qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A esquerda e um eventual governo de Frente Popular

Em primeiro lugar, o debate entre organizacoes de esquerda deve girar em torno do carater de classe de um possivel governo da Frente Farabundo Marti de Libertacao Nacional (FMLN), emoldurado dentro da situacao revolucionaria mundial, especialmente na America latina, em que grandes mobilizacoes revolucionarias (Caracazo, golpe de 2002, etc.) tiveram como resultado governos frente populistas, ou de nacionalismo burgues, resultado da crise de direcao dentro do movimento operario, mundial.

 

Este tipo de governo foi analisado por muitos revolucionarios dentro da tradicao marxista a qual recorremos neste artigo para em seguida, fazer uma breve analise do papel que devem desempenhar a classe operaria e as organizacoes do movimento social, diante de um eventual governo de frente popular no Salvador.

 

SURGIMENTO DA FRENTE POPULAR

 

Os governos de frente popular nao sao nada novo. Segundo Lenin, o primeiro governo frente populista que apareceu na historia foi o governo provisorio de Kerensky: “Precisamente, o que e verdadeiramente contra-revolucionario e o governo provisorio, que os defensistas querem defender.” E Trotsky no Programa de Transicao sublinha que os governos frentes populistas e fascistas sao “os dois ‘ultimos recursos’ do imperialismo “na luta contra a revolucao proletaria”

 

Mas se generaliza, quando em 1935, o stalinismo lanca o frente populismo como “estrategia politica do movimento operario”, unido a teoria do “socialismo em um so pais”, que tinha lancado anteriormente. Teoria reacionaria e traidora do movimento operario, cujo fim e evitar o triunfo da revolucao socialista mundial, e propoe a coexistencia pacifica das classes e no caso da URSS, que esta nao enfrentasse ao imperialismo.

 

O surgimento deste tipo de governo serve de remendo ou valvula de escape para burguesia quando se acirra a luta de classes e a burguesia nao pode conter de outra maneira a ascensao das lutas do movimento operario e as demais classes exploradas e as crises do sistema capitalista.

 

COMO OPERA ESTE TIPO DE GOVERNO

 

Quando o regime entra em crise, pela luta das massas e a derrota constante da burguesia, os burgueses recorrem a algumas organizacoes que reivindicam o movimento operario, mas que nao sao mais que agentes contra-revolucionarios da burguesia, constituindo governos burgueses de novo tipo, enganando as massas, e fazendo-lhes crer que sao seus representantes. Mesmo que gerem certa desconfianca em algum setor da burguesia e o imperialismo.

Na tradicao marxista, alguns autores mencionam como caracteristicas principais dos governos de frente popular, as seguintes:

 

1.        O governo frente populista sempre coincide com uma etapa superior da luta de classes.

2.        E um tipo diferente de governo burgues.

3.        Tem um claro conteudo contra-revolucionario.

4.        Sustentado nas organizacoes operarias conciliadoras, pode adotar diferentes formas e, dentro de certos limites, responder a diferentes circunstancias da luta de classes.

5.        Nao tem, por si mesmo, nenhuma incompatibilidade com o regime capitalista-imperialista.

6.        Seu proposito e desmoralizar e desmobilizar os trabalhadores, conduzindo-os a maiores sofrimentos ou a derrotas historicas.

7.        E um produto objetivo da crise de direcao revolucionaria do movimento operario, mas brinda aos revolucionarios com a maior, talvez a unica oportunidade para supera-la.

 

O CAMINHO PERCORRIDO PARA UM POSSIVEL TRIUNFO DE UMA FRENTE POPULAR EM EL SALVADOR.

 

A possivel ascensao da FMLN ao governo nas eleicoes de 2009 esta estreitamente ligada a ascensao de outros governos considerados de esquerda na America Latina, como no caso da Venezuela, da Bolivia, do Brasil e da Nicaragua; governos que mesmo que tenham levado adiante algumas reformas que beneficiam os setores populares, em maior ou menor medida nao poem em perigo sua relacao com o imperialismo.

Perda do carater de classe da FMLN

 

A FMLN comeca a se desligar politicamente do movimento de massas e a perder seu carater de classe no decorrer da luta armada a partir da “mudanca de linha” que consistiu na negociacao com o imperialismo e a burguesia, renunciando a tomada do poder pela via armada. Decisao imposta por setores de carater pequeno burgues da FMLN contra outros setores que nao aceitavam, pelo menos de maneira exclusiva, a solucao do conflito pela negociacao.

 

As negociacoes se concretizaram depois da ofensiva militar em 1989, culminando com os “acordos de paz” em 1992 e a institucionalizacao da FMLN dentro do regime capitalista e sua democracia burguesa.

 

Vale a pena mencionar que muitos dirigentes do FMLN nao provem das classes populares, ou deixaram de pertencer as mesmas ha muito tempo; inclusive alguns dos chamados “dirigentes historicos”, sempre foram pequenos burgueses, ou se transformaram rapidamente em burocratas, levando uma vida acomodada.

 

Ascenso da luta de classes em El Salvador e na America latina

 

No caso do periodo revolucionario pelo qual estao passando nos ultimos anos paises latino-americanos como o Equador, a Bolivia a Venezuela, a Argentina ou o Brasil entre outros, vemos que as massas repudiaram e lutaram contra os governos semicoloniais, mas, ao mesmo tempo, setores oportunistas se apoderaram da direcao das massas levando-as a pactuar com setores da burguesia e conformando governos frente populistas e fizeram destas revolucoes uma ante-sala para devolver o poder ao imperialismo, traindo a classe trabalhadora.

 

 Em El Salvador

 

As vitorias obtidas em El Salvador contra os planos neoliberais depois dos Acordos de Paz foram gracas a luta das classes populares, como por exemplo, a derrota das primeiras tentativas de privatizacao do sistema nacional de saude, o aumento das lutas contra a privatizacao da agua, contra as represas, a mineracao, o alto custo de vida, e recentemente a luta contra a construcao do aterro sanitario em Cutumay Camones, etc.

 

Frente a esta situacao pode-se considerar a luta das massas como uma luta por objetivos imediatos em defesa da vida, constantemente ameacada pelo sistema capitalista e a implementacao do neoliberalismo. Evidencia-se de maneira geral nestas lutas, a ausencia de uma direcao que as leve a alcancar vitorias mais amplas que beneficiem o conjunto das classes exploradas.

 

A possivel vitoria eleitoral da FMLN sera fruto do descontentamento das massas com 20 anos de ditadura civil da Alianca Republicana Nacionalista (ARENA), a rejeicao a implementacao do projeto neoliberal, e  consequencia, da fome e da miseria produzidas por um capitalismo dependente e uma burguesia servil ao imperialismo.

 

A candidatura de Mauricio Funes

 

O conjunto das classes exploradas, devido a falta de direcao revolucionaria nas suas lutas contra a implementacao das medidas neoliberais e o sistema de exploracao capitalista, nao possui os elementos e a formacao necessaria para poder ser a vanguarda da luta revolucionaria, e isto as leva a pensar que talvez um “lider carismatico” ou um partido pseudo-revolucionario va melhorar suas condicoes de vida. A experiencia historica demonstrou que isto e totalmente falso. No Brasil, Lula e o governo do PT, assim como em outros paises da America do Sul, nao fizeram mais que dar um novo impulso ao projeto imperialista na regiao (PPP, ALCA, pagamento da divida externa, etc.), as custas da fome e a miseria dos trabalhadores.

 

No discurso de lancamento da candidatura presidencial do FMLN, no dia 11 de novembro de 2007, Funes afirma: “Nestes 17 meses que faltam para as eleicoes devemos construir o tecido social que seja a base de uma poderosa alianca: partidos politicos e sobretudo, organizacoes sociais, sindicais e empresariais devem dar vida a dita alianca. Vamos promover e respeitar o investimento privado nacional e estrangeiro”.

 

E acrescenta: “Estou convencido que o pais necessita uma politica fiscal integral que inclua reformas pelo lado da despesa, da arrecadacao, da divida, do patrimonio publico, das financas municipais, e sobretudo supervisao e transparencia no uso dos recursos do Estado”.

 

Na verdade, a politica economica e social que propoe Funes, nao vai alem do que sugere o Banco Mundial, o FMI e o BID para os paises subdesenvolvidos.

 

O QUE SE PODE ESPERAR DE UM PARTIDO E DE UMA DIRECAO NAO PROLETARIA?

 

Como mencionamos anteriormente, depois dos “acordos de paz,” as unicas lutas que tiveram resultados positivos, foram as que os trabalhadores e as massas travaram, a partir do local onde se travam as grandes batalhas: as ruas. A FMLN, dentro da armadilha da democracia burguesa, nao resolveu os problemas das massas e e possivel que nao o consiga. Para sustentar esta afirmacao podemos mencionar as seguintes razoes:

 

1.                Ante a implementacao do neoliberalismo, as criticas por parte da FMLN foram superficiais e por estar desvinculado politicamente das massas e ser um partido com um programa social democrata, que se movimenta so dentro dos corredores do parlamento burgues, se encontra amarrado politicamente e nao quer e nao pode enfrentar frontalmente a burguesia, pois seu objetivo e fazer reformas dentro do regime existente ao melhor estilo de Bernstein. 1

2.                   Nao e possivel esperar mudancas estruturais, pois a FMLN pelo seu carater de classe, nao procura ser a vanguarda do movimento de massas para a tomada do poder, uma vez que suas condicoes sao definidas pelos limites da democracia burguesa, tal como o coloca Schafick Handal, “mudar o sistema usando suas mesmas regras e dificil mas nao impossivel” 2 

3.                De um possivel governo da FMLN, ao acirrar-se a luta de classes, consideramos que se poderia esperar politicas afastadas dos interesses das classes trabalhadoras, para manter o status quo, possivelmente em nome da revolucao, desempenhando um papel contra-revolucionario como os mencheviques e os eseristas3 na Russia em 1917.

 

POSICAO DOS OPORTUNISTAS ANTE UM GOVERNO DE CONCILIACAO DE CLASSES

 

A experiencia historica demonstrou que a posicao dos setores oportunistas com relacao aos governos de frente popular se caracterizou por seu apoio ao governo frente populista. Este apoio pode ser aberto ou velado; pode ser as medidas do governo ou de fato, quando nao se opoe claramente a essas medidas; ou qualquer outra variacao do mesmo tema.

Os setores oportunistas tambem se caracterizam por ter um silencio cumplice em relacao ao governo. Nao o denunciam como um governo burgues e contra-revolucionario. Isto e, nao ha uma politica de denuncia sistematica, de enfrentamento e oposicao frontal ao goveno.

Os oportunistas se caracterizam por nao levantar voce consigna de poder, isto e, nao e o eixo de sua politica a reivindicacao de um tipo de governo oposto ao existente.

 

QUAL DEVE SER O PAPEL DOS REVOLUCIONARIOS ANTE ESTE TIPO DE GOVERNO?

 

1.                Nao dar nenhum tipo de apoio, sob nenhuma circunstancia, nem ao governo nem a suas medidas. Isto nao quer dizer, que nao se defenda essas medidas quando forem atacadas pela contra-revolucao, mas quando nao houver um ataque a essas medidas propostas pelo governo, nunca as apoiaremos.

2.                Fazer uma denuncia sistematica, implacavel do governo, como burgues e contra-revolucionario; Convocar os trabalhadores a nao crer em nenhuma de suas promessas ou medidas. Isto nao quer dizer que quando as massas ainda confiam no governo deva levantar-se a consigna de derruba-lo. Mas tambem nao significa que devemos esconder da classe operaria sua caracterizacao e politica.

 

ALERTAMOS AS ORGANIZACOES DA ESQUERDA REVOLUCIONARIA A NAO CAPITULAR E A ENFRENTAR  UM POSSIVEL GOVERNO DESTE TIPO.

 

Todas as organizacoes da esquerda revolucionaria devem travar uma discussao em torno do que fazer e de qual e o carater de classe deste tipo de governo, ja que ao longo da historia, estes processos, confundiram bons elementos da classe operaria, inclusive alguns dirigentes marxistas, que terminaram capitulando a este tipo de governos, e ate integrando o novo governo burgues.

 

PROPOMOS:

 

1.                 Lutar contra a burguesia, e o imperialismo, sem deixar de denunciar um possivel governo da FMLN como um governo de conciliacao de classes.

2.                 Chamar todos os trabalhadores e organizacoes do movimento social a fazer politica independente, classista, com base em um programa classista.

3.                Aproveitar os espacos que nos brinda a campanha eleitoral, para conscientizar e elevar o nivel politico da vanguarda das classes exploradas.

4.                 Discutir com todas as organizacoes do movimento social e organizacoes operarias, a fim de definir que postura e que politica e preciso ter ante um governo deste tipo, de modo a avancar na construcao de um programa revolucionario que responda as necessidades das massas trabalhadoras.

 

NOTAS:

1. Eduard Bernstein (1850-1932), ‘jornalista, desde 1872, membro do Partido Socialista Operario alemao. Em 1880 conheceu  Marx e Engels, manteve correspondencia com eles e se transformou em marxista. Em 1886 se manifestou abertamente revisionista, e foi o fundador teorico dessa corrente.

 

2. HANDAL, S. J., A FMLN e a vigencia do pensamento revolucionario no Salvador, P. 29. 01/09/2004.

 

3. Nome dos Socialistas Revolucionarios, partido pequeno burgues russo. Depois da vitoria da revolucao democratico burguesa de fevereiro de 1917, os eseristas, junto com os mencheviques, foram os principais pilares do governo provisorio contra-revolucionario de alianca entre proprietarios rurais e a burguesia, ao que pertenciam os lideres do partido eserista (Kerensky, Avxentiev, Chernov). Posteriormente, depois da Revolucao de Outubro, os eseristas e os mencheviques realizaram trabalho subversiva contra-revolucionaria, apoiavam por todos os meios os intervencionistas e os guardas brancos, e organizavam atos terroristas contra os dirigentes do estado sovietico.

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