sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Sobre o programa e as tarefas atuais para Cuba


No último dia 30 de dezembro, a artista plástica cubana Tania Bruguera encabeçou a convocatória chamada “Eu também exijo”, com uma série de exigências democráticas ao governo cubano, como

a liberdade de expressão para setores opositores. Devido a essa convocatória, a artistas e outros ativistas democráticos foram detidos e posteriormente liberados, após ser interrogados pelos serviços de segurança cubanos.



A LIT-QI apoiou este chamado e publicou duas entrevistas com Tania Bruguera. Ao contrário, internacionalmente, a corrente chamada castro-chavista condenou a convocatória como “uma provocação do imperialismo”.



Isto não fez mais que reatualizar o debate que, há vários anos, se desenvolve na esquerda sobre o atual caráter de classe do Estado cubano e, como consequência, sobre a caracterização do regime dos irmãos Castro e o programa que os revolucionários devem levantar hoje para Cuba.



O marco do debate



Frente à corrente castro-chavista, que sustenta que Cuba é “o último bastião do socialismo”, ou a numerosas corrente trotskistas que afirmam que há um plano restauracionista, mas que ainda não se deu o “salto qualitativo”, a LIT-QI tem defendido (em muitos artigos e materiais publicados nos últimos anos) que na ilha já foi restaurado o capitalismo.



Antes de entrar neste ponto, reafirmamos que seguimos reivindicando profundamente a revolução cubana, que construiu o primeiro Estado operário do continente, em pleno quintal do imperialismo estadunidense. Uma revolução que, através da economia planificada centralmente, alcançou gigantescas conquistas para o povo cubano, como a eliminação da miséria e da pobreza extrema e grandes avanços na alimentação popular, na saúde e educação públicas. Em muitos destes aspectos, um país pequeno como Cuba superou os países mais desenvolvidos da América Latina, como Brasil, México e Argentina. O que dizemos, contudo, é que este Estado operário já não existe, e aquelas conquistas se perderam ou estão sendo perdidas aceleradamente.



Em nossos materiais apresentamos os critérios conceituais e mostramos os fatos pelos quais afirmamos que Cuba deixou de ser um Estado operário e se transformou em um Estado capitalista. Entre eles, a destruição da planificação central da economia, a eliminação do monopólio do comercio exterior, a privatização de fato da terra, a abertura do país a investimentos estrangeiros, etc. Hoje a economia cubana não é regida pela planificação central, mas pela lei do lucro, como qualquer país capitalista.



Ao mesmo tempo, afirmamos que, como consequência da restauração, Cuba vive um acelerado processo de dominação econômica em benefício do imperialismo. O imperialismo europeu (em especial o espanhol) aproveitou a fundo a restauração e já domina setores centrais da economia, como o turismo (com os famosos hotéis Meliá) e outros ramos. A nova Lei de Investimentos Estrangeiros, aprovada no ano passado pelo parlamento cubano, e a licitação para a exploração de áreas petrolíferas apenas aceleram este processo.



É neste marco que analisamos o significado da recente retomada das relações democráticas entre Cuba e EUA (veja a declaração “Sobre o restabelecimento das relações democráticas entre Cuba e EUA”).



Enquanto para a corrente castro-chavista tratou-se de “um triunfo” da luta do povo cubano contra décadas de bloqueio e isolamento imposto pelo imperialismo ianque, para nós tratou-se de um passo que permite um avanço maior da ocupação imperialista. “Este acordo beneficia ao imperialismo e à nova burguesia cubana formada a partir do governo castrista”. Setores importantes do imperialismo estadunidense viram que perdiam negócios muito vantajosos (a poucos quilômetros de Miami), e começaram a mover-se para recuperar o terreno perdido. O regime dos Castro quer transformar Cuba numa “pequena China”, com a vantagem de estar a uma pequena distância dos EUA. Fatos posteriores, como a visita de numerosos empresários estadunidenses ao país, confirmam esta caracterização.



A restauração capitalista não se deu somente em Cuba. Também ocorreu na Rússia (com Gorbachov), nos Estados do leste da Europa e na China (a partir de Deng Xiaoping). Porém, enquanto na Rússia e na maioria do leste da Europa, as massas derrubaram posteriormente ao regime estalinista, na China, o PC manteve-se no poder e tentou ocultar o processo de restauração sob as bandeiras vermelhas, em nome de um “socialismo” que já não existia. O mesmo ocorreu em Cuba.



O caráter do regime castrista



Há um segundo aspecto, essencial para o conteúdo central deste artigo, em debate: que tipo de regime e governo encabeçam hoje os Castro?



Até mesmo no período de existência do Estado operário cubano, os irmãos Castro e o PC cubano construíram um regime burocrático e repressivo, que impedia qualquer tipo de liberdades democráticas para os trabalhadores e as massas. Todavia, em todos esses anos, tal regime defendia as bases sociais do Estado operário.



Posteriormente, foi esse mesmo regime que restaurou o capitalismo no país e que está garantindo o processo de ocupação imperialista. Neste processo, ao redor da cúpula castrista, foi se conformando uma nova burguesia, associada aos investimentos estrangeiros. A conclusão, assim, é que, atualmente, o regime dos irmãos Castro é uma ditadura ou governo totalitário em um país capitalista, a serviço da colonização econômica do país.



Esta conclusão pode causar espanto à imensa maioria dos militantes da esquerda, educados na reivindicação e defesa daquele que foi o único Estado operário da América Latina, e no justo prestígio que os irmãos Castro (principalmente Fidel) conquistaram por encabeçar essa revolução. Fomos parte dessa geração e grandes admiradores e defensores da revolução cubana. Porém, como marxistas, não podemos basear nossas análises e caracterizações, nem nossa política, sobre razões sentimentais, mas sobre fatos da realidade, por mais duros que sejam.



Quais são o programa e as tarefas atuais em Cuba?



Se a análise que desenvolvemos é correta (isto é, se Cuba se transformou em um país capitalista, em acelerado processo de colonização econômica), surgem conclusões essenciais sobre o programa que os revolucionários devem levantar no país. Em primeiro lugar, o eixo estratégico do programa é hoje a necessidade de que no país se desenvolva uma nova revolução operária e socialista, que reconstrua as bases do Estado operário destruído pelos Castro. Dentro deste programa, tem uma importância central a luta contra a dominação imperialista, contra as medidas concretas que facilitam tal dominação e suas consequências no nível de vida dos trabalhadores e povo cubano (por exemplo, a demissão de centenas de milhares de trabalhadores estatais, a deterioração da saúde pública ou os baixíssimos salários). Ambos processos nos levam a chocar de frente e lutar contra o regime e o governo dos Castro.



Em segundo lugar, se estamos diante de uma ditadura em um país capitalista, um componente central do programa para Cuba é a luta pelas mais amplas liberdades democráticas para os trabalhadores e as massas.



Por exemplo, hoje em Cuba não existem sindicatos livres (somente os “oficiais”, que, de fato, integram o aparato do Estado), que possam lutar por salários e condições de vida para os trabalhadores (recordemos que o salário é, na maioria dos casos, de 18 dólares mensais). É um absurdo que a esquerda castro-chavista se posicione contra este direito ou contrária a que os trabalhadores possam fazer greves contra tal situação.



Defendemos também o direito à liberdade de formar partidos políticos além do PC. E, nisto, incluímos não só o direito para partidos revolucionários, como os que compõem a LIT-QI, mas também para organizações reformistas, como Podemos ou Syriza. Para aqueles que nos acusam de defender liberdades também para a burguesia, respondemos que a burguesia imperialista já tem e terá todos os direitos de explorar os trabalhadores cubanos e obter grandes lucros no país, a partir dos acordos feitos pelo governo castrista. Nós defendemos as liberdades para todos, para que todos os trabalhadores possam lutar em melhores condições contra esta exploração capitalista e contra a ditadura castrista. Esta luta só pode ser levada até o final com a derrubada do regime dos Castro, que a impede de modo absoluto.



A respeito da luta anti-ditatorial e pelas liberdades democráticas para os trabalhadores e as massas, podemos dizer que a situação cubana é similar à luta ocorrida no Egito contra Mubarak, e agora contra o regime militar de conjunto, ou contra Bashar Al Assad, na Síria. Para nós, a queda da ditadura pela via da ação das massas seria um passo à frente e abriria melhores condições para a luta estratégica pela revolução operária e socialista.



Finalmente, sobre a unidade de ação



Os setores castro-chavistas defendem incondicionalmente a estas e outras ditaduras com o argumento de que “são governos que lutam contra o imperialismo” e que todos aqueles que lhes fazem oposição são “pró-imperialistas” (no caso cubano, seriam “gusanos”). Assim defenderam a Kadafi na Líbia, defendem a Al Assad na Síria e apoiam aos Castro em Cuba.



Um argumento que cai por terra, quando vemos que Kadafi (ainda que o tenha sido no passado) já não tinha um papel de anti-imperialista assim como não o tem hoje Al Assad. Já dissemos sobre o verdadeiro caráter do regime e do governo dos Castro em Cuba. Não se tratam de “governos progressivos”, mas de duras ditaduras.



Vejamos agora o exemplo de Tania Bruguera. Apesar das acusações que recebeu, ela não é parte dos “gusanos de Miami”: é filha de quadros castristas da revolução cubana e expressa setores da população para os quais a opressão e a repressão ditatorial tornaram-se intoleráveis. Por isso, difundimos e apoiamos sua convocatória.



Isto não significa que não tenhamos importantes diferenças. Ela considera que o acordo de restabelecimento de relações com os EUA é “positivo” para sua luta, enquanto nós o denunciamos como um passo na colonização econômica do país e, portanto, um fortalecimento ao regime ditatorial. Ainda que não concordemos com ela neste ponto tão importante, estivemos e estaremos juntos na luta pelas liberdades democráticas para os trabalhadores e as massas.



Nesta luta por liberdades democráticas, intervimos com um critério de classe. Primeiro, porque cremos que devem ser os trabalhadores a dirigi-la e ser seus protagonistas centrais. Em segundo lugar, ao contrário da burguesia imperialista e os gusanos (que defendem essencialmente a liberdade de mercado e liberdades políticas para a burguesia), para nós o central são as liberdades para os trabalhadores e as massas, que permitam desenvolver melhor a luta para recuperar Cuba como um país socialista.



(Veja na parte de vídeos desta página – abaixo à direita – ou no Youtube [http://youtu.be/QygXIM1JD18] uma entrevista exclusiva do nosso site com Tania Bruguera, artista plástica e ativista na luta por liberdades democráticas em Cuba)



Tradução: Isa Perez

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