qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Diante do fracasso eleitoral do chavismo

O chavismo perdeu pela primeira vez a maioria legislativa. A MUD (Mesa da Unidade Democrática) elegeu 112 deputados, o que lhe permite ter a maioria qualificada, habilitando-a a chamar uma Assembleia Constituinte, modificar a Constituição, aprovar ou revogar leis, entre outras atribuições.

Por: UST – Venezuela

Este é um tremendo golpe para o governo de Maduro e para Diosdado Cabello, que aparecem como as “figuras responsáveis” ou “generais da derrota”. Mas é também um golpe para todo o aparato dirigente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) e do Grande Polo Patriótico.

O chavismo foi superado pela MUD na maioria das cidades com grande concentração operária e popular. A oposição burguesa obteve 56,2% dos votos e 67% dos cargos em disputa (112). O PSUV, junto com o Grande Polo Patriótico, obteve 40,8% dos votos e 32,93% dos cargos (55). Assim, a MUD teve dois milhões de votos de diferença à frente do PSUV e seus aliados.

A MUD superou amplamente seus tradicionais votos de setores da classe média e capitalizou o descontentamento de muitos trabalhadores e setores humildes. Isso se verifica em estados e cidades como Bolívar, Anzoátegui, Carabobo, Aragua, Lara Miranda, e nas parroquias (distritos) de Caracas como Petare, 23 de Enero etc. Por exemplo, em Zulia, de concentração operária e popular, a MUD elegeu 13 dos 15 deputados em disputa. Em Anzoátegui, a relação foi de 7 a 1. Somente nos centros de menor concentração urbana e industrial, como Cojedes ou Guárico, o PSUV conseguiu melhorar um pouco a sua exígua votação.

Há um giro à direita?

Apesar de o voto na MUD ter um ponto de apoio na tradicional classe média acomodada, os mais de dois milhões de novos votos que capitalizou são de trabalhadores e setores populares.

E este foi um voto contra a escassez e as filas, a inflação, a perseguição dos lutadores, os baixos salários e contratos congelados, e também um voto contra a corrupção, contra os burocratas “vermelhos” com “relógios Rolex e caminhonetes Hummer” (como estava escrito em um cartaz no conflito da Sidor no ano passado). Um voto que expressa a indignação com a injustiça e a boa vida dos funcionários que não têm que fazer “saborosas filas” de várias horas embaixo do sol e da chuva.

Foi muito comum escutar nos locais de trabalho alguns dias antes da eleição: “Precisamos tirar essa gente; qualquer um será melhor que isso” ou “Precisamos de uma mudança, não dá mais”.

Dessa vez, o chamado “voto castigo” não foi a favor de posições da tradicional direita venezuelana. Na campanha eleitoral da MUD, não estiveram presentes publicamente propostas como terminar com as Misiones, por exemplo; mas sim discursos demagógicos como “vamos manter o que tenha sido feito de bom”, “terminaremos com a escassez e a insegurança, aumentaremos os salários ou Colocaremos em marcha o aparato produtivo”.

Dizemos isso porque a campanha eleitoral da oposição se apoiou centralmente em denunciar as filas, a escassez e a corrupção para capitalizar o descontentamento, mas sem apresentar propostas pela positiva para sair da crise em que está imerso o capitalismo venezuelano. Justamente não dizer o que fazer deixou aberta uma expectativa entre seus eleitores. Apesar de muitos conhecerem alguns velhos políticos golpistas, como Ramos Allup, dizem que “precisamos lhe dar uma chance” para que as coisas melhorem. “Agora há uma esperança” etc.

Os trabalhadores se distanciam do PSUV

A UST (Unidade Socialista dos Trabalhadores) vem afirmando há tempos que há uma ruptura dos trabalhadores e dos setores populares com o PSUV. As lutas que ocorreram tiveram como resposta do governo, em muitos casos, repressão, perseguição, desqualificação e prisão para trabalhadores, camponeses, estudantes e setores populares. Essas lutas, qualificadas como “desestabilizadoras” e de “fazer jogo da direita”, foram na verdade o único caminho do povo para enfrentar os baixos salários, o congelamento dos contratos coletivos, a falta de orçamento adequado para a educação e a saúde, a escassez e a corrupção etc.

Agora, isso se manifestou de maneira esmagadora nas eleições. Seguramente terá como consequência imediata a renúncia de ministros e colaboradores, ajuste de contas e busca de “bodes expiatórios”. Mas isso não será suficiente para “recompor o poder” e muito menos o regime.

A crise no PSUV e seus aliados

O que sim vai acontecer é que a crise dentro do PSUV e do Grande Polo Patriótico vai se aprofundar. Isso já começou a se manifestar aprofundando a dispersão de setores da base e de quadros que não se sentem representados por nenhum setor do PSUV.

Um exemplo é a coletiva de imprensa de Giordani e Navarro, dois ex-ministros chavistas dissidentes afirmando que “para nós o que está acontecendo é uma verdadeira catástrofe”. Disseram que o resultado eleitoral é produto das carências que o nosso povo enfrenta, resultado de uma gestão fracassada, baseada em um modelo capitalista-rentista que aspirávamos substituir”. Essa coletiva de imprensa terminou com um enfrentamento aos gritos e insultos com um grupo organizado que gritava a favor de Maduro, em Caracas.

A cúpula do PSUV chamou um Congresso para debater a situação, mesmo sem eleger novos delegados. Osvaldo Rivero, apresentador de um conhecido programa chavista de TV, “Zurda Konducta”, respondeu a esse chamado: “esse Congresso tinha que se transformar em uma assembleia popular. Quem vai discutir a direção da revolução? Vão ser os mesmos dez de sempre? Então temos que resistir“. E mais adiante denunciou que o Ministério de Comunicação, o de Comunidades e o de Cultura “desmobilizaram o povo“. É muito provável que essas expressões se estendam para todos os cantos do país.

O que pode acontecer com a MUD?

Passadas as primeiras comemorações, a “embriaguez” eleitoral começará a se dissipar. A MUD não é uma frente burguesa homogênea. Suas diferenças estiveram expostas, à vista de todos. Há pelo menos dois setores, com duas políticas em relação ao governo. Leopoldo López, junto a Corina Machado, tem sido o setor mais radicalizado que impulsionou a queda imediata de Maduro. E Enrique Capriles, que majoritariamente defendeu aproveitar o desgaste e ganhar as eleições do chavismo. Essa política foi acompanhada pelo imperialismo ianque. Capriles “demarcou o terreno” aos demais setores declarando: “triunfou nossa política” de desgaste e participação eleitoral. E Corina Machado declarou que “deve-se pedir mudanças já”.

Como a MUD aproveitará a sua maioria qualificada? FEDECAMARAS, a Federação patronal mais importante, apresentou sua “lista de exigências” antes das eleições: unificação cambial, liberação de preços, respeito à propriedade privada, modificação da LOTT (Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras) no que se refere à inamovibilidade laboral, aumento da produtividade, entre outras medidas.

Serão os deputados da MUD os que se lançarão para cumprir com as exigências patronais? Ou buscarão um acordo com o governo para aplicar as medidas que a patronal exige diante da crise capitalista? A Mesa da Unidade manterá a unidade?

Desde já, a MUD anunciou que votará uma lei de anistia para “libertar os presos políticos”, ao que Maduro contestou que não “aceitará nenhuma anistia aos golpistas”.

Crise do governo e do regime e a crise econômica

Nicolás Maduro deverá governar com uma Assembleia Nacional adversa e com muitas atribuições respaldada por mais de 56% dos votos. Isso será inédito para o chavismo, já que sempre a Assembleia votou tudo o que era exigido pela cúpula do governo e pelo PSUV. O presidente que tinha todo o poder agora deverá negociar ou ir a um enfrentamento.

Toda a disputa que pode ocorrer daqui para frente na verdade será determinada pela capacidade do governo de Maduro de aplicar as medidas de ajuste mais duro que a crise econômica e os empresários lhe impõem. Ele será capaz de implementar essas medidas sem uma forte resistência dos trabalhadores?

O analista dos fundos abutres imperialistas, Barclays Capital, deu uma pista: “Sou pessimista (…) o governo perdeu toda credibilidade para fazer um ajuste na economia. Se aqui tivermos um novo ‘pitcher’ [lançador], (…) uma nova equipe econômica, mas permanecer o presidente Maduro como chefe de Estado, acredito que nunca terá a credibilidade necessária para enfrentar os desafios econômicos.” (Prodavinci, 6/11/2015)

Será que a burguesia imperialista, por meio dos deputados da MUD, prepara o terreno para uma destituição? Não podemos descartar. Em todo caso, como dissemos antes, deverão manter a unidade e evitar um desgaste prematuro.

Chama a atenção a declaração do ex-presidente do Brasil e principal dirigente do PT, Lula, velho aliado do chavismo: “A democracia não é estar eternamente no cargo. ‘Imprescindível é a causa e não o homem’, e Maduro deve entender isso também”.

A brutal crise econômica mundial, agravada pelo fracasso do nacionalismo burguês na Venezuela, por um lado obriga a jogar sobre as costas dos trabalhadores as medidas de ajuste e, por outro lado, encurta todos os tempos e margens de manobra.

As expectativas de que a nova Assembleia Nacional mude alguma coisa na vida dos trabalhadores terão pouca duração. Esta Assembleia, pelo peso da maioria da MUD ou em “acordo” com os deputados do PSUV, cedo ou tarde aplicará o ataque contra os trabalhadores. Mas a resistência dos trabalhadores a essas medidas pode mudar a situação do país.

Vamos nos organizar para enfrentar o ajuste

Os trabalhadores e os setores populares não podem esperar desta Assembleia Nacional e do governo de Maduro as soluções para os problemas mais graves.

Os chamados a uma “mudança” ou “retificação de rumo” cairão por terra ou serão uma maquiagem para continuar enganando as massas. O caráter burguês do Estado e do governo garante isso. As promessas eleitorais se transformarão em medidas antipopulares, contra o nível de vida do povo.

Nós, da UST, colocamo-nos à disposição para colaborar no agrupamento dos lutadores operários e populares para enfrentar o ajuste que vem pela frente. Os trabalhadores devem debater uma série de medidas e um programa que nos permita unir todos os explorados e nos dotar de uma saída da classe operária. Não podemos confiar em nenhuma medida que venha da MUD ou do PSUV. Para isso, chamamos todos os lutadores honestos, chavistas ou sem partido, a nos organizarmos juntos para impedir que arranquem nossas conquistas.

Da nossa parte, afirmamos que, para levar adiante um programa que seja uma saída de fundo, necessitamos construir uma ferramenta política revolucionária dos trabalhadores. Com esta ferramenta política, que acaudilhe os explorados, poderemos agora sim lutar pelo verdadeiro socialismo, sem patrões “vermelhos”, nem burocratas e militares corruptos, mediante um governo operário e popular.

Tradução: Samanta Wenckstern

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