sáb abr 20, 2024
sábado, abril 20, 2024

Chile | Por que os professores se mobilizam?

A resposta, sem entrar nos detalhes dos 12 pontos reivindicados pelos professores, tem a ver com uma dívida histórica, a instabilidade laboral, o duplo processo de avaliação e as mudanças curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação que estabelecem, entre outras coisas, que as disciplinas de História e Educação Física passarão a ser optativas a partir do terceiro e quarto ano do ensino médio.

Por: Victoria Salamanca e José Villarroel

No entanto, a luta travada recentemente pelos professores é reflexo da raiva acumulada durante anos e que não somente atinge os professores, mas o conjunto da classe trabalhadora: condições precárias de trabalho, extensas jornadas e instabilidade no emprego.

O que é a dívida histórica dos professores?

Quando, no ano de 1981 as escolas do Estado e seus docentes foram transferidos para os municípios, houve uma tentativa de compensar as perdas salariais dos trabalhadores da educação através da criação de uma compensação não tributável, estabelecido pelo  Decreto de Lei 3551[1]. Este decreto outorgava um reajuste de até 90% do salario base para todos os funcionários públicos. Esta compensação deveria haver sido paga entre os anos de 1981 e 1984, no entanto, nenhum docente transferido recebeu integralmente tal compensação, porque o novo empregador eram os municípios e não mais o Estado. A partir disso o Estado e os municípios desconsideraram a aplicação da medida e os professores não receberam tal benefício, prejudicando não somente seus ingressos mensais, mas também as futuras aposentadorias.

Instabilidade laboral

A maioria dos professores trabalha durante anos por “contratos temporais” fazendo com que muitos não tenham uma situação laboral estável. Os empregadores, ao negar-se a contratar um professor de forma indefinida, causam uma série de problemas como, por exemplo, que o docente não tenha o benefício das férias, inclusive existem casos em que alguns professores estão nessa condição há 20 anos.

Duplo processo de avaliação docente

A dupla avaliação docente é um mecanismo que avalia o trabalho dos professores e os seus resultados repercutem no salário que recebem. Portanto, devido a permanente sobrecarga laboral a que estão submetidos, os professores muitas vezes recebem avaliações negativas que refletem fatores que não necessariamente dizem respeito ao processo educativo em si.

Mudança curricular

O Conselho Nacional de Educação anunciou a mudança curricular para o 3º e 4º ano do ensino médio que afeta as disciplinas de História e Educação Física, que deixam de ser obrigatórias e passam a ser optativas, rebaixando-as ao mesmo nível da disciplina de Religião. Fato esse que precariza ainda mais a situação dos professores que ministram essas disciplinas já que, ao reduzir a quantidade de horas, os municípios contratariam menos professores para ministrá-las, provocando um aumento do desemprego.

A educação está em crise

A herança deixada pela ditadura foi administrada pelos governos de Bachelet e Piñera, e houve consenso de ambos em manter o mercado educativo, nunca se pretendeu fazer uma mudança radical no sistema econômico. Hoje podemos ver os seus efeitos. Os empresários, banqueiros e seus representantes no parlamento dizem que não têm dinheiro para financiar a educação. Mas curiosamente, nos mesmos anos em que se gerava a dívida com os professores, os bancos privados entravam em crise. E o Estado, por outro lado, não disse para estes bancos que era muito dinheiro, ao contrário: o bancos foram subvencionados e resgatados da crise pelo Estado. Existem estudos que falam que o custo total do resgate dos bancos foi de 35% do PIB da época, o que significaria nos dias atuais 70 bilhões de dólares. O qual é  vergonhoso se levamos em conta que a dívida histórica com os professores gira atualmente ao redor de 14 milhões de dólares.

Existe dinheiro e a enorme corrupção das Forças Armadas é prova disso. O problema é que a riqueza está nas mãos dos donos das AFP ( Administração dos fundos de pensões[2]) e das transnacionais que roubam os recursos naturais como o cobre. Existem enormes riquezas, e não somente para financiar a educação, mas também a saúde e a moradia. É tarefa não somente dos professores, mas de toda a classe trabalhadora recuperar essas riquezas roubadas e colocá-las a serviço das necessidades dos trabalhadores.

O capitalismo está em crise

A luta dos mineiros de Chuquicamata[3] e a dos professores no fundo não têm muitas diferenças, são reflexo do mesmo processo, a situação laboral na qual se encontra toda a classe trabalhadora: salários miseráveis, instabilidade no emprego, largas jornadas de trabalho. E isso é assim porque aqueles que administram as empresas e o Estado são os grandes empresários e banqueiros, e quando a situação econômica piora eles fazem com que os trabalhadores paguem a fatura que eles mesmos geraram. Fazem isso rebaixando salários, atacando o emprego, e tirando os poucos direitos que nós temos. Desta forma eles nunca perdem, e fazem de tudo para manter seus lucros. Esta é a demonstração da podridão na qual está o sistema capitalista no Chile.

Aumenta a raiva

Cada vez vamos acumulando mais raiva, por isso os professores, os mineiros, os estudantes vão às ruas para protestar. No entanto a recente greve dos professores nos deixou suas primeiras lições: para conquistar nossas demandas não bastam as mesas de negociações com o Governo, menos ainda com o parlamento, já que as suas respostas sempre foram as mesmas: migalhas para os trabalhadores. É preciso colocar em disputa a riqueza dos grandes empresários e seus representantes políticos, para isso é fundamental avançar na construção de uma grande Greve Geral, que paralise os setores produtivos do país em conjunto com todos os trabalhadores. Somente assim conquistaremos nossas demandas: unificando as lutas dos distintos setores e não pela via sem saída do parlamento.

[1] https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=7175

[2] https://es.wikipedia.org/wiki/Administradoras_de_fondos_de_pensiones_de_Chile

[3] https://www.efe.com/efe/america/economia/comenzo-la-huelga-de-3-200-trabajadores-mina-chuquicamata-en-chile/20000011-4000779

Tradução: Luana Bonfante

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