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quinta-feira, março 28, 2024

FARC: Cumprindo exigências para abrir diálogos?

No último 26 de fevereiro o Secretariado de Estado Maior Central das FARC – EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo) emitiu um comunicado no qual são feitos dois anúncios que têm significativa importância.

Em primeiro lugar as FARC comunicaram a decisão “de somar à anunciada libertação dos seis prisioneiros de guerra a dos quatro restantes em nosso poder”, afirmando também que estão “preparados para concretizar o que for necessário para agilizar este propósito”.

Em segundo lugar, o que apareceu como um fato absolutamente novo e relativamente inesperado, destacado especialmente pelos meios de comunicação, é parte da declaração onde o Secretariado das FARC afirma: “Muito tem se falado sobre as retenções de pessoas, homens e mulheres da população civil, que por interesses financeiros as FARC têm efetuado, com o objetivo de sustentar nossa luta. Com a mesma vontade que falamos acima, anunciamos também que a partir desta data abolimos a prática das retenções em nossa atuação revolucionária. Com relação à lei 002 (lei criada pelas FARC que obriga empresários e pessoas com patrimônio econômico superior a um milhão de dólares a pagar uma taxa ao grupo em troca de não serem sequestrados), expedida pelo nosso Plano de Estado Maior do ano 2000 fica desta maneira invalidada”. Em síntese, indo além da diferença entre as palavras retenção e sequestro, o Secretariado das FARC ordena cessar esta atividade com fins de financiamento.

Estes dois aspectos centrais da declaração do Secretariado merecem ser analisados profundamente. Não sobram dúvidas para afirmar que nossa análise, assim como as diferenças e críticas que expressamos em relação à estratégia e o método das FARC, são feitas a partir de uma posição revolucionária, de defesa dos interesses dos trabalhadores e oprimidos, de luta contra o imperialismo e contra toda forma de exploração e opressão. O que significa dizer que é desde um ponto de vista socialista e revolucionário, absolutamente diferente e contrário de qualquer posição do governo e de seus agentes nos grandes meios de comunicação. Para dizer claramente, como temos feito durante anos, afirmamos que divergimos das FARC em sua concepção programática, em sua estratégia política e nos métodos que utilizam para ajudar a luta revolucionária na qual dizem estar comprometidos.
 
As liberações: a última parcela

{module Propaganda 30 anos}Por si só a decisão das FARC de entregar todos os retidos não passaria de ser a última parcela do processo de liberações sucessivas de políticos burgueses e militares que têm sido feitas já há vários anos. Essas liberações são apresentadas pelas FARC como demonstração de sua vontade de diálogo e também são um mecanismo político para dar espaço e protagonismo a quem faz processo sua principal atividade (a ex senadora Piedad Córdoba, por exemplo).

Além disso, tudo indicaria que as liberações anteriores e esta última parcela significaram para as FARC uma forma de acabar com o peso de manter em cativeiro várias dezenas de pessoas. Junto com isso deve ficar claro que – salvo o caso de Ingrid e dos quatro norte-americanos – a burguesia estava dando muito pouca importância ao assunto e estava disposta a deixar apodrecer na selva os civis e militares retidos ou arriscar a vida deles em fracassados resgates a sangue e fogo; nos quais as FARC tampouco obtinham algum crédito político.

Visto este processo de conjunto, para além da espetacularização de algumas das liberações, dos fracassos e prorrogação de outras pela intransigência dos governos (Uribe e Santos), dos episódios entre trágicos e grotescos da prometida liberação de Clara Rojas e seu filho Emanuel – quando ele já estava nas mãos do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar -, ou de haver perdido “a rainha de todas as liberações” (Ingrid Betancur e os quatro norte-americanos), as FARC não conseguiram converter estas liberações em um fato político significativo a seu favor. Pelo contrário, cada liberação se convertia em um espaço que brindava aos grandes meios de comunicação, à burguesia, ao governo e a todos os seus assessores, o cenário para exigir cada vez mais. Por isso as FARC decidem entregar os que ainda estavam em seu poder.

Retenção de pessoas para fins financeiros

O Secretariado das FARC declarou que aboliu “as retenções de pessoas, homens ou mulheres da população civil, que por interesses financeiros as FARC efetuam, com o objetivo de sustentar nossa luta”. Esta prática das FARC – e de praticamente todas as organizações guerrilheiras que existem na Colômbia, como o ELN (Exército de Libertação Nacional) – vem de muitos anos antes de 2000, quando foi expedida a chamada Lei 002.

O sequestro (segundo a denominação comum e da burguesia; retenção segundo a denominação das FARC), chegou a se converter em um problema de primeira magnitude que afetava as condições para grandes projetos econômicos em diversas zonas e elevava a cifras astronômicas os custos da segurança de gerentes e técnicos de projetos de mineradoras e agroindústrias. A retenção estava ligada diretamente a uma “vacinação” massiva de pecuaristas e proprietários de terras, comerciantes, alguns empresários industriais e multinacionais. Ou se paga pela vacinação ou pode-se correr o risco de sequestro ou retenção. Assim é garantido o pagamento de cerca de milhares de vacinas por mês em diversas áreas. Somente as próprias FARC sabem qual porcentagem significa o pagamento pela retenção, ou seja, o quanto neste momento estão renunciando a receber; não sabendo que outros meios poderão utilizar para garantir a continuidade destes pagamentos mensais, assunto ao qual eles não se referem.

É certo que, tal como disse o Secretariado das FARC, “muito se fala sobre as retenções de pessoas”. Por um lado, durante todas estas décadas a burguesia e os grandes meios de comunicação têm falado do assunto. Por outro lado, familiares e pessoas próximas falam da dor causada pelas retenções-sequestros; do sofrimento incompreensível de ter um familiar, amigo, vizinho ou simples conhecido em cativeiro durante meses e anos enquanto se faz uma negociação e pagamento do resgate. Também se fala sobre isso entre as organizações revolucionárias, debatendo se tais métodos são os melhores politicamente para o financiamento das atividades.

E tem que continuar falando!

No comunicado do Secretariado não está claro se a decisão adotada de proscrever a retenção com fins financeiros é tática, conjuntural, para a busca de um ambiente propício para a negociação ou se responde a uma reflexão estratégica a respeito das desvantagens políticas de tal método; pois as vantagens econômicas parecem ter sido significativamente favoráveis para as FARC durante todos estes anos, a não ser que os custos econômicos e o esforço militar de realizar um sequestro atualmente converteu-se em não lucrativo.

Se o ELN assume a mesma orientação que as FARC a respeito deste assunto e se as estruturas de base de ambas as organizações acatam as orientações de seus mandantes centrais, então está assentada a possibilidade de que na Colômbia, e também em uma enorme quantidade de países, esta prática seja, quando realizada, caracterizada como crime comum, sem relação com nenhuma classe ou atividade política e muito menos com uma organização política que se proclame revolucionária; exceto por prováveis fracassos nos diálogos que possam levar uma ou ambas organizações a proclamar novamente os antigos métodos.

Um balanço é necessário

Por definição, a primeira de todas as atitudes revolucionárias de uma organização frente ao movimento de massas e aos demais setores aos quais se reconhece um caráter revolucionário é reconhecer os erros que foram cometidos na prática revolucionária e defender aquelas orientações e métodos que se considerem corretos, e quando se modifica ou renuncia a uma prática ou a um método é necessário dizer publicamente as razões disto.

Com seu comunicado, o Secretariado das FARC deixou qualquer militante, quadro médio ou simpatizante totalmente perplexo. Por que agora é abolida a retenção de pessoas com fins financeiros? Foi o método correto durante tantos anos? E atualmente, abolindo o mesmo, porque é incorreto? Ou ainda é válido e correto e apenas se renuncia a ele taticamente para conseguir uma aproximação e diálogo com o governo?

Perguntas parecidas com as anteriores podem ser formuladas a respeito da retenção de civis com fins financeiros, quer dizer, a respeito da retenção de políticos burgueses, de qualquer importância. Não entra em questão, logicamente, a retenção de militares, dado o reconhecimento do enfrentamento das FARC com o Estado como um enfrentamento político expresso militarmente e não em caracterizações de crime comum.

As exigências de Santos para o diálogo

O contexto político no qual se dá o comunicado do Secretariado das FARC é de poucos dias depois de outro comunicado do ELN expressando sua disposição a uma trégua bilateral. Não resta a menor dúvida de que ambos são respostas expressas a exigências do governo Santos para que seja levantada a bandeira branca da paz. A renúncia à retenção-sequestro de civis com fins financeiros ou políticos foi uma condição prévia categórica apresentada pelo governo Uribe e também pelo atual governo Santos, junto com a liberação de todos os membros das Forças Armadas.

Que os contatos diretos ou indiretos entre as FARC, o ELN e o governo Santos estejam em curso e que os comunicados sejam expressão pública de tais contatos é algo que, tanto como a decisão governamental de máxima discrição sobre o tema, é bem difícil de afirmar. Contudo, é indiscutível que a decisão dos altos mandantes das FARC e da ELN é começar a cumprir parte das exigências governamentais.

Se o processo que está tomando curso vai se materializar ainda está por ser visto. Há grandes fatores a favor do plano do governo de impor uma rendição negociada com a guerrilha: os golpes militares que eles têm sofrido nos últimos anos, a aparente diferença do governo Santos com Uribe em alguns métodos de diálogo, a mudança substancial do ambiente internacional e do entorno ao país são elementos atualmente adversos à guerrilha e que a pressiona a buscar uma saída política.

Mas por outro lado há uma dificuldade muito grande. Existe uma ampla ala burguesa, proprietários de terras no país, que não está disposta a aceitar que se façam concessões relativamente significativas na negociação com a guerrilha. E essa ala é bem significativa na política do governo Santos. É difícil que Santos esteja disposto a romper totalmente com esta ala, liderada politicamente pelo presidente anterior, Álvaro Uribe. Se não forem feitas concessões relativamente importantes para os guerrilheiros, haverá dúvidas se estas organizações (FARC e ELN) vão chegar ao ponto de acabar com um processo de levante armado de 50 anos em troca de algumas migalhas (processos judiciais favoráveis para os militantes, liberdade de algumas centenas de presos, possibilidade de reagrupamento político legal, etc.); as poucas coisas que talvez o governo ofereceria nos diálogos para uma rendição negociada.

Uma terceira discordância e outros métodos

O conflito armado colombiano teve e tem ainda raízes nas profundas contradições sociais existentes. Contudo, tal como ficou demonstrado para a sociedade nas negociações anteriores (M-19, EPL, Corrente de Renovação Socialista do ELN, etc.) qualquer negociação de paz, seja de qualquer tipo, não acabará com tais contradições. Elas estão determinadas completa e totalmente pela estrutura capitalista do país unida às s formas particulare e métodos de exploração e opressão que a burguesia colombiana está empregando para se enriquecer.

Seja qual for o futuro de uma possível negociação das FARC e da ELN com o governo Santos, a luta do movimento operário e popular continuará em curso. E no fundo só existem duas opções: ou se defende o atual sistema de exploração e opressão e se faz parte dele – e deste modo se faz retoques e coloca panos quentes na situação a partir de uma posição reformista e de colaboração de classe como fazem os partidos Polo ou Petro – ou se levantam as bandeiras da revolução social. Fazer isto significa assinalar categoricamente que para começar a solucionar realmente as contradições sociais (o conflito social) é necessário acabar com o poder político, econômico e social da burguesia, enfrentar o imperialismo e avançar no processo de uma revolução socialista.

Conceber que a única opção para a classe operária, os explorados e oprimidos é lutar pela tomada do poder e pela conformação de um governo dos próprios trabalhadores não significa que acreditamos que podemos fazer isso agora, imediatamente. Significa que todos os esforços de organização, a educação política revolucionária no movimento de massas, a participação nas lutas que se dão no decorrer da historia do país, as propostas políticas e os métodos que se utilizam devem estar colocados a serviço desta estratégia. E que para isso é imprescindível a construção de um partido classista, revolucionário e internacionalista.

Se a negociação conduz à desmobilização e com o cessar do enfrentamento armado e com isso conduz os dirigentes e quadros médios a se integrar ao regime, a se converter em seus agentes testas de ferro, a se oferecer para administrar os assuntos públicos, respeitando os interesses da burguesia e do imperialismo, então as FARC repetirão agora o que já fizeram as direções do M-19, o EPL ou setores do ELN. Claro que eles têm todo o direito de fazer isso. Nós chamamos os militantes honestos a que não sigam por esse caminho. Chamamos a não continuar com a guerrilha, assunto tático na luta revolucionária que foi de maneira catastrófica utilizada como estratégia por uma concepção equivocada, à qual se uniram métodos e práticas que não são típicas do movimento operário e de massas e cuja validade e vantagem está completa e totalmente questionada.

Bogotá, 6 de março de 2012

Tradução: Cynthia Rezende

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