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quinta-feira, março 28, 2024

Um ano de governo Santos: punho de ferro com luvas de seda

A diferença em relação à Uribe é que Santos não impõe, dispõe. Agrupou ao seu redor, na Unidade Nacional, todos os privilegiados do país. As leis são acordadas nos cafés matinais de trabalho da Casa de Nariño [sede do governo] e, logo depois, são aprovadas no Congresso da República. Nem sequer o Partido Verde conseguiu resistir à tentação de ter sua cota de poder e de cargos. Este humorado negociador obscurece o endurecimento do regime. Sem pausa, o governo vem aprovando seu pacote de contrarreformas, contrário às garantias sociais e democráticas.

Reforma Constitucional

Completaram-se vinte anos desde a Constituição de 1991. As promessas de paz e de justiça social ficaram para trás. Nestas duas décadas se perpetuou um novo genocídio contra os camponeses pobres, ao mesmo tempo em que eram arrancados, pelo uso da força, seis milhões de hectares das melhores terras. Sem trégua, foi perseguida a vanguarda operária e popular. Os dois mandatos, de quatro anos cada, de Uribe permitiram terminar a tarefa, tendo Santos como seu ministro de destaque. A mudança do ocupante da Casa Nariño nos permite, agora, reconhecer os frutos do despojo. Porém, para isso, ainda é necessário harmonizar a legislação nacional com as regras do jogo do capital transnacional, ao que se denomina de seguridade jurídica. As leis aprovadas pelo Congresso na primeira legislatura de 2011 avançaram neste sentido; a mais importante foi a Lei de Terras e Vítimas, cujo objetivo não é a garantia de reparação total, mas a legalização da propriedade para que os empresários agrícolas e mineiros não tenham imprevistos. A outra medida foi a Regra Fiscal, que se configura como uma camisa de força para o orçamento de forma que seja garantido o pagamento da dívida pública em detrimento do financiamento dos serviços sociais a cargo do Estado.

Neste momento, encontra-se na pauta a regulamentação da distribuição de verbas. Valendo-se do argumento da necessidade de proteção contra a corrupção local, estas se concentrarão nas mãos do Executivo objetivando o financiamento de megaprojetos de obras públicas. A modernização da infraestrutura viária e de transporte buscará facilitar a economia extrativista dos monopólios mineiros e de agrocombustíveis. A contrarreforma das Corporações Autônomas Regionais, desprezadas como responsáveis pela catástrofe do inverno, vão no mesmo sentido: que não seja um obstáculo – quando tratam de fazer respeitar a legislação ambiental – para a exploração e exportação dos recursos naturais em mãos do grande capital.

O grande juiz e sua grande Corte

Durante a era Uribe foi freqüente o chamado “choque de trens” entre o Executivo e a Corte, pois a oposição burguesa utilizava-se da Corte Suprema como mecanismo de burlar as investidas de Uribe. Além disso, as mais altas cortes se invalidam mutuamente em base a suas falhas; já o Conselho Superior de Justiça revelou-se como espaço de negócios para familiares e amigos dos magistrados. A tutela serviu para reclamar direitos básicos, porém é também utilizada para evitar a própria ação judicial. A impunidade se mantém em 95% dos casos. Chegou-se a falar de uma “ditadura dos juízes”, que obrigavam o governo a tomar decisões orçamentárias, como no caso das deficiências no serviço de saúde e do negócio das EPS.

Santos quer cortarpela raiz e submeter de uma só vez todo o ramo jurídico ao império do Executivo. A contrarreforma judicial oferece aos altos magistrados a preservação de seus privilégios – começando por períodos vitalícios e ampliação da idade da aposentadoria compulsória – em troca da renúncia da mal falada “divisão de poderes”. O governo deseja definir que os tribunais encerrem processos a fim de evitar a inseguridade jurídica aos capitalistas. Pensa-se em devolver a dupla instância aos congressistas, pois as prisões se encontram abarrotadas de parapolíticos. Acima da legislação nacional devem predominar as regras da Organização Mundial do Comércio, para que as transnacionais possam exportar seus lucros sem temor. O grande capital financeiro, sobretudo, deve estar protegido legalmente do furacão econômico que assola o mundo.

Frente às mudanças propostas, a aristocracia jurídica tem saído a dar pontapés. Os presidentes das altas cortes discursam através da mídia, falando da autonomia do poder judiciário. Os fiscais e os juízes dizem que são vítimas de chantagem e ameaças ou são atingidos pelos reflexos da corrupção, sabem que terminarão convertidos em fantoches nas mãos de seus chefes e dos líderes locais.Esta contrarreforma revelará, também no terreno jurídico, o verdadeiro rosto do regime bonapartista colombiano e sua presidência autoritária. Por isso, devemos nos opor a ela exigindo o respeito às liberdades democráticas, de organização política e sindical, de expressão e de mobilização.

Direitos para a direita

Ao mesmo tempo em que são retiradas garantias democráticas, são ampliados os diretos para a ultradireita. Este é o significado do projeto que tramita no Congresso e que pretende devolver os direitos políticos aos “desmobilizados”, fazendo com que possam aspirar ocupar cargos públicos. Desta maneira, pretende-se passar por cima dos limites impostos pela Lei de Justiça e Paz, beneficiando os paramilitares por não reconhecê-los como postos em armas contra o Estado, assim como seus crimes como delitos políticos. Visando endeusar o projeto, tem-se anunciado que as medidas se aplicarão também á guerrilha, por meio de uma futura negociação. Reconhecem, dessa forma, o fracasso da Lei de Justiça e Paz que, depois de seis anos e 34 mil processos,só fracassou em quatro. Esta nova lei de impunidade é a maneira pela qual Santos pretende manter o acordo de governabilidade com o uribismo.

Voltar às ruas

Com pressa e sem pausa, Santos avança com a escavadeira da Unidade Nacional, aprovando suas contrarreformas. Porém, sua máquina pode se chocar com a resistência popular. Isso é o que foi demonstrado com o anúncio de retirada do “ânimo do lucro” do projeto de reforma da Lei de Educação Superior. Trata-se de uma conquista do protesto massivo dos estudantes universitários. Barrar as demais contrarreformas dependerá que a mobilização e protesto de diversos setores, que hoje resistem, mas de forma atomizada, possa unificar-se em torno das ações nas ruas e das greves por fábricas. Para 07 de outubro está convocada uma greve estatal; em 12 de outubro os estudantes, indígenas e a Coordenadoria de Movimentos Sociais realizarão uma jornada de protestos unificada. Somente se essas ações forem preparadas pela base, poderão superar a inércia das direções burocráticas dos sindicatos, assim como suas ilusões de negociar com o governo a aplicação dos planos.

Nem saúde, nem educação

O pacote de contrareformas inclui também a saúde e a educação. A primeira tirou fora o Estado em função da voracidade do capital privado. Para preservar o negócio, a lei propiciará a concentração a serviço do capital financeiro. Será unificado o Plano Obrigatório de Saúde pelo mínimo e serão mantidas as condições precárias de contratação para os profissionais da saúde. A última preocupação será a qualidade do serviço oferecido aos afiliados. Por isso, o magistério saiu às ruas no último 7 de setembro buscando defender o pouco que lhe resta de seu regime especial. Os estudantes, de sua parte, se mobilizaram contra o projeto de reforma da Lei 30 de Educação Superior e exigindo um orçamento adequado para o setor. O recuo do governo em sua pretensão de entregar o setor às instituições voltadas ao lucro demonstrou que só existe uma forma de derrotar as contrarreformas de Santos: nas ruas e com a mobilização, tal como têm demonstrado os estudantes chilenos, os trabalhadores gregos, espanhóis e italianos. Este é o exemplo a ser seguido.

Tradução: Luci Praun

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