sex abr 19, 2024
sexta-feira, abril 19, 2024

ESTAMOS EM CASA, ESTAMOS EM CITE SOLEIL…

Ontem, a estrada foi cortada por um rio depois de um temporal na volta a Le Cap, e chegamos bem tarde. Hoje, mais oito horas de estrada e estamos de volta a Porto Principe. Ja existem sinais de cansaco nos rostos de todos.

 

A ultima atividade junto aos trabalhadores haitianos nao poderia ser em um lugar mais significativo: Cite Soleil, a maior favela do Haiti. O lugar mais violento da cidade, onde a Minustah ja realizou varios ataques durissimos. Sempre com a desculpa da repressao contra as gangues, as tropas entram e atiram contra as casas dos trabalhadores. Na ultima invasao, nos conta um membro de Batay Ouvriere da regiao, eles chegaram com helicopteros e tanques. Ninguem sabe ao certo quantos morreram, mas ele calcula que cerca de 150 pessoas. Esta regiao foi tambem a escolhida para ser instalada mais uma zona franca. Cite Soleil, Minustah, zona franca. A opressao violenta tem um sentido economico explicito.

 

Entramos em Cite. Marrom, um companheiro da delegacao, lideranca da ocupacao do Pinheirinho de Sao Jose dos Campos, vai conhecer algumas casas. Volta impressionado: usam latrinas rudimentares e existem tumulos nos quintais.

 

Paramos o onibus da delegacao em frente a uma escola, onde vai ser feito o ato. A sala e ampla, mas esta superlotada com umas duzentas e cinquenta pessoas. E olhe que o momento nao era favoravel, porque era exatamente na hora do jogo do Brasil contra o Chile.

 

Os rostos sao simpaticos e gentis, nos recebem com uma camaradagem que ja nos acostumamos. Um companheiro de Batay Ouvriere nos sauda e diz para que nos sintamos em casa. E e verdade, nos sentimos entre amigos, como entre trabalhadores brasileiros. E eu fico pensando como a luta comum rompe barreiras: estamos em casa em Cite Soleil, como nenhum outro estrangeiro poderia estar.

 

Sao feitas as apresentacoes dos presentes, como e praxe aqui. No meio do ato, o Brasil faz seu segundo gol e e a maior festa. Finalmente conseguimos ver a reacao do povo haitiano ao futebol brasileiro. Ainda bem que desta vez a selecao ajudou.

 

Toninho apresenta a carta que trouxemos. No meio de sua fala diz que adora seu pais e o futebol e sabe que os haitianos tambem. Mas se eles queimarem a bandeira do Brasil em uma manifestacao contra as tropas, nos os apoiaremos. E aplaudidissimo. Olair, um representante do Sindsef de SP, fala sobre sua pele negra e como se identificou com o povo do Haiti. Quando esta intervindo, sua voz fica embargada, ele se emociona e emociona a todos.

 

Entre os presentes, esta a delegacao da Hanes, a mais importante fabricante de camisetas dos EUA. Essa grande multinacional acaba de demitir 600 operarios e operarias para fechar a planta. Alem disso, se recusa a pagar os direitos trabalhistas dos demitidos. Os operarios vieram ao ato para discutir conosco uma luta em comum, nao so contra a ocupacao, mas contra a empresa.

 

Uma das operarias fala, e sua indignacao vai crescendo. Conta como elas trabalhavam 12 horas seguidas, sem direito a nenhum intervalo, nem para o almoco, nem para ir ao banheiro, ganhando 70 gourdes ao dia (uns 110 reais por mes). A fabrica colocava cadeado nas portas para evitar que eles abandonassem a linha de producao para ir ao banheiro. Agora demitem todo mundo e nao querem pagar nada. Ela termina com uma comparacao justa: somos os escravos modernos.

 

No final do ato, todos alegres por terem visto uma outra Cite Soleil que nao e conhecida: a Cite rebelde. Interessante, nao vejo mais sinais de cansaco nas pessoas…

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