qui abr 25, 2024
quinta-feira, abril 25, 2024

As pensões: de um direito a um negócio

No final do mês de janeiro passado, no Foro suíço de Davos, púlpito do capital financeiro internacional, Zapatero anunciava a proposta de aumentar a idade de aposentadoria para 67 anos. A Banca, a CEOE, o Banco da Espanha ou a União Européia lhe renderam apoio, ao mesmo tempo em que lhe exigiam firmeza na aplicação da medida.
 
Justificam a necessidade imperiosa desta medida em que, com o aumento da esperança de vida e a diminuição do crescimento demográfico, as pensões estão ameaçadas, se não a curto, sim a médio e longo prazo. Alegam que ao aumentar a idade da aposentadoria se garantem os rendimentos nos cofres da Seguridade Social e se elimina a ameaça que pende sobre o futuro das pensões. São verdadeiros os vaticínios? A medida anunciada responde a essa preocupação?
 
Uma lógica “racional” ou um critério capitalista?
 
Suponhamos por um instante que os argumentos demográficos, risco financeiro do sistema, etc. fossem verdadeiros, a pergunta de inicial seria muito básica: por que tem que ter dinheiro para as “ajudas” milionárias aos banqueiros, para manter a Casa real, para manter despesas militares na Espanha na ordem de 53 milhões de euros diários, para manter salários de privilégio aos parlamentares e cargos públicos… e não para as pensões?
 
O gasto público é um dos instrumentos chaves da intervenção do Estado na economia. Contra os ideólogos do liberalismo, a realidade mostrou desde finais do século XIX que o Estado vem intervindo na economia em forma sustentada e crescente. Algumas vezes provocada pelas reivindicações operárias, em outras exigidas pelas próprias limitações do sistema de livre mercado, que tem que ser socorrido porque os capitalistas são incapazes por si só de sair das crises e precisam do Estado para cuidar seus negócios.
 
Foi na década dos anos 80 do século XIX quando o movimento operário alemão, o mais poderoso, concentrado e organizado do velho continente, impôs ao Governo Bismarck, o seguro de doença, o seguro de acidentes de trabalho e o seguro de velhice e invalidez. Antes, os operários quando ficavam doentes, acidentados ou a idade lhes impedia de trabalhar, passavam a depender do que tivessem conseguido poupar em toda sua vida ou ficavam a mercê do apoio que pudessem lhes dar seus filhos ou outros familiares.
 
Entre 1883 e 1889, o movimento operário alemão conquistava direitos básicos como os assinalados, que obrigavam o Estado a “redistribuir” o benefício capitalista em forma de “salário diferenciado”. Eram as concessões às que se via obrigado o Estado, dizia Bisrmarck “para que os operários não se tornassem socialistas”. No Estado espanhol, a primeira lei de pensões, a Aposentadoria operária, data de 1919, anos também marcados pelas revoltas operárias.
 
Os anos 30 do século XX foram os anos da intervenção mais massiva do Estado na economia, para assegurar a estabilidade de um sistema que vinha a pique. A chamada política do New Deal colocada em marcha pelo Presidente norte-americano Roosevelt foi a sua mais clara expressão. A reconstrução da Europa depois da segunda guerra mundial sustentou-se na intervenção em massa dos Estados na economia, como antes o tinham feito os regimes fascistas de Mussolini e Hitler ou como o fez o mesmo regime franquista com a criação, entre outras coisas, do Instituto Nacional da Indústria.
 
Como assinala o economista canadense Louis Gill, “Seja pública ou privada, a atividade econômica deve ser avaliada com relação ao que determina o funcionamento geral da economia capitalista, isto é, a empresa privada e seu motor, o lucro”. Daí que a intervenção do Estado na economia capitalista não é outra coisa do que um mecanismo de estabilização, de difusão, de preservação do capitalismo.
 
Voltando então à pergunta original. Qual é o argumento “racional” para que o aumento do gasto público seja plausível quando se trata de sair ao resgate dos banqueiros e inaceitável quando se propõe que seja para as pensões? Qual é o argumento “racional” que explica que os impostos que nós os trabalhadores pagamos, os diretos e os indiretos, sejam dados em ajuda aos banqueiros, mas não às pensões?
 
A lógica do sistema é implacável: todo gasto público que direta ou indiretamente ajude a frutificar o capital, deve ser considerado um gasto produtivo. Todo gasto que não esteja destinado a ser vendido no mercado, que não se reja pelo critério do lucro, deve ser considerado gasto improdutivo.
 
O dinheiro investido na educação é um gasto público produtivo ou improdutivo? Qual é a resposta a partir dessa “racionalidade”? Para a Igreja e os negociantes da educação, a resposta é singela: quando o gasto público é destinado à educação privada não há nada que objetar! É um gasto produtivo! Estão totalmente contrários de que se ajude à educação pública? Não, sempre que isso não ultrapasse determinados limites. Quando a ajuda à Escola pública serve de filtro para libertar à privada dos setores sociais mais empobrecidos, a ajuda é perfeita e plausível porque é complementar e ajuda por tanto ao negócio.
 
Por tanto para determinar se devesse aumentar a idade de aposentadoria, para definir o papel do gasto público não há uma lógica “racional”, asséptica, há sim um critério de classe. A partir daí começam os planos com todos seus matizes.
 
As pensões, como a educação, a previdência pública são para os trabalhadores um direito adquirido, conquistado em anos de luta, uma forma de ver retribuído uma parte do trabalho, uma forma de salário social, de salário diferenciado.
 
Para a Banca (sistema financeiro), as multinacionais e os capitalistas em geral, agora mais que nunca no meio da crise, a previdência, a educação as pensões, o transporte público, são um pesado ônus para o Estado, porque subtraem recursos que deveriam ir para eles. Para os capitalistas o gasto público, em época de crise, vem a suprir parte da diminuição do crédito. Por isso exigem de maneira feroz que esse “crédito” não se “desperdice” em tarefas “não produtivas”… e passe diretamente para eles.
Mas a outra face da moeda é que em época de crise, onde os setores que foram ponta no processo de acumulação capitalista se esgotam, os serviços públicos se convertem em um filão onde concentrar os capitais. Daí que sua tenacidade na diminuição do gasto público vai acompanhada de sua paixão pela privatização dos serviços públicos.
“Previsões” sobre as pensões tão falsas como interesseiras
 
Os relatórios de “especialistas” sobre a “inevitável quebra” do sistema público de pensões não vêm de hoje. Desde meados dos anos 90 foram esbanjados relatórios sobre o futuro das pensões. Entidades financeiras e Associações patronais encomendaram a afamados economistas estudos detalhados. Assim a Federação das Caixas de Poupança (FUNCAS) encomendou um estudo a David Taguas, o atual presidente da patronal da Construção Civil (SEOPAN) e ex-diretor do Escritório Econômico de Zapatero. A Caixa e o BBVA foram somando relatórios encomendados a “entendidos”. O Círculo de Empresários de Madri encomendou um relatório sobre o assunto a José Piñera, o Ministro de Pinochet encarregado da privatização completa das pensões no Chile nos anos 80.
 
Todos os diagnósticos apontavam na mesma direção: “O atual sistema estatal de distribuição está destinado, desde uma perspectiva econômica, à quebra” (Piñera, relatório 1996). “Dentro de quatro anos a Seguridade Social espanhola poderia estar em déficit financeiro para os pagamentos os pensionista” (David Taguas – 2007). Os estudos fundamentavam seus prognósticos em projeções demográficas, na diminuição de participantes à Seguridade Social, o crescimento no número de aposentados, etc., etc.
Qual foi a realidade? Erros com letras garrafais, alguns diretamente grosseiros. Se a validade científica das projeções de população para um máximo de dez anos é questionada por muitos demógrafos, imaginem quando essas projeções se estendem a quarenta ou cinquenta anos. Por exemplo, esses estudos previam em 1995, em plena campanha pela privatização das pensões, que a população espanhola estaria em torno de 39 milhões de pessoas no ano 2010. Hoje somos 47 milhões de habitantes um “erro” de quase 8 milhões. Que omitiram na previsão? Nem mais nem menos que o fluxo migratório, uma componente do desenvolvimento demográfico, da criação de riqueza, etc.
 
Os estudos previam que em 2005 (data da quebra anunciada) teria 13,9 milhões de contribuintes à Seguridade Social contra 7,6 milhões de pensionistas e em 2010 seriam 14,5 milhões os participantes contra 8,2 milhões os pensionistas. Estaríamos assim em 2010 em uma proporção de 1,76 contribuintes por pensionista (Dados informe Círculo de Empresários). Outros relatórios subiam ou baixavam algum item desses dados (A Caixa), mas sem alterar o substancial. A conclusão era “terrível”, se não se encontrasse uma solução, em 2010 a dívida gerada pelas pensões séria descomunal, nem mais nem menos que o equivalente ao 10,74% do PIB.
A vida ditou a sentença e a realidade é que em 2005 tínhamos 17,8 milhões de contribuintes à Seguridade Social e 7,4 milhões pensionistas e ainda hoje em plena crise a proporção contribuintes-aposentados é de 2,39. A “dívida” prevista na Seguridade Social não só não existe, senão que tem um superávit equivalente ao 5,9% do PIB. Como se vê, os dados ficaram longe, bem longe, dos prognósticos destes fabricantes de medos, timbaleiros de profissão (José Iglesias Fernández).
 
O grande negócio dos fundos privados de pensões
 
Na realidade não se cometeu erros senão de prognósticos interesseiros, de “erros” calculados, que surtiram seu efeito porque conseguiram dar credibilidade social à treta friamente planejada.
 
O empenho do capital financeiro e de seus timbaleiros traduziu-se em um Pacto político que veio legitimar o princípio do desmonte do sistema de pensões públicas, os Pactos de Toledo aos que depois nos referiremos. E traduziu-se na irrupção dos fundos privados de pensões, na chamada “capitalização” da poupança ou o que é o mesmo, monopolizar o dinheiro de um sem número de poupadores, para convertê-lo em capital especulativo.
 
São esses fundos de pensões os que a nível mundial têm estado em boa parte por trás da bolha imobiliária e toda a armação especulativa. No final de 2009, já num estado avançado da crise econômica, os fundos de pensões atingiram um volume de ativos de 12,8 bilhões de euros a nível mundial.
 
No Estado espanhol, no ano 1991, estima-se que existia, aproximadamente, um total de 302 fundos de pensões que tinham um patrimônio de 4.900 milhões de euros. No final do ano 2009, o número de fundos elevava-se a 3.308 com um patrimônio total de 84.800 milhões de euros. Calcula-se que há cerca de oito milhões de pessoas, 45% da população empregada, que tem contratado um plano de pensões afora que este dado é relativo porque há pessoas que têm mais de um plano. É certo que os planos de pensões são mais frequentes entre a chamada classe média.
 
Agora retornam os fabricantes de medos com o mesmo discurso, retorna a campanha contra as pensões públicas e o fazem de novo em nome do interesse de uma minoria capitalista que, em época de crise, sempre redobra seu empenho de fazer passar como interesse geral o que não são mais que os seus próprios interesses.
A nova onda de ataques contra as pensões explica-se, entre outras coisas, porque a captação da poupança, a “capitalização” da mesma, é vital para os capitalistas no período de crise, para driblar as dificuldades com o crédito e é fundamental para dispor do capital necessário para financiar o processo de privatização.
 
Os Fundos de pensões na Espanha são um prato suculento para os investidores nacionais e internacionais. Isto porque o seu crescimento nestes anos está, ainda, muito atrás da maioria dos países da OCDE. Assim, enquanto o patrimônio dos Fundos de Pensões na Espanha equivale ao 8,1% do PIB em países como Holanda a cifra se eleva a 155% do PIB, na Suíça a 143%, no Reino Unido a 79% ou nos EUA a 72%.
 
Os setores financeiros utilizam frequentemente estes dados para mostrar como nos países “mais desenvolvidos” os Fundos de pensões estão em desenvolvimento e gozam de um patrimônio muito maior. “Temos que fazer como na Europa” clamam os timbaleiros. No entanto, de novo, apelam a um dado claramente falso, porque o que reflete essa proporção é o grau de privatização, de perda, de um direito social como as pensões. No núcleo duro da Europa, onde a classe operária preserva alguns direitos sociais básicos a proporção está abaixo da do Estado espanhol. Assim na Alemanha os Fundos de pensões equivalem a 6,1% do PIB, na Itália a 4,3% e na França a 1%.
 
Os Pactos de Toledo
 
Os Pactos de Toledo subscritos por todos os grupos parlamentares e apoiados pela CCOO e a UGT foram aprovados no Parlamento em 6 de abril de 1995. Era, formalmente, o compromisso de todas as forças políticas para “reforçar, consolidar e dar viabilidade futura ao modelo de pensões que tem se configurado nos últimos anos, pois é o que melhor permite combinar adequadamente os princípios de seguridade e solidariedade”.
 
Nos Pactos de Toledo estabeleceram-se três “modalidades de proteção”:
a) As chamadas pensões contributivas, prestações econômicas de caráter obrigatório e público que “constituem o núcleo essencial do sistema”.
b) As pensões não contributivas, “dirigidas a compensar a ausência de rendas nos cidadãos que se encontram em situação de necessidade por razão de idade, doença ou ônus familiares”.
c) E, uma terceira modalidade de “prestações complementares de natureza livre e gerenciamento privado, à qual poderão aceder aqueles que voluntariamente desejem completar as prestações do sistema público”.
 
A partir daí resolviam separar as fontes de financiamento, de forma que as pensões contributivas dependessem das cotizações sociais, enquanto as não contributivas dependeriam dos Orçamentos Gerais do Estado. E para “assegurar” o futuro das prestações contributivas criava-se um Fundo de reserva que se financiaria com o superávit dos rendimentos das contribuições e ajudas diretas do Estado. Assim mesmo, em virtude do Pacto se ampliava o período de cálculo das pensões passando de 8 para 15 anos.
 
Se a reforma das pensões de 1985 passou o período de cálculo de 2 para 8 anos, esta “continuava” o trabalho. Se com dois Governos do PSOE, os de Felipe González, o cálculo das pensões passou de 2 para 15 anos, agora vamos já à terça investida e de novo com um Governo do PSOE, o de Zapatero. O Pacto buscava ademais em suas recomendações, a exigência dos empresários de reduzir suas contribuições. Assim, o documento estabelecia que “reduzir as contribuições sociais se considera um elemento dinamizador da economia”. Aconselhava-se assim mesmo “facilitar um prolongamento voluntário” da aposentadoria.
 
Argumentos “progressistas” para uma política pró-capitalista
 
Os dirigentes da CCOO e da UGT somaram-se a todos os prognósticos que vaticinavam a quebra do sistema de pensões, apoiaram efusivamente os Pactos de Toledo e contribuíram com os argumentos “progressistas”.
 
Sustentaram e sustentam que ao separar as fontes de financiamento, ao fazer caixa aparte para as pensões contributivas, se garantiria que o dinheiro das cotizações sociais se dedicasse verdadeiramente às pensões e não a outras despesas sociais.
 
Na realidade o que estavam fazendo era apoiar um enorme retrocesso de um direito social como as pensões.
 
a) Os Pactos de Toledo, ao fazer caixa aparte, eximem ao Estado de boa parte de sua responsabilidade com uma obrigação social, como são as pensões contributivas. Falam do “princípio da solidariedade”, mas afundam a desigualdade social ao impedir qualquer tentativa de equiparação das pensões e de avançar a seu estabelecimento como direito universal, desvinculado do emprego.
b) Permitiram um novo rebaixamento das pensões ao ampliar o período de cálculo do valor da pensão de 8 para 15 anos. Aprofundaram assim a tendência a degradar as pensões contributivas para empurrar os trabalhadores a procurar pensões privadas complementares.
c) Os Pactos de Toledo estimularam a privatização das pensões abrindo passo a passo as portas para os fundos privados de pensões. Fundos que contariam imediatamente com reduções de impostos fiscais.
d) Se as pensões contributivas são por si só escassas e algumas miseráveis, as não contributivas perdem em rigor o nome de pensões, se transformando em “caridade social”.
e) Os Pactos de Toledo abriram as portas para prolongar a idade de aposentadoria, incentivando-o, enganosamente, com o aumento da pensão caso se trabalhasse além dos 65 anos. Encobre-se com a fórmula da “voluntariedade” o que é um empurrão forçado a continuar trabalhando além dos 65 anos. Porque com pensões cada vez mais baixas pela ampliação do período de cálculo e a precariedade de emprego, não há outra fórmula para tentar receber uma pensão pública maior do que trabalhar mais anos. E porque com a precariedade e o desemprego tem que trabalhar mais anos para poder receber a pensão contributiva.
f) Em essência os Pactos de Toledo deram legitimidade ao modelo que os capitalistas e em especial o capital financeiro, vêm buscando há duas décadas, um modelo “misto” de pensões, com pensões públicas cada vez mais miseráveis, que os trabalhadores devem complementá-las com “planos privados de pensões”, e uma ajuda para “os indigentes” que lava alguma consciência, evita mais tensões sociais e, ainda que seja bem pouco, contribua ao consumo.
 
O outro princípio alegado pelos Pactos de Toledo foi o da “seguridade”. Privatizar, em nome da seguridade, as pensões através dos Fundos não é novo. Por exemplo, em 1994 o Governo argentino presidido por Carlos Menem, privatizou o sistema de pensões substituindo-o por um chamado sistema “misto” no qual as empresas privadas, com fins lucrativos, as chamadas Administradoras de Fundos de Aposentadorias e Pensões (AFJP) administravam os fundos gerados com as “contribuições dos aposentados” realizados pelos trabalhadores no regime de capitalização individual estabelecido por Lei. O mecanismo era o seguinte:
 
“A AFJP recebe uma comissão, deduzida da contribuição provisional obrigatório dos filiados, e administra o investimento do capital acumulado, com o duplo fim de injetar fundos no mercado de capitais e obter uma rentabilidade para os poupadores e para si mesma. Uma vez atingida à idade de aposentar-se, a AFJP deve entregar ao filiado o capital acumulado, em quotas mensais, até seu esgotamento”.
 
No final de 2008 e no meio de uma mobilização operária e popular e da indignação de milhões de aposentados argentinos, o Governo de Cristina Fernández de Kirchner teve que estatizar as pensões, porque as contribuições dos aposentados tinham sido volatilizadas no meio dos cambalachos dos especuladores financeiros.
Mas não precisa ir tão longe. “No último ano, o extrato mensal de boa parte destes planos tem sido fonte de dores de cabeça. Parte do dinheiro acumulado virou fumaça. Muitos poupadores que sonhavam com uma aposentadoria dourada, duvidam agora se sobrará algum dinheiro disponível em suas contas. E perguntam-se o que fazer.
Em 2008, o ano da explosão da mega crise financeira, os planos de pensões espanhóis perderam em media 7%, segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento. (…) “Os planos da Irlanda perderam cerca de 30%; os dos Estados Unidos, 22%; a queda média para os países da OCDE foi de 18%”. (Público 9/março/2009)
 
“Os 50 bilhões evaporados pelo Sr. Madoff[1] cruzaram muitas fronteiras: aqui na Espanha, por exemplo, o Santander sumiu com uns tantos bilhões, que à Caixa, também, se beneficiou… E assim uma longa lista na que aparecem umas siglas que nos impactam: Fonditel (…). Mas, uma vez tranquilizados pelo assunto Madoff, outra notícia: “O Fundo de Pensões de Empregados da Telefônica (o nosso, sim), deixou 80 milhões de euros na quebra do Lehman Brothers” (Expansión, 15/01/09)” (Cobas –Telefônica- informa, Janeiro 2009)
 
Onde ficou a segurança que davam os planos privados diante à incerteza das pensões públicas?
 
CCOO-UGT e a privatização das pensões
 
O economista e ex diretor do El País, Joaquín Estefanía, dedicou um extenso trabalho à história da Transição desde o ponto de vista da economia. Estefanía assinala o papel decisivo dos Pactos sociais nos planos econômicos desde 1977 e repassa os diferentes acordos subscritos pela patronal, governo e sindicatos desde os que iniciaram o processo, Os Pactos da Moncloa. Em todos estes Pactos [1], junto à medida que iam cortando direitos dos trabalhadores, se acrescentavam uma vez e outra “ajudas” a CCOO e a UGT. Estefanía, sem pudor, conta a inclusão de “cláusulas secretas” nos acordos. Por exemplo, no ANE (Acordo Nacional de Emprego), assinado em junho de 1981, dita cláusula estabelecia “uma ajuda institucional aos sindicatos, que se apresentava como quantia a conta do patrimônio sindical acumulado. 800 milhões de pesetas anuais (quase 5 milhões de Euros) durante três anos. Essa ajuda econômica atualizada em seu valor de acordo com a inflação de cada ano ficará institucionalizada nos Orçamentos Gerais do Estado” [2].
 
As prerrogativas foram acrescentando-se em cada pacto, em forma de mais “ajudas”, na monopolização do “patrimônio sindical”, na potencialidade dos delegados do Sindicato… ou na inclusão dos Sindicatos nos organismos da Administração (INI, INSS, Insalubridade, Junta superior de preços, etc.). De fundo tratava-se de uma política destinada a institucionalizar os Sindicatos. De novo sem maior recato, Estefanía afirma que foi a aposta por um modelo de “Sindicalismo de cúpula, tanto pela perspectiva empresarial como a dos trabalhadores. Na prática fortaleceram-se mais as direções da CEOE CCOO e UGT que as organizações de base. Assim se obtém um modelo de alta representatividade, mas de baixa afiliação” [3]
 
A institucionalização da CCOO e da UGT prosseguiu e a cada vez com menor pudor, recebiam-se milionárias subvenções do Estado, do dinheiro da “formação”, etc., mas também a institucionalização propiciava saltos qualitativos na integração destes Sindicatos na engrenagem do sistema. Um desses saltos, que não desenvolveremos neste trabalho, é sua inclusão nos Conselhos das Caixas de Poupança. O outro é a sua entrada de cheio no negócio das pensões privadas, através de empresas gestoras de Fundos.
 
Depois da assinatura dos Pactos de Toledo, CCOO e UGT lançam-se a fazer parte do negócio dos Fundos privados de pensões. Desde as grandes empresas estimulam, via negociação coletiva, a subscrever “planos de pensões” e, bem desde as comissões de controle desses planos ou diretamente fixando-o em acordos, se externaliza a gestão, entregando-o a empresas privadas. Que empresas? As essencialmente vinculadas a entidades financeiras e a empresas conformadas entre essas entidades e CCOO- UGT.
Consultora de Pensões e Previsão Social, Sociedade de Assessores SL, é uma empresa consultora, com sede social em Madri, cujos acionistas são dirigentes da UGT e da CCOO como Toni Ferrer ou Ignacio Fernández Toxo. A Consultora, citada, declara no registro mercantil que seu fim “é a realização de estudos, assessoramento, consultoria, auditoria, avaliação e revisão dos estados econômicos, financeiro, jurídico e atuarial, de Planos e Fundos de Pensões e de todas as variedades e concepções de previsão social, pelo que dedicará sua atividade as questões que afetem seu desenvolvimento”.
 
Gestão de Previsão e Pensões Entidade Gestora de Fundos de Pensões SA. (GPP) é uma empresa cujas ações se dividem em 60% para BBVA, 20% para as Comissões Operárias e os 20% restante a União Geral de Trabalhadores. Outras das grandes empresas privadas de gestão de Fundos de pensões é FONDITEL, empresa formada pela Telefônica, que dispõe de 70% das ações e CCOO e UGT que dividem 15% dos acionistas cada uma.
 
A partir destas empresas, a CCOO e a UGT gerenciam boa parte dos fundos de pensões mais importantes, como dos empregados da Telefônica, A Caixa, BBVA, Repsol, Endesa, Iberdrola, Enagas, RTVE, AENA, etc.. Só a GPP gerenciava, no final de 2007, 46 fundos de pensões de grandes empresas.
 
Enfiados na especulação financeira, alguns desses fundos começaram a sofrer reveses no ritmo da crise. Por exemplo, a FONDITEL foi um dos principais atingidos pela quebra de Lehman Brothers e, depois, pelo escândalo Madoff.
 
Como denunciaram os companheiros da Cobas-Telefônica, os trabalhadores se inteiraram, pela imprensa, no começo de 2009, que: “O Fundo de Pensões dos Empregados da Telefônica, perderam 80 milhões de euros na quebra do Lehman Brothers” (Expansión, 15/01/09).
 
A Comissão de controle dos fundos composta pelos representantes da empresa (Telefônica) e 12 membros da CCOO e da UGT tem que controlar a gestão do FONDITEL, onde são acionistas a Telefônica, a CCOO e a UGT. Colocaram a raposa para cuidar do galinheiro.
 
O que acontece quando os fundos despencam? Os depositantes perdem, mas os gestores não. Por exemplo, o fundo dos trabalhadores da Telefônica perdeu mais de 115 milhões de euros em seis meses (2008), enquanto a gestora do mesmo (CCOO-UGT e empresa) recebeu mais de 6 milhões de euros.
Outro exemplo é da Função Pública. O Governo de Zapatero e os sindicatos acordaram subir em 0,3% o salário dos servidores públicos em 2010, e em função desse mesmo acordo se aumentarão as contribuições ao plano de pensões da Administração Geral do Estado (AGE) [4]
 
O plano de pensões da função pública retraiu-se nos acordos alcançados no final de 2002 entre o Governo do PP e os sindicatos da função pública. Encarregou-se a outorga do plano a uma Comissão Promotora, formada por 11 representantes da Administração e 11 dos trabalhadores (4 CCOO, 4 UGT e 3 CSICSIF). Dois anos depois, com Zapatero, publicou-se no BOE o anúncio do concurso de concessão. Finalmente em junho de 2006, a Comissão Promotora, com maioria de CCOO e UGT, outorgou o concurso à empresa Gestão de Previsão e Pensões (GPP), formada pelo BBVA, CCOO e UGT. Tudo fica em casa! Este fundo dos empregados públicos tinha uma contribuição inicial de 54,65 milhões e é um dos maiores na Europa.
 
Por conseguinte, a burocracia sindical não tem sido somente co-responsável da deterioração das pensões nestes anos, senão beneficiária direta do processo de privatização das mesmas.
 
Um categórico NÃO à proposta do Governo
 
A proposta do Governo de aumentar a idade de aposentadoria para 67 anos, como bem assinala o manifesto unitário “Temos que lhes cortar as asas”, está destinada a “favorecer ao grande negócio das pensões privadas a custa de empobrecer a grande maioria”.
 
O manifesto assinala seu categórico NÃO à proposta do Governo “porque é uma vergonha para os mais velhos, um infortúnio para os desempregados e um golpe aos jovens”.
“Se existe 4,5 milhões de desempregados, se 40% dos jovens estão sem emprego e torna-se uma quimera encontrar emprego após os 50 anos, que sentido tem prolongar a idade de aposentadoria? (…) A medida anunciada pelo Governo só se explica porque está pensada para os “investidores”, para favorecer ao grande negócio das pensões privadas a custa de empobrecer a grande maioria.
 
“(…) o Governo e a patronal alegam que existe cerca de 9 milhões de pensionistas, que chegarão a 10,1 milhões em 2020 e se continuar assim não terá dinheiro para pagar as pensões. Esse argumento sozinho é crível sob a lógica capitalista de fazer de tudo um negócio, incluídas as necessidades humanas mais elementares. Fora dessa lógica capitalista por que não haverá dinheiro para as pensões?”
 
“Para os banqueiros, os militares, a Igreja, a casa Real… sim há dinheiro, não? E para as pensões não? A aposentadoria é um direito e o Sistema Público de Pensões tem plena viabilidade econômica, agora e no futuro e esta Reforma é um ataque ideológico, desnecessário economicamente, para favorecer ao capital financeiro e que de maneira alguma deve acabar derivando em um novo rebaixamento das chamadas cotizações sociais”. [5]
 
A batalha contra o plano da patronal e o do Governo implica defender o critério oposto sobre as pensões. A defesa e melhora das pensões exige defendê-las como um direito inalienável, que não deve estar sujeito às contribuições, senão regida pelo princípio das obrigações do Estado.
Hoje devemos nos opor à medida do Governo:
  • Aposentadoria aos 60 anos!
  • A inclusão por lei dos contratos de revezamento, garantindo assim os postos de trabalho!
  • Para determinar o valor da pensão, retomar o critério de cálculo prévio às reformas iniciadas em 85 e exigir, portanto, que se calcule em base aos dois últimos anos de contribuição, ou aos dois mais favoráveis ao trabalhador/a se esse cálculo lhe fosse desfavorável!
  • Estabelecerque nenhuma pensão seja inferior a 1.200 euros, o valor igual ao qual uma parte do movimento sindical começa a exigir que seja estabelecido como salário mínimo interprofissional!
Vamos repetir uma e mil vezes: as pensões são um direito dos trabalhadores e não um negócio de banqueiros…. e burocratas sindicais.
Notas:
[1] ABI Acordo Básico Interconfederativo, assinado em 10 de julho de 1979;
AMI Lembro Marco Interconfederativo, assinado em 5 de Janeiro de 1980;
AMI 2- assinado em 3 de Fevereiro de 1981;
ANE Acordo Nacional de Emprego, assinado em 9 de junho de 1981;
AES Acordo Econômico Social assinado em 9 de Outubro de 1984;
[2] A Longa marcha. Joaquín Estefanía. Editorial Península. Pág. 228-229;
[3] Idem P;
[4] 0,3% em 2010, 0,5% em 2011 e 0,7% em 2012;
[5] As citações correspondem ao Manifesto unitário “Temos que lhes cortar as asas” (ver texto completo em diversos sites cobas.es; corrienteroja.net; marximo.info; kaosenlared.net).

[1] NT: Bernard Madoff, o ex-presidente da Nasdaq e um dos investidores considerados como o mais brilhantes de todo o sistema internacional foi preso por suspeita de fraudar Wall Street em US$ 50 bilhões, em dezembro de 2008;

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