Libertarias situa Durruti como o máximo defensor do decreto de exclusão das mulheres das milícias, quando, na época, infelizmente, Durruti já havia morrido. Ou como aquela campanha stalinista que, usando a frase de Durruti “renunciamos a tudo menos à vitória”, tentou associá-la à sua teoria frentepopulista de “primeiro ganhar a guerra”.

Alguns golpes espetaculares realizados em diferentes lugares do mundo aumentaram a reputação de um Durruti “bandido”. No entanto, foi Durruti quem em 1935, no meio do Segundo biênio da Segunda República Espanhola e estando preso, liderou a oposição contra os que se dedicavam à “indústria do roubo”. Sua posição “banditismo não, expropriação coletiva, sim” acabou levando-o a ser julgado pela CNT após sua libertação da prisão.

A figura de Durruti foi muito polêmica e até mesmo muito criticada por vários setores do anarquismo, que o acusaram de infantilista e anarco-bolchevique. A razão subjacente é que Durruti, guiado por um “sano empirismo”, por um irredutível instinto de classe que nunca abandonou, jamais aceitou dissociar revolução e guerra. Suas batalhas dentro da CNT sempre foram guiadas por critérios que entraram em choque, inconscientemente ou não, com os elementos centrais dos postulados anarquistas. Como membro do grupo “Nós“, defendia e construía a “organização revolucionária”, algo que “encontraria opositores em muitos militantes (…) que confiavam mais na espontaneidade das massas do que na organização revolucionária” [1]. Esta concepção longe do culto do espontaneísmo foi fundamental para a organização dos Comitês de Defesa, que foram decisivos nos acontecimentos de 19 de julho na Catalunha.

Na véspera da eclosão da revolução, em 1º de maio de 1936, a CNT realizou seu IV Congresso. Depois de duros debates com um papel destacado de Durruti e do grupo “Nós”, o Congresso aprovou uma resolução sobre a Aliança Operária Revolucionária dirigida à UGT, convidando esta central sindical a formar “um bloco de ação para ir à destruição do regime capitalista e estabelecer um regime socialista baseado na democracia operária” [2]

As polêmica que atravessaram o Congresso foram “no fundo (…) a questão do poder revolucionário, tabu que, ao não atacá-lo diretamente, contribuía para manter equívocos, pois se não eram prejudiciais no momento, seriam tão logo como os acontecimentos situaram a CNT-FAI diante da realidade revolucionária ” [3]

Em 25 de julho, pouco antes da partida para Aragão da Coluna que levaria seu nome, um jornalista canadense entrevistou Durruti: “Todos os trabalhadores da Espanha sabem que se o fascismo trinfa virá a fome e a escravidão. Mas os fascistas também sabem o que os espera se perdem (…) Estamos decididos a acabar de uma vez por todas [com o fascismo], e isto apesar do Governo”, disse Durruti. “Por que você diz apesar do governo? Por acaso este governo não está lutando contra a rebelião fascista?”  perguntou, um tanto surpreso, o jornalista.

A resposta de Durruti sintetiza uma visão da revolução e uma posição oposta pelo vértice diante do Governo, a qual apenas alguns meses mais tarde levaria a García Oliver e companhia a entrar no governo: “Nenhum governo no mundo luta contra o fascismo até suprimi-lo. Quando a burguesia vê que o poder lhe está escapando, recorre ao fascismo para manter o poder de seus privilégios. E é isso que acontece na Espanha. Se o governo republicano quisesse acabar com os elementos fascistas, poderia ter feito isso há muito tempo. E em vez disso, foi complacente, buscou acordos e desperdiçou seu tempo procurando compromissos e acordos com eles. Ainda neste momento, há membros do governo que querem tomar medidas muito moderadas contra os fascistas”. E Durruti setenciou: “Quem sabe se o governo ainda espera usar as forças rebeldes para esmagar o movimento revolucionário desencadeado pelos trabalhadores”.

O jornalista continua: “Largo Caballero e Indalecio Prieto afirmaram que a missão da Frente Popular é salvar a República e restaurar a ordem burguesa. E você, Durruti, me diz que o povo quer levar a revolução o mais longe possível. Como interpretar essa contradição?” “O antagonismo é evidente -diz Durruti- Como democratas pequeno-burgueses, estes senhores não podem ter outras ideias do que aquelas que professam. Mas o povo, a classe operária, está cansada de ser enganada. Nós lutamos não pelo povo, mas com o povo, isto é, a revolução dentro da revolução. Estamos conscientes de que nesta luta estamos sozinhos e que só podemos contar com nós mesmos. Para nós não significa nada que exista uma União Soviética em uma parte do mundo, porque sabíamos de antemão qual seria sua atitude em relação à nossa revolução. Para a União Soviética, a única coisa que conta é a sua tranquilidade. Para desfrutar dessa tranquilidade, Stalin sacrificou os trabalhadores alemães para a barbárie fascista. Antes foram os operários chineses que foram vítimas deste abandono … “[4]

Por cada povoado que passava Durruti, parava e dizia: “Vocês já organizaram sua coletividade? Não esperem mais, ocupem as terras! (…) Temos que criar um mundo novo, diferente daquele que estamos destruindo. Se não, não vale a pena que a juventude morra nos campos de batalha. Nosso campo de luta é a revolução.”

Em 4 de novembro de 1936, poucos dias após o decreto de militarização ter sido aprovado pela Generalitat e no mesmo dia em que os dirigentes da CNT, Federica Montseny, Juan García Oliver, Juan Lopez e Joan Peiró foram incorporados como ministros ao governo de Largo Caballero, Durruti fez um discurso, da Frente de Aragón, pela Rádio CNT-FAI. Milhares de trabalhadores paralisaram a atividade para ouvir o discurso através de alto-falantes localizados ao longo das orlas de Barcelona: “As organizações operárias não devem esquecer qual deve ser o dever urgente dos momentos presentes. Na frente, como nas trincheiras, há um pensamento, apenas um objetivo. Olhamos fixamente, olhamos para frente, com o único propósito de esmagar o fascismo. (…) É necessária uma mobilização efetiva de todos os trabalhadores da retaguarda, porque os que estamos na frente queremos saber com que homens contamos atrás de nós”

“Os da frente pedimos sinceridade, especialmente à Confederação Nacional do Trabalho e à FAI (…) é necessário começar organizando a economia da Catalunha, estabelecer um Código na ordem econômica. Não estou disposto a escrever mais cartas para que os companheiros ou o filho de um miliciano coma um pedaço de pão ou um copo de leite mais, enquanto há conselheiros que não têm limites para comer e gastar. Dirigimo-nos à CNT-FAI para lhes dizer que, se como organização controlam a economia da Catalunha, deveriam organizá-la adequadamente. (…) O fascismo representa e é, de fato, a desigualdade social, se não querem que aqueles de nós que lutamos, os confundam aos da retaguarda com nossos inimigos, cumpram seu dever. A guerra que estamos fazendo atualmente serve para esmagar o inimigo na frente, mas este é o único inimigo? Não. O inimigo é também aquele que se opõe às conquistas revolucionárias e que está entre nós, e que também esmagaremos da mesma forma. (…) Se essa militarização decretada pela Generalitat é para nos assustar e impor uma disciplina de ferro, se equivocaram. Vocês se equivocaram, conselheiros, com o decreto de militarização das milícias. Já que vocês falam de disciplina de ferro, eu digo a vocês para vir comigo para a frente. Nela estamos aqueles  que não aceitamos nenhuma disciplina, porque somos conscientes para cumprir com nosso dever. E vocês verão nossa ordem e nossa organização. Depois viremos para Barcelona e perguntaremos sobre sua disciplina, sua ordem e seu controle, que vocês não têm”[5]

Em 15 de novembro de 1936, mais de 3000 integrantes da coluna Durruti combatiam em Madri, com ele no comando. Em 19 de novembro, uma bala o feriu na cidade universitária, onde morreu no dia seguinte. No domingo, 22 de novembro, em Barcelona, Durruti teve uma despedida multitudinária. O cortejo foi presidido por numerosos políticos, embora o protagonismo do ato público fosse monopolizado por Companys, presidente da Generalitat, Antonov-Ovseenko, cônsul da União Soviética e Juan García Oliver, ministro anarquista da Justiça da República, que tomaram a palavra diante do monumento a Colón.

“Os três concordaram em elogiar a unidade antifascista acima de tudo. O catafalco de Durruti já era uma tribuna da contrarrevolução. Três oradores, proeminentes representantes do governo burguês, do stalinismo e da burocracia da CNT, disputavam a popularidade do ontem perigoso, incontrolado e hoje embalsamado herói. Quando o caixão, oito horas após o início do espetáculo, sem o cortejo oficial, mas ainda acompanhado por uma curiosa multidão, chegou ao cemitério de Montjuic, não pôde ser sepultado até o dia seguinte, porque centenas de coroas obstruíam a passagem, o buraco era muito pequeno e uma chuva torrencial impedia que fosse ampliado. A sagrada unidade antifascista entre burocratas operários, stalinistas e políticos burgueses não podia tolerar descontrolados da magnitude de Durruti: é por isso que sua morte era urgente e necessária. Ao opor-se à militarização das milícias, Durruti personificava a oposição e resistência revolucionárias à dissolução dos comitês, à direção da guerra pela burguesia e o controle estatal das empresas expropriadas em julho. Durruti morreu porque se tornou um perigoso obstáculo para a contrarrevolução em marcha “[6]

Com Durruti morria o dirigente que, à sua maneira, melhor expressava como combater o fascismo a partir de um critério de independência de classe, ao contrário do colaboracionismo frentepopulista da direção anarquista.

Durruti foi um fator de primeira ordem no papel da classe operária na Catalunha em julho de 1936. Mas Durruti, como diria Trotsky referindo-se ao papel das personalidades na história, não caiu do céu. Personificava a tradição revolucionária da classe trabalhadora espanhola. Sua morte foi, sem dúvida, um golpe objetivo ao processo revolucionário em marcha. Sem Durruti, o caminho ficou mais livre para que o stalinismo, com a cumplicidade do Governo da Frente Popular e da direção anarquista, terminasse em maio de 1937 a tarefa de liquidar a revolução.

Notas

[1] Durruti na revolução espanhola, Abel Paz. Editorial La esfera de los libros

[2] Idem

[3] Idem

[4] Todos os encontros da entrevista correspondem ao livro de Abel Paz antes citado

[5] Agustín Guillamon. Balance Cuaderno nº 25, 2ª edição Barcelona 2002

[6] Ídem

Tradução: Tae Amaru

 

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