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sexta-feira, abril 19, 2024

Paraguai: O que significa a prisão de González Daher?

O ex-senador Óscar González Daher passou a noite em uma masmorra do Agrupamento Especializado[1]. Pouco antes ele foi submetido à ira dos escrachadores anticorrupção que o pressionaram ao som dos gritos: Ladrão… Ladrão!, jogando litros de água sobre ele no afã de humilhá-lo, como ele fez com centenas de pessoas a quem roubou impunemente ou encarcerou através de processos judiciais fraudulentos.

Por: Esteban González

Estamos diante de uma prisão de uma figura influente do aparelho estatal burguês e da política paraguaia, que se soma à lista de Díaz Verón, Ulisses Quintana, Oviedo Matto, Ibáñez.

Estes fatos devem ser considerados avanços que merecem ser comemorados pelos trabalhadores, embora seja necessário fazer uma avaliação justa de seu alcance.

Nesse processo, existe setores da esquerda que afirmam que estamos apenas enfrentando uma manobra imperialista e que não seria correto apoiar os escrachos nem alegrar-se com a queda dos pesos pesados da corrupção política.

Perante esses fatos não cabe, nem o alvoroço acrítico – pois é uma luta democrática com limitações – mas tampouco o menosprezo ou o distanciamento com um desdenhoso “não é nada”, como posam alguns setores políticos da esquerda. É irritante quando esse desprezo vem de pessoas que estavam no poder e passaram o tempo negociando ou nadando na corrupção com essas e outras figuras imprestáveis da direita.

É evidente que, no âmbito do objetivo final que consiste em lutar contra o poder político e econômico das minorias, dos donos do capital, a incriminação e prisão de políticos poderosos e corruptos, embora seja um fato progressivo, nada mais é do que um pequeno passo e que, se parar ou não avançar, não servirá pra muita coisa.

Nesse sentido, é pertinente esclarecer que a corrupção é essencial ao sistema capitalista e que permeia todas as esferas e processos de produção, acumulação e concentração. O capital só está interessado no lucro rápido e em como ele se subordina a essa meta. E quanto maior é a taxa de lucro, melhor e, a corrupção anda de mãos dadas com a exploração e a opressão.

Portanto, a luta anticorrupção tem um significado superficial, isto é, normalmente é assimilável e digerível pelo regime democrático burguês, às vezes sem desestabilizá-lo.

Além disso, em geral, essas lutas não são em função de uma ética da probidade ou honestidade do regime burguês, mas sim sintomas ou expressões de desforras, rearranjos e expurgos entre setores do poder, e eventualmente, podem até redundar no fortalecimento do regime democrático burguês.

No entanto, as prisões e julgamentos de políticos poderosos e corruptos que estamos testemunhando foram e são provocados, principalmente, pela persistência das ações anticorrupção de setores do povo trabalhador farto do roubo, da espoliação e da impunidade. E isso se combina com as crises entre facções burguesas – principalmente as coloradas – devido à complicada recomposição do poder no aparelho estatal pelo novo governo que deve derrotar o cartismo (referencia ao ex-presidente Horácio Cartes, ndt), ao mesmo tempo em que procuram agradar as pessoas que pressionam a partir da indignação para conseguir uma maior estabilidade.

E é por ter que aplacar a raiva e a indignação e a crise nas alturas, que advém o papel progressivo de colocar na cadeia políticos corruptos e poderosos que nadaram na impunidade desenfreada. E esse aspecto progressivo pode ser mantido na condição de que continue ou gere outros processos em outras dimensões nas quais se desenvolvam as lutas contra a exploração e todas as formas de opressão.

Considerar como progressivo a queda em desgraça dos González Daher não implica – vale o esclarecimento – considerar o Ministério Público e o Poder Judiciário como prestadores da Justiça rápida e barata ou que estão regenerados e agora são indiferentes ao dinheiro. Nada a ver. E muito menos, implica endossar politicamente o governo de Mario Abdo Benítez, cuja riqueza surgiu da corrupção e seu atual Executivo está repleto de corruptos e enriquecido com dinheiro sujo, com fraudes de todos os tipos, e que visa apenas obter estabilidade política.

O desafio não é apenas não desqualificar a luta das pessoas que estão conseguindo enquadrar alguns corruptos espoliadores imprestáveis, mas estender essas conquistas democráticas ao mundo do trabalho e da economia, onde prevalece a ditadura dos patrões e a opressão sinistra que mina os direitos básicos de organização e mobilização das/os trabalhadores.

Sem dúvidas, levantamos as palavras de ordem de prisão para os corruptos e o confisco de seus bens. Mas acreditamos que o regime democrático burguês logo achará uma maneira de diluir e domesticar a ira das massas, porque a corrupção é um modo rentável de acumulação.

Somente os trabalhadores e seu governo com um regime de democracia direta e revogabilidade de cargos podem abrir caminho para erradicar a corrupção de maneira sustentável.

Por agora vale a pena acompanhar e empurrar a onda que coloca tantos corruptos, quanto for possível, na cadeia e que cada vez mais gere rupturas no governo, para que os trabalhadores possam avançar com suas próprias bandeiras em direção a uma maior acumulação de poder.

[1] Quartel militar onde estão reclusos os presos de alta periculosidade. Durante a ditadura de Alfredo Stroessner foi utilizado como local de tortura e assassinato dos presos políticos, ndt,

Tradução: Rosangela Botelho

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