qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Brasileiros voltam a um Haiti cada vez mais rebelde

 A Conlutas decidiu enviar novamente uma delegação ao Haiti. O objetivo é retomar a campanha pela retirada das tropas brasileiras do país. Três ativistas da Conlutas estão no Haiti e vão participar da programação do 1º de Maio, levando o apoio de parte da classe trabalhadora brasileira.

 

Essa delegação é composta por José Geraldo Corrêa Junior, o Gegê, representando a Conlutas; Julio César Condaque, representando o Sepe-RJ (professores do RJ); e Antonio Lisboa Leitão de Souza, representando o Andes-SN. Eles enviaram informes diários sobre suas atividades. Abaixo, reproduzimos o relato destes três dias em solo caribenho.

 

                                                        PRIMEIRO DIA

 

Saímos do Brasil com uma grande expectativa sobre nossa viagem. O vôo saiu no horário previsto, 3h40, do dia 27 de abril. Chegamos ao Haiti às 14h, horário local (no Brasil eram 16h).

 

Fomos recebidos pelo nosso velho conhecido, o companheiro de luta Didier Dominique, dirigente do Batay Ouvriye. Fomos direto para a sede da Batay, localizada no bairro Bel Air, que é um dos grandes e mais populosos bairros com tradição de luta no Haiti. Bel Air já foi palco de diversas manifestações populares na defesa dos direitos dos trabalhadores haitianos.

 

Na sede da Batay encontramos diversas lideranças sindicais e do movimento popular com quem tivemos uma primeira conversa de apresentação. Além da solidariedade, manifestamos nosso apoio à luta do povo haitiano, nossa disposição em participar da construção do 1º de Maio, entendido como marco da resistência contra a opressão imperialista, pela liberdade e autodeterminação dos povos e pela retirada das tropas brasileiras no Haiti.

 

Havia companheiros que eram lideranças populares, lideranças camponesas, lideranças operárias e uma companheira que é um dos símbolos da resistência da luta dos trabalhadores haitianos, pois foi demitida em uma manifestação da Batay. E sua readmissão é um dos pontos importantes da luta dessa organização.

 

Após essa reunião, fomos para a Faculdade de Etimologia da Universidade do Haiti. Lá havia um debate promovido por um conjunto de entidades, cujos representantes também discutiam a preparação das manifestações do 1º de Maio. Gegê fez uma saudação em nome da delegação brasileira. Ele expôs o objetivo da viagem e reivindicou a luta pela retirada das tropas brasileiras, relacionando essa luta com a luta dos trabalhadores brasileiros. Ele também destacou que nossa estratégia deve ser a luta pelo socialismo. Após essa intervenção, fomos saudados e acolhidos com manifestações diversas, inclusive com um canto representativo da resistência do povo haitiano.

 

Este 1º de Maio terá uma importância singular na luta do povo trabalhador haitiano. Neste ano, ele será realizado em conjunto com diversas organizações sindicais e populares. Junto com Batay, estarão organizações camponesas, organizações do movimento popular, organizações de pequenos comerciantes, organizações de desempregados e estudantes, todos dizendo: “Fora as Tropas Brasileiras do Haiti!”.

 

Terminada a reunião, fomos para o alojamento descansar porque o dia seguinte prometia. Vamos repetir e parafrasear nossa primeira viagem: Bem vindos ao Haiti, cada vez mais rebelde!

 

No SEGUNDO DIA, polícia tenta impedir protestos

 

Na parte da manhã, após o café, conversamos com os companheiros da Batay Ouvriye. Eles estavam preparando uma nota sobre o 1º de Maio para ser discutida com representantes de outras entidades e frentes que constituem a comissão organizadora das manifestações e lutas dos trabalhadores haitianos.

 

Pedimos uma cópia da nota para enviarmos ao Brasil. Assim, ela poderá ser lida durante as manifestações do 1º de Maio em nosso país. Acreditamos que ela deve ser vista como exemplo concreto de sintonia da luta entre os trabalhadores haitianos e os brasileiros, de solidariedade de classe. A perspectiva de internacionalização da luta dos trabalhadores se impõe cada vez mais, sobretudo no contexto de crise do capital em que estamos inseridos.

 

À tarde, fomos à sede da Batay, onde participamos de uma reunião com suas lideranças. Os companheiros foram surpreendidos por uma comunicação da polícia militar, direta e indiretamente controlada pela Minustah – as tropas de ocupação da ONU. A polícia informava que não permitiriam realização de manifestações no dia 1º de maio.

 

Segundo a polícia, o motivo da proibição era o fato de os organizadores não terem solicitado, formalmente, autorização com uma explicação clara sobre itinerário, horários, envolvidos e tempo de duração das manifestações. Além disso, argumentaram que na região central havia hospital. Por “coincidência”, essa foi a mesma desculpa usada pela polícia paulista para coibir manifestações na Avenida Paulista.

 

Disseram que o final da marcha não poderia ser em frente ao palácio presidencial, local que estava interditado para esse tipo de manifestação. O cômico da atitude policial se acentua ainda mais quando os companheiros lembraram que, neste ano, já houve duas marchas que passaram em frente ao hospital e pelo palácio presidencial. A primeira foi no dia 8 de março, organizada por mulheres em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. A outra, promovida por religiosos protestantes, terminou exatamente em frente ao palácio presidencial.

 

Esta é uma verdadeira afronta ao movimento popular, à luta dos trabalhadores e à liberdade de manifestação aqui no Haiti. Essa atitude merece todo o repúdio e será respondida pelos trabalhadores no dia 1º de Maio com uma grande marcha. A Minustah, através da polícia local, não pode impedir que os trabalhadores expressem seus protestos e suas reivindicações.

 

É importante divulgar, amplamente, esse fato, nacional e internacionalmente. Que cheguem ao Haiti manifestações internacionais em solidariedade e apoio à luta dos trabalhadores haitianos. Achamos que os movimentos sindical, popular e estudantil ligados à Conlutas e a outras organizações, como o Jubileu Sul, devem repudiar essa tentativa de intimidação por parte do governo haitiano e exigir respeito ao direito básico e democrático à manifestação.

 

Devemos mandar mensagens para o Ministério das Relações Exteriores e para o governo Lula, exigindo a garantia ampla e irrestrita da liberdade de manifestação e organização dos trabalhadores haitianos. Devemos destacar em nossos materiais do 1º de Maio essa situação e denunciar aos trabalhadores o papel nefasto da ocupação brasileira.

 

Terminada a reunião, fomos a outro prédio da Universidade do Haiti para participarmos de uma palestra-debate sobre “O significado do 1º de Maio para o Haiti e para o mundo”. A atividade era parte da programação de construção da luta e da resistência dos trabalhadores haitianos.

 

No final da tarde, voltamos ao alojamento. Os companheiros da Batay iriam dar uma entrevista às rádios para ampliar o chamado à manifestação do dia 1º de Maio, a mobilização das diferentes categorias, bem como denunciar a tentativa de cerceamento da luta dos trabalhadores no Haiti. Amanhã, faremos uma panfletagem numa fábrica para convocar o 1º de Maio.

 

TERCEIRO DIA: Polícia haitiana recua após pressão e autoriza manifestações de 1º de Maio

 

Iniciamos o dia com o compromisso de procurar, imediatamente, um “cybercafé” para enviar nosso relatório, apesar das condições de acesso a internet não serem nada favoráveis.

 

Após o café, passamos pela sede do sindicato dos eletricitários do Haiti, onde também funciona a secretaria geral da Confederação Nacional dos Servidores Públicos. Conversamos com alguns dos dirigentes locais sobre as atividades do 1º de maio.

 

Depois, seguimos para a principal atividade do dia e mais significativa para nós brasileiros. Fomos distribuir um panfleto nas portas das fábricas, ainda pela manhã, chamando os trabalhadores para o ato do 1º de Maio.

 

A dura realidade e exploração do trabalho vivida pelos trabalhadores haitianos nos saltaram aos olhos. Na primeira etapa da panfletagem, num setor industrial predominantemente têxtil, muitos jovens saíam das fábricas visivelmente famintos, ávidos por um prato de comida que era comprado nas ruas próximas. Ao receberem o panfleto, nos perguntavam logo se havia dinheiro ou alimento para eles, mas sempre com o sorriso nos olhos, demonstrando a alegria característica do povo haitiano.

 

O setor têxtil é um dos que mais explora a mão-de-obra local, limitando o salário dos trabalhadores a 70 gourdes, moeda local, por dia. Isso equivale, no final do mês, a aproximadamente US$ 42 ou R$ 100. Este é o salário mínimo do Haiti, o mais baixo de todo o continente americano. Considerando que muitos trabalhadores precisam pegar transporte para deslocamento de casa ao trabalho, gerando um custo diário de, em média, 20 gourdes, aproximadamente um quarto de seus rendimentos.

 

Como curiosidade, conhecemos uma trabalhadora que atualmente presta serviço ao Cirque du Solei fazendo serviços gerais. Seu salário é de meio dólar americano por dia. Ela faz o percurso de ida e volta pra casa a pé, cerca de oito quilômetros.

 

Por volta das 13h, fomos à sede da Batay Ouvriye, onde almoçamos e conversamos um pouco sobre a programação da tarde. Nesse momento, tivemos a informação, através do companheiro Didier, que a polícia havia autorizado as manifestações depois de tantas pressões das lideranças sindicais.

 

Até ontem, apenas dois ou três companheiros iam conversar com os militares, sempre apresentando o documento formal com a programação das atividades do 1º de Maio. Ao perceberem a resistência policial, resolveram ir com grupo maior, com mais de trinta companheiros, cuja pressão provocou a mudança de postura das autoridades, que passaram a concordar com a programação e o pedido dos trabalhadores.

 

Seguimos para outro setor do parque industrial, onde panfletamos até o final da tarde. Antes, porém, conseguimos entrar no setor e observamos a estrutura de segurança e de controle do empresariado sobre os trabalhadores. São várias indústrias instaladas dentro de uma mesma área, nos moldes de um grande condomínio fechado, com rígido controle de seguranças privados, da política e, inclusive, da própria Minustah, cujos veículos circulavam com frequência entre as ruas dentro e fora do condomínio, impondo a pressão psicológica sobre os trabalhadores.

 

Nas ruas próximas ao portão do setor, há um verdadeiro mercado livre. Predominam mulheres desempregadas e vendedoras ambulantes. Segundo depoimento dos companheiros da Batay, são essas as mulheres as mais sofridas, seja pela situação a que se submetem, seja pela opressão e violência sofrida no trato pelos homens, pela polícia e por seguranças privados, que tentam impedir suas atividades. Muitas mulheres jovens, várias grávidas, muitas senhoras de terceira idade no sofrimento em busca do pão cotidiano.

 

No retorno, assim como na ida, a dificuldade com os transportes é a mesma enfrentada por trabalhadores de todo e qualquer país ou setor operário: demora, carros lotados, sem condições de acomodação, trânsito congestionado, lento, desorganizado. Caminhonetas superlotadas de trabalhadores, alguns pendurados nas grades laterais, com suas mochilas vazias e rosto expressivo, com mescla de cansaço, de fome, de esperança de ter um dia seguinte melhor. Por isso, ainda capazes de expressar um ar de alegria. Este é um pouco do quotidiano dos trabalhadores do Haiti.

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