Ontem, a estrada foi cortada por um rio depois de um temporal na volta a Le Cap, e chegamos bem tarde. Hoje, mais oito horas de estrada e estamos de volta a Porto Principe. Ja existem sinais de cansaco nos rostos de todos.
A ultima atividade junto aos trabalhadores haitianos nao poderia ser em um lugar mais significativo: Cite Soleil, a maior favela do Haiti. O lugar mais violento da cidade, onde a Minustah ja realizou varios ataques durissimos. Sempre com a desculpa da repressao contra as gangues, as tropas entram e atiram contra as casas dos trabalhadores. Na ultima invasao, nos conta um membro de Batay Ouvriere da regiao, eles chegaram com helicopteros e tanques. Ninguem sabe ao certo quantos morreram, mas ele calcula que cerca de 150 pessoas. Esta regiao foi tambem a escolhida para ser instalada mais uma zona franca. Cite Soleil, Minustah, zona franca. A opressao violenta tem um sentido economico explicito.
Entramos
Paramos o onibus da delegacao em frente a uma escola, onde vai ser feito o ato. A sala e ampla, mas esta superlotada com umas duzentas e cinquenta pessoas. E olhe que o momento nao era favoravel, porque era exatamente na hora do jogo do Brasil contra o Chile.
Os rostos sao simpaticos e gentis, nos recebem com uma camaradagem que ja nos acostumamos. Um companheiro de Batay Ouvriere nos sauda e diz para que nos sintamos
Sao feitas as apresentacoes dos presentes, como e praxe aqui. No meio do ato, o Brasil faz seu segundo gol e e a maior festa. Finalmente conseguimos ver a reacao do povo haitiano ao futebol brasileiro. Ainda bem que desta vez a selecao ajudou.
Toninho apresenta a carta que trouxemos. No meio de sua fala diz que adora seu pais e o futebol e sabe que os haitianos tambem. Mas se eles queimarem a bandeira do Brasil em uma manifestacao contra as tropas, nos os apoiaremos. E aplaudidissimo. Olair, um representante do Sindsef de SP, fala sobre sua pele negra e como se identificou com o povo do Haiti. Quando esta intervindo, sua voz fica embargada, ele se emociona e emociona a todos.
Entre os presentes, esta a delegacao da Hanes, a mais importante fabricante de camisetas dos EUA. Essa grande multinacional acaba de demitir 600 operarios e operarias para fechar a planta. Alem disso, se recusa a pagar os direitos trabalhistas dos demitidos. Os operarios vieram ao ato para discutir conosco uma luta em comum, nao so contra a ocupacao, mas contra a empresa.
Uma das operarias fala, e sua indignacao vai crescendo. Conta como elas trabalhavam 12 horas seguidas, sem direito a nenhum intervalo, nem para o almoco, nem para ir ao banheiro, ganhando 70 gourdes ao dia (uns 110 reais por mes). A fabrica colocava cadeado nas portas para evitar que eles abandonassem a linha de producao para ir ao banheiro. Agora demitem todo mundo e nao querem pagar nada. Ela termina com uma comparacao justa: somos os escravos modernos.
No final do ato, todos alegres por terem visto uma outra Cite Soleil que nao e conhecida: a Cite rebelde. Interessante, nao vejo mais sinais de cansaco nas pessoas…