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quinta-feira, março 28, 2024

40 anos da Constituição espanhola: chamam de democracia, mas não é

Diz um provérbio africano que “Enquanto o leão não tenha quem escreva sua história… o caçador sempre será o herói”. Assim o filho do emérito caçador de elefantes reescreveu a história dos últimos 40 anos, entre aplausos da sua corte que contou com a presença da leal oposição, que não aplaudia, mas permanecia em pé em um respeitoso silêncio.

Por: Corriente Roja

Escutando os protagonistas dos “40 anos da Constituição”, dá a impressão que foi graças à carta magna que pudemos passar das canetas aos notebooks e do Seat 600 ao Toyota. Nunca um texto produziu tantas maravilhas. Assim, “o melhor período da história da Espanha” é graças a uma Carta Magna que teve sete pais e nem uma só mãe, e na qual os trabalhadores e trabalhadoras, os estudantes, os povos do Estado, que perderam a vida para conquistar algumas liberdades, não tivemos nada a ver com isso.

Esse povo, relata o monarca, “recuperava a soberania”, ainda que vossa majestade não tenha explicado como ela foi perdida. Um relato doce no qual não cabem as centenas de lutadores e lutadoras que foram assassinados, não sob a ditadura, mas sim na “pacífica transição”.

No seu relato ele não teve tempo para falar da crescente desigualdade, das aposentadorias miseráveis, do desemprego, da emigração dos jovens… O rei do artigo 155 omitiu tudo isso.

O Borbón afirmou que a de 1978 é a primeira Constituição “fruto do acordo e não da imposição”. Mas para desmentir tal afirmação basta lembrar das palavras de Felipe Alcaráz, que foi dirigente do PCE (que apoiou entusiasmado a Constituição de 78): “A transição foi negociada com uma pistola em cima da mesa.

A monarquia era parte indissolúvel do pacote, não havia opção para decidir sobre ela. Naquele momento chamamos a votar Não à Constituição que não garantia o pão, o trabalho e o teto, que negava o direito dos povos a decidir, que coroava a continuidade do regime franquista, com isso tivemos que suportar ser chamados de fascistas.

É preciso acrescentar que as chamadas primeiras eleições democráticas (1977), das quais saíram os deputados que foram os pais da constituição, fundamentaram-se em uma lei “pré-constitucional” que não garantia nem sequer esse princípio básico da democracia burguesa de uma pessoa um voto e garantia o predomínio das zonas de base social do franquismo em detrimento das concentrações operárias.

A constituição não foi uma decisão democrática naquele momento e menos ainda nos dias atuais. Mais de dois milhões de jovens, boa parte da juventude operária, que era a vanguarda na luta contra o franquismo, não pode votar ao cumprir a idade mínima de 21 anos, segundo a Lei do plebiscito nacional franquista.

No Estado Espanhol há hoje 34,5 milhões de pessoas com direito ao voto. Desses, pouco mais de 22 milhões de pessoas (64% do censo eleitoral) não puderam votar no plebiscito constitucional.

Aqueles que mais enfatizam as “grandes mudanças” nesses 40 anos reiteram o seu repúdio à reforma constitucional. O certo é que a tão magna carta foi reformada em pouquíssimas ocasiões como quando se incorporou à Europa dos comerciantes ou diante da explosão da crise econômica em que PSOE e PP, sem consultar, não viram inconveniente em reformá-la para garantir a superioridade dos direitos dos credores (artigo 135) para que os trabalhadores e trabalhadoras e o povo tivéssemos que pagar a dívida dos banqueiros e especuladores.

Tão solene aniversário coincidiu nesses dias com alguns acontecimentos, que pareciam conjugar-se para indicar uma saída para o atual panorama.

Se as eleições andaluzas manifestam entre as pessoas mais humildes o cansaço de tantas promessas não cumpridas e tantas palavras vazias, a consulta popular sobre a Monarquia reflete a convicção do direito a decidir e o rechaço à monarquia. Finalmente um terceiro fato: a situação da França, que mostra como a partir da luta implacável é possível ganhar a queda de braço com um governo e com um regime.

Tradução: Luana Bonfante

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